domingo, 30 de novembro de 2014

OS ANOS RESTANTES DE LUIS JARDIM


Meu querido compadre e primo Luis Jardim, filho do Capitão José Jardim e tia Santa, por conseguinte irmão de Carminha, Zezinho (pai de Luis Afonso Jardim), Eulina (mãe de dois bem-querer, Tereza Cristina e Virgínia), Zezinha, Suzete. Pai, em primeiro casamento, de Esdras e Iara. Boêmio por vocação e prazer. Funcionário irrepreensível da Secretaria de Agricultura do Estado (Tesoureiro, num tempo em que não existia rede bancária e tudo era in cash. Imaginem a responsabilidade dos tesoureiros!). De segunda à sexta, servidor exemplar, cumpridor de suas obrigações sem qualquer referência desabonadora em sua ficha funcional, porém de sexta à noite até a noite de domingo, ninguém podia contar com ele pra nada. E, no Carnaval então, chegava em Garanhuns, se incorporava ao Cacareco e daí em diante eram três dias e quatro noites emendadas sem trégua e descanso.

Até que um belo dia chega a notícia: Luis Jardim teve um enfarto e estava internado no Hospital Português, com extremo  risco de vida. Nessa época, ainda não existiam os maravilhosos recursos médicos na cardiologia e a terapia determinava um repouso absoluto e uma manipulação como de cristal entre algodões. Seu cardiologista era Dr. Jarbas Malta seu amigo e irmão de José Malta, agrônomo do Estado e colega de trabalho de Luis.

Por conta disso, o trabalho do médico era de grande dedicação. Com tanto empenho e zelo, terminou Luis Jardim recebendo alta do Hospital indo pra casa depois de quase dois meses de internamento. Primeira providência foi uma festa de arromba em sua casa nos moldes que sempre fazia.

A família se apavorou e denunciou o seu comportamento ao Dr. Jarbas que mandou chamá-lo e passou-lhe um carão exemplar: Seu Luiz, você enlouqueceu? Sem vacilar, Luiz respondeu: “Você não me deu alta ? Aguarde o próximo enfarte e, se der tempo me socorram, se não, me enterrem e continuem a vida”. E concluiu ainda: “Jarbas, EU QUERO UM ANO DA VIDA QUE GOSTO  E NÃO QUERO DEZ DA VIDA QUE VOCÊ ME QUER DAR !”.

Sobreviveu ainda quatorze anos e terminou morrendo numa quarta-feira de cinzas, prosaicamente em um hospital, quando, na verdade merecia igual sorte de Quincas Berro D'Água ou Vadinho.

A DELICADEZA DA DEMOCRACIA


Meus caros amigos: 

