sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Othoniel Gueiros

Dr. Othoniel Furtado Gueiros
Por ocasião do centenário de nascimento do grande medico e amigo Othoniel Gueiros, sua família resolveu homenageá-lo com a edição de um livro que tomou o título de “OTHONIEL GUEIROS – O LEÃO DO SENHOR”. Para tanto, solicitou colaboração de varias pessoas, entre as quais, fui incluído no convite e o texto que enviei a Everardo, sem que me avisassem, foi colocado como “Apresentação” do livro, o que muito me honrou e envaideceu. Essa “Apresentação” é exatamente o texto que transcrevo abaixo, que merece divulgação, não por sua singeleza, mas pela grandeza do homenageado:

          A marca era inconfundível. As mãos esfregando freneticamente, uma na outra, derrubando uma mecha de cabelo prateado sobre a testa. Sua efusão era motivada, sempre, por uma notícia alvissareira ou uma informação desagradável – tanto fazia – a reação era a mesma. Uma vitória ou uma derrota de sua UDN; o sucesso ou o fracasso de suas investidas eleitorais; o resultado dos embates na Câmara de Vereadores; a recuperação ou o desenlace de um paciente; o sucesso ou a frustação de um amigo provocavam a sua notória e sempre esperada manifestação gestual.

             No exercício da profissão, fazendo os partos nas residências das gestantes em precárias condições, ao considerar que ainda não era hora de consumar a délivrance, impressionava pela sua paciência em aguardar o momento certo que poderia varar a noite, enquanto se acomodava numa poltrona qualquer para tirar um cochilo.

            A sua extrema dedicação, que poderia resultar, numa noite, em fuga desabalada pelo tabuleiro, receoso do marido desesperado que perdera a esposa em parto laborioso no próprio sítio, ou receber o elogio de um marido agradecido pelo cura de sua esposa, nos seguintes termos: “Dotô, desses dotôzinho rabo de cabra que tem nessa terra, o sinhô é o melhorzinho deles!” 

            O seu verdadeiro sacerdócio no exercício da medicina, desprendido e generoso, fez dele um homem sem riquezas materiais e assim morreu. Mas deixou um legado acima de dimensões concretas, como esposo e companheiro, como pai carinhoso, como amigo fiel e pelo comprovado amor aos seus semelhantes, tantas vezes demonstrado.

            A sua fidelidade aos princípios que defendia, de qualquer natureza, sejam políticos, profissionais ou religiosos. Nunca receava emitir opiniões, pois era extremado em sua defesa e nem delas fazia segredo, já que sua incontida franqueza não o permitia.

            Ah! Othoniel, ainda que pareça impossível, você conseguiu extrapolar todas essas qualidades com uma razão que foi toda a sua vida. Uma extraordinária capacidade de indignar-se, nunca observada nos homens comuns e somente comparável ao herói de Cervantes, para o que não lhe faltava, sequer, o fiel escudeiro, não rotundo como Sancho, na figura esquálida de Aristino.

            Sempre pronto para verberar as injustiças, sem medir conveniências e sem receio de represálias. Arrostando os moinhos de vento da iniquidade, sem esperar recompensas que não a satisfação dos seus singulares protestos.

            Como isso nos faz falta nos dias de hoje, quando a leniência e a tolerância dos nossos homens públicos minimizam as ilicitudes e banalizam as maldades.

            A prática consentida dos pequenos ilícitos subverte os valores seculares e instiga o cidadão comum à sua reiteração, Afinal, em nosso pobre e vilipendiado país prende-se, sem contemplação, por mais de cem dias, uma pobre mulher pelo roubo de um pote de manteiga e permite-se a impunidade dos que assaltam os cofres públicos e deles desfrutam em gordas contas no exterior.

            Esteja onde estiver, na bem aventurança de sua paz interior ou na satisfação do bem que distribuiu em vida, deve estar esfregando as mãos com mais vigor ainda, cabelos na testa e voz rouca, recriminando as injustiças, condenando o despudor e verberando a desonestidade.


            Que os seus amigos mantenham viva a sua incontida indignação é a maior homenagem que lhe pode ser prestada, meu sempre querido Othoniel. 
      

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