Dizem que o diabo não é sabido porque é diabo e sim por ser velho. Não sou dono da verdade, mas queria convidá-los à uma reflexão: A democracia é uma planta tenra que exige cuidados constantes para o seu desenvolvimento vigoroso. Churchill já dizia que “a democracia é o pior dos regimes, mas até hoje a inteligência humana não criou melhor, nem menos ruim”. Se vocês ainda não observaram, estamos vivendo O MAIS LONGO PERÍODO DE NORMALIDADE DEMOCRÁTICA que o Brasil já viveu. Pesquisem, se duvidam... Vivemos até hoje entre soluços, golfadas e espasmos inexoravelmente truncados pela truculência dos déspotas e só sabe o que é liberdade, quem eventualmente a perdeu. A nossa vida se conta em anos e dias, mas a vida das nações se conta em séculos e será, sem dúvidas, construída para nossos descendentes. A pressa e o imediatismo é natural nos jovens apressados e sôfregos, mas não podem ser acrescidos de sentimentos de desânimo e descrença nas instituições, mesmo que elas carreguem os defeitos das sociedades que as compõem. Desculpem a grosseria da comparação: como pensar em selecionar um colégio de noviças em um puteiro, ou uma equipe de segurança com os presos de um presidio de alta segurança? A democracia exige uma vigilância constante, adubação permanente de uma plantinha frágil, luta radical pela salvaguarda da cidadania que cabe a todos nós preservar. Claro que a imprensa é peça fundamental no cultivo dessas posturas, mas precisa se conscientizar do papel que lhe cabe sobretudo como concessionários de um serviço público. Existe ainda muita gente boa, decente, honrada, digna e que demonstram no quotidiano exemplos para a posteridade. Porque as ações e os feitos positivos não são exaltados pela grande imprensa? Porque é sustentada pelos escândalos e pela formação da idiotia dos BBB’s da vida e da Globo? Tenho assistido, meus caros amigos, coisas neste país que nunca imaginei assistir antes de morrer: Cassação, prisão e condenação de governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, coisas que aguardávamos desde que Cabral botou os pés em Pindorama. Porque não exultamos os fatos positivos e repelimos, com toda a veemência, aqueles que buscam a infamante generalização da corrupção (todo mundo é corrupto!) e a desqualificação dos adversários (os outros fazem pior!). É difícil, eu sei, o caminho é espinhoso, exige renúncia, luta, esforço, sangue, suor e lágrimas, mas, tenham a certeza, com educação e cultivo da cidadania chegaremos lá. Se cada um fizer a sua parte, já será de bom tamanho. Vamos acreditar e ter fé para assegurar aos nossos descendentes o Brasil que tanto desejamos.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

SEU THOMPSON

A direção do centenário Colégio 15 de Novembro em Garanhuns, desde a sua fundação, registrou a presença durante muitos anos de missionários americanos que aqui se sucederam, a exemplo de Mr. Swetnam, Mr. Neville, Mr. Arthur Lindsay (pai de Arto Lindsay), Mr. Spach entre outros que muito contribuíram para a grandeza do educandário e se integraram à vida de nossa cidade.

Aqui aportou, também, a extraordinária figura de Mr. William G. Thompson logo denominado pela população como “Seu Thompson”, casado com Mrs. Kathye reconhecida como “Dona Catarina”. Tinham um único filho, Frank, que casou com Ruth Gueiros irmã de Dr. Othoniel Gueiros e foram morar nos Estados Unidos.

Seu Thompson e Dona Catarina aqui viveram durante muitos anos, na casa adquirida à Praça Souto Filho nº 101, vendida depois ao Professor Uzzae Canuto e, posteriormente, a Estevão de Bastos Dona, sogro de meu primo Vanildinho. A razão principal da venda foi motivada por sua aposentadoria depois de muitos anos de trabalho intenso e a consequente volta de regresso à sua terra natal: Estados Unidos.

Pouco tempo depois, a grande surpresa: Chegam de volta à Garanhuns “Seu” Thompson e “Dona” Catarina, sob a alegação de que não mais se reconheciam nos Estados Unidos, uma vez que ninguém mais os identificava e eles, por sua vez não conheciam mais ninguém e, por isso mesmo, sentiram-se como uma ave fora do ninho e resolveram voltar.

Como não tinham mais casa própria, alugaram uma casa na Praça Dom Moura, onde passaram a residir. Em função de sua idade avançada, logo começaram a caducar, obrigando seu filho Frank voltar ao Brasil para tomar conta deles, o que fez até às suas mortes.

Seu Thompson era uma figura bonita: Cabeleira e cavanhaque branquinhos, esguio, vestido de costumeiro terno escuro, sempre cordial, tranquilo e atencioso. Passou o resto de seus anos de vida até morrer, sempre varrendo a sua calçada da Praça Dom Moura com extremo zelo e cuidado e quando perguntado sobre o que estava fazendo (aconteceu comigo), respondia invariavelmente com voz doce e terna: ”ESTOU VARRENDO A PÁTRIA, MEU FILHO”.

Aqui faleceu, está enterrado no Cemitério São Miguel e, com justas razões, é nome de uma Avenida nobre em nossa terra e poucos sabem quem foi. Mas poucos filhos de Garanhuns por nascimento demonstraram, até hoje, tanto amor à sua “Pátria” Garanhuns e ele foi, sem dúvidas, o mais garanhuense dos americanos que aqui aportaram!!!


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

AGRADECIMENTO A AESGA


A AESGA (Associação de Ensino Superior de Garanhuns) outorgou-me um título de Professor Emérito da instituição e, como não foi possível fazer o agradecimento em uma reunião realizada na sua sede, dirigi uma mensagem com atenção à sua Presidente de então, minha querida amiga e ex-aluna Dra. Eliana Simões. Segue abaixo o texto:

At.: Dra. Eliane Simões
De repente, e lá se vão 35 anos, Everardo Gueiros bate na minha porta anunciando a criação da Faculdade de Administração de Garanhuns e encarecendo minha participação como Professor da nova escola, fruto da surpreendente visão do nosso Prefeito Amilcar Valença.
Tomo um susto e manifesto a minha relutância em aceitar o convite:  não tinha qualquer experiência na matéria; conhecimento de um negócio chamado pedagogia só por ouvir falar; tempo curto para me dedicar à nobre tarefa em face de minhas atividades no Recife e, além de tudo, pensem numa questão melindrosa: em pleno regime autoritário de 1964, um confessado opositor do regime, lecionar a cadeira de Ciência Política, explicando os fundamentos do sistema democrático para um alunado composto de inúmeros militares do 71 B.I., inclusive graduados que hoje são meus amigos.
Minha relutância foi vencida pelas razões expostas pelo nosso querido amigo Everardo, dizendo das dificuldades para a implantação da faculdade, sobretudo na obtenção de professores para garantir o início de seu funcionamento. Tenho, pois, a convicção de que naquelas circunstâncias qualquer um serviria...
Aí, como refere o poeta Bandeira, acontece o meu ALUMBRAMENTO. Quando começo, com muita dificuldade, a desempenhar minha tarefa e descubro a sensação maravilhosa do magistério. Empolguei-me. Apaixonei-me. Apenas pela intuição, transformei as aulas monocórdias em centro de discussão e debates e com isso tentava manter a atenção de alunos cansados após um dia inteiro de trabalho, sem contar que as aulas eram às sextas-feiras. Tomei gosto e só parei quando ficou cansativo demais. 
Intimido-me ainda hoje, confundido entre tantos mestres e doutores que enaltecem esta casa, mas sendo humano tenho que externar alguns orgulhos e vaidades que carrego e vou desnudar agora: ser chamado de “Professor” por ex-alunos inclusive por alguns que eu nem os reconheceria mais, se não se apresentassem como tal; o fato de que nunca – mas, nunca mesmo – necessitei chamar a atenção de algum aluno durante os oito anos em que tentei ajudá-los a aprender; a honra de ter tido como alunos, algumas figuras exemplares de cidadania e dedicação à causa pública em nossa terra e que tomo a liberdade de representá-las – sem demérito das demais – na pessoa da ilustre Presidenta da AESGA, Dra. Eliane Simões, que tem sido peça importante e fundamental para o êxito crescente desta instituição e que, por vezes, me deixa impando de vaidade quando me chama de Professor; e o orgulho de afirmar, sempre que posso, que sou Ex-Professor desta casa de ensino. Hoje através desta significativa homenagem, intitulando-me de “Professor Emérito”, convenci-me que sou mesmo!
Teluricamente arraigado às raízes deste solo; com meu território circunscrito pelas sete colinas; saciado pelas águas das fontes que fazem história como Vila Maria, Pau Pombo, Serra Branca, São Vicente, Pau Amarelo; com minha formação inicial no velho Diocesano, ainda no tempo em que se escrevia Gymnásio com “Y” e com “M”; as lições de honra e cidadania que aprendi com meu velho pai Zébatatinha, continuadas pelo meu querido irmão Ivaldo que, falecido recentemente, deixou-me como o novo patriarca da família e com o meu grande mestre e amigo Miguel Arraes; minha residência assentada na Praça Souto Filho (poeticamente chamada de ”praça da fonte luminosa”) onde fui morar há 62 anos quando casei com minha eterna namorada e companheira Dulce; tenho meus avós e bisavós registrados em nomes de rua de nossa cidade e todos eles descansando para sempre em São Miguel e devo ser homem de muitas posses, uma vez que tenho lá nada menos que quatro jazigos de família à minha espera e disposição.
Como Luther King, mantenho os meus sonhos realimentados pelos devaneios de Manoel das Estrelas que passava as noites recolhendo estrelas no alto do Magano, para, na madrugada seguinte, oferecê-las à venda na feira e a população se acumpliciava com seu delírio e as comprava; o acendrado amor à terra de “Seu Thompson”, missionário americano de nascimento que aqui aportou no início do século XX e que, após se aposentar tentou voltar para sua terra de origem, mas sentindo-se um estranho, voltou para Garanhuns onde recolocara suas raízes e passou o resto de seus dias varrendo a calçada de sua casa na Praça D. Moura e sempre que lhe perguntavam o que estava fazendo, respondia com sua voz doce e suave: “Estou varrendo a PÁTRIA meu filho”.
Tudo isso me prende, de forma arrebatadora, à minha Garanhuns e exulto quando vejo a grandeza desta autarquia idealizada e construída por tantos que tiveram a visão de se anteciparem e se fazerem protagonistas e não figurantes da história de nossa terra. Não quero acusar ninguém, mesmo porque todos somos responsáveis e culpados pelo marasmo e a perda de auto-estima de nossa gente, provocados pela omissão de nossas lideranças que não aprenderam a lição do poeta:  “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”.
Ficamos todos a esperar a iniciativa de nossos governantes e só fazemos reclamar quando os benefícios não chegam.  Quando falo em lideranças omissas refiro-me a todos os setores de atividade e não apenas às lideranças políticas. Chegamos ao absurdo de não aproveitarmos a presidência da República de um filho de Garanhuns, durante oito anos, sem que fossemos capazes de colocar um projeto, um plano, uma proposta em sua mesa. Tudo que aqui aportou foi por iniciativa do Governo Federal.
A mesma coisa ocorre com o Governo do Estado que já resolveu em definitivo o grave problema do abastecimento d’água que – não podemos esquecer - nos martirizava há mais de trinta anos. Retirou o presídio feminino que o governo anterior resistiu e não o fez. Instalou uma faculdade de medicina, no campus do UPE, quando forças não muito ocultas procrastinaram - e ainda persistem - a instalação da FAMEG. A implantação de um Expresso Cidadão que trará reais benefícios para a cidadania de toda a região. Concluindo a ampliação do Hospital D. Moura para capacitá-lo como Hospital Universitário e a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento Especializado. Tudo por iniciativa do Governo Estadual.
Assisto, entristecido, essa crescente omissão de nossas lideranças que, sem qualquer iniciativa consistente, limitam-se a aguardar as sobras dos banquetes, para aí então se engalfinharem pela paternidade dos eventuais benefícios que aqui aportam. Querem arrebatar o mérito dos benefícios, sem que para nada tivessem contribuído. Nesse caso a disputa é séria, pois todo mundo quer ser pai de crianças lindas, louras e de olhos azuis.
Esta casa é um exemplo concreto de protagonismo ativo da construção do nosso desenvolvimento, com a implantação dos cursos atualmente existentes neste Campus. A Prefeitura não esperou por ninguém e como fruto da visão estratégica do Prefeito Amílcar Valença, esta instituição foi instalada, como esta efeméride anuncia, há 35 anos, iniciando-se com a instalação da Faculdade de Administração. Como se vê, a iniciativa foi das nossas lideranças de então e a lição serve como emblema para as atuais e as que venham lhes suceder.
Garanhuns desfruta, hoje, os Campus da Universidade de Pernambuco, da Universidade Federal Rural e da AESGA que ganhará, futuramente, o status de Universidade, além da FAMEG que retomará, por certo, o seu funcionamento. Vejam que importante estoque de inteligência, de saber, de ciência, de tecnologia, de pesquisa, de ecologia e preservação do meio ambiente poderá ser mobilizado para a construção de um modelo de desenvolvimento estratégico sustentável.
Para isso, impõe-se uma indispensável busca da unidade de pensamento e a congregação da sociedade civil com suas lideranças políticas em torno da mudança dos costumes e da prática da cidadania em nossa região, tornando-a capaz de fazer-se protagonista da nossa história. Para tanto, confia-se na capacidade e competência dessa extraordinária fonte de saber que o nosso centro universitário vem acumulando. Todos somos responsáveis e dessa responsabilidade ninguém pode se eximir.
Obrigado AESGA, com o profundo respeito de Ivan Rodrigues 

domingo, 23 de novembro de 2014

O DESORDEIRO TURRICA



Por volta dos anos 40, Garanhuns tinha o seu desordeiro contumaz e sempre reconhecido como tal. Era uma época em que até os desordeiros tinham o seu lirismo e referência na vida da cidade. Não lembro o seu verdadeiro nome, mas era conhecido com o apelido de “TURRICA”, negro esguio e serelepe, tomador de cachaça que adorava brigar com a Polícia e filho de Dona Toinha uma clássica lavadeira de muitas famílias, comadre de minha mãe Maria e muito respeitada na comunidade, já que a sociedade dependia dessa forte corrente da cadeia produtiva de serviços (a desgraça foi o surgimento das miseráveis maquinas de lavar!). Tinha um irmão – seu verdadeiro contraponto e antítese – Otávio, uma lapa de negro de perto de dois metros de altura, pesando uns 100 quilos que tinha por profissão os labores na Tipografia Garanhuns do famoso jornalista Dario Rego e por sua ousadia ao assumir na época a condição de homossexual, era chamado “Bicha Tipógrafa”. Brabo e pacato, ao mesmo tempo, era uma espécie de Madame Satã da época que não admitia qualquer desacato e quem quiser que o desafiasse para ver o resultado.

INCIDENTE DE TURRICA COM SEU MARANHÃO
O fato é que um belo dia Turrica, alí em torno do hoje chamado Braz, fez um mal-feito qualquer e, em represália, “Seu” Maranhão, figura rotunda e barriguda, detentor de um cargo existente na época com muita autoridade de Fiscal de Jogos, mandou prender Turrica dando ordens a Zezinho Jardim, pai do nosso querido primo e advogado Luis Afonso Jardim, que era então soldado de polícia: “Zezinho, prenda esse moleque e meta no xadrez, pra ele aprender a respeitar uma autoridade”. Naquele tempo não tinha essa história de algemas, nem de buques. O preso era conduzido pela força da autoridade e acompanhado a pé até a cadeia sob o olhar curioso do povo nas calçadas para vê-los passar. Zezinho, apesar de franzino era muito valente, nunca foi de brincadeira, tratou logo de dar voz de prisão e avisar desde logo a Turrica: “Turrica comigo você vai e sabe disso. Se brincar, estouro suas pernas”. Turrica se entregou e foi logo avisando: “Seu Zezinho, fique sem cuidado que eu vou, mas no dia em que me soltar, vou meter uma doze polegadas no bucho de Seu Maranhão que vai correr gordura dele até o Pau Pombo”. Mal começaram a subida até a cadeia, e Seu Maranhão gritou pra Zezinho: “Ô Zezinho, pensando bem solte esse pobre. Isso é um pobre Zezinho, não perca tempo”. Cabra valente, “Seu” Maranhão!

INCIDENTE DE “TURRICA” COM O CABO JESUINO
Ainda TURRICA: Na mesma época, existia no destacamento policial de Garanhuns o Cabo Jesuino, gordo, pesadão, já de razoável idade e bastante conhecido na cidade. É importante saber que a Cadeia Pública era situada na chamada Rua da Linha (acima da Praça Guadalajara), vizinha ao atual Colégio Estadual e imaginem a subida enorme da avenida Santo Antonio até lá. Numa das desordens de Turrica, o Cabo Jesuíno deu-lhe voz de prisão e, como de costume, iniciaram a caminhada até à cadeia com o povo assistindo da beira da calçada, sendo de notar que Turrica comportou-se de forma  disciplinada. Não se sabe até hoje a razão, mas o fato é que na altura da Praça Dom Moura, Turrica volta-se para o Cabo Jesuíno e diz com toda ênfase: “Quer saber de uma coisa Cabo? Eu não vou mais não.” O Cabo Jesuíno, surpreendido pela decisão do preso, retruca-lhe na bucha: “Como é a história, moleque. O que é está dizendo?” Respondeu-lhe  Turrica: É isso o que o senhor está ouvindo. Não vou mais!” E aí vem a famosa decisão do Cabo Jesuíno: MAS TURRICA, PORQUE NÃO AVISOU LOGO LÁ EMBAIXO, PORQUE AÍ A GENTE NÃO TINHA PRECISADO SUBIR UMA LADEIRA DANADA DESSAS?

ACIMA DE TUDO GARANHUNS

                                                                        
Por ocasião de uma audiência pública realizada na Câmara de Vereadores do Recife sobre a questão FAMEG em setembro de 2013, tive oportunidade de reiterar que, cada vez mais, resta caracterizada a terrível sabotagem montada contra a reabertura da Faculdade de Medicina de Garanhuns e, se isso acontece, é exatamente pela fraqueza política de nossa terra. Somos todos responsáveis por essa fragilidade decorrente, sobretudo, pela baixa representatividade política que não conseguimos superar, eis que permanecemos votando em candidatos descompromissados com nossa terra e não adianta ficarmos fazendo protestos através de discursos até inflamados, mas que na hora da verdade transformam-se em subserviência e leniência em face de interesses inconfessáveis.

Não somos tão simplórios a ponto de imaginar que seja uma questão de batistério ou certidão de nascimento, mas sim de amor a terra, de compromisso com a nossa gente e de respeito às nossas tradições. Não contribuem pra nada lideranças que não dão consequência aos discursos contundentes como fizeram contra a candidatura de Antônio João e, antes de decorrido um ano, já patrocinavam  candidaturas de gente estranha que NUNCA DANTES (como diria o Presidente Lula) puseram os pés em Garanhuns e sabe Deus com que interesses...

O PSB de Garanhuns respeita todos os companheiros de Partido que aqui aportam para pedir votos, mas não reconhece neles a credencial suficiente para representar Garanhuns. Quero reafirmar que o PSB de Garanhuns, promotor da mais lúcida iniciativa de debates e discussões que já se fez em nossa terra, POSSUI OS MELHORES QUADROS POLÍTICOS PARA REPRESENTAR GARANHUNS na Câmara de Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado mediante esforço, inteligência e visão estratégica necessárias. São todos eles profissionais qualificados, integrados em nossa região, decentes, honrados, experientes, sem referências sombrias de prestação de contas e, sobretudo, amam Garanhuns.

A população reclama mudanças, mas não mudaremos nada se persistirmos com as mesmas lideranças que vivem se revezando no domínio de Garanhuns há mais de vinte anos. Vamos nos encher de brio, restaurar a nossa dignidade, cobrar o respeito que nossa terra merece e, no momento oportuno, sem conveniências de natureza pessoal, eleger os mais capacitados para dar sentido objetivo e prático aos anseios do povo garanhuense.

sábado, 22 de novembro de 2014

O ENTERRO DE DICA


Meu filho mais velho José Ivan, falecido em 2010, sempre viveu nos limites. Na boemia de que nunca se afastou, nas mulheres que sempre cultuou, nos filhos que amava à sua maneira, nos amigos que fidelizou. Com a sua morte descobri, com muita dor, que existe uma saudade alegre, por conta das pessoas como ele que são sempre lembrados pela vida descontraída,divertida e uma capacidade enorme de fazer amigos. Em qualquer roda de conversa, quando se fala em ZéIvan todos têm uma história dele para contar e, invariavelmente, a lembrança é sempre alegre e a risadaria é geral.E aí vai essa do Enterro de Dica:

Um dos amigos inseparáveis de Zéivan era o nosso querido Valença, filho de João Valença e sua família ainda hoje permanece no rol das minhas queridas amizades. Registre-se, para que não caia na vala comum do esquecimento, o traiçoeiro assassinato de Valença na frente de Zéivan. Triste, muito triste, mas sem tergiversar, vamos lembrar uma das queridas figuras de Garanhuns: o sertanejo oriundo do Pajeú Eudo Bezerra de Moura, conhecido como “Dica”, funcionário aposentado dos Serviços Dágua de Garanhuns, participante ativo na comunidade política, sempre corajoso na oposição (velho MDB), Presidente da Liga Desportiva de Garanhuns, perpetuado hoje por uma honrada família – viúva e filhos - ainda residentes em nossa terra. Ocorre que Zéivan e Valença estavam um dia numa das contumazes rodadas de cerveja quando, à uma certa altura do volume etílico, já por volta das quatro horas da tarde, lembram que o querido amigo Dica falecera e o seu enterro estava marcado para aquela hora. O desespero foi grande, pois seria imperdoável não comparecerem ao adeus do amigo tão estimado. Não tiveram dúvidas, pagaram a conta e correram diretamente para o Cemitério de São Miguel, uma vez que o velório já estava perdido. Quando chegaram no alto do Mundaú – início da Rua Luiz Burgos – avistaram o carro da Funerária chegando no portão do Cemitério. Aleluia! chegaram a tempo e com um certo alívio, apressaram a corrida para entrar juntos no cemitério. Foram chegando e apressaram-se a segurar duas alças do caixão e iniciaram a caminhada, em procissão – até o local da cova. Mesmo desconfiados com a modéstia do público presente, pois Dica era uma pessoa muito estimada na comunidade e titular de muitas amizades, foram em frente. O mais importante era a chegada em tempo para a homenagem ao amigo. Tanto que quando chegaram à beira da cova, insistiram para que o caixão fosse aberto e eles pudessem ter uma última visão do amigo e se despedir. Aí a grande surpresa: o defunto era uma velhinha engelhada, acomodada em uma mortalha e com uma touquinha na cabeça! Não restou outra saída para os retardatários senão soltarem a tampa do caixão e retirarem-se às carreiras do cemitério sem dar uma palavra, desde que não tinham a menor explicação para as suas presenças. Lembraram, então que o enterro poderia ser no Cemitério de São Cristovão e correram pressurosos para lá. Mas aí é outra história porque quando chegaram no segundo cemitério, estavam tão atrasados que o enterro já havia terminado e eles, a despeito de toda a sofreguidão, perderam o enterro do grande amigo!

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O LADRAO DOS POMBOS DE ZÉ DA ROCHA


A propósito de uma foto antiga de Garanhuns, divulgada no Facebook por Cora Valença, observei de terno escuro, agachado à esquerda, Zé da Rocha, que era uma figura diferenciada daquele tempo. Aldeão da Rua Dantas Barreto (olha aí, Mirandinha!) podia-se notar a elegância, sempre alegre e brincalhão, insinuante e boa prosa, gostava de desfilar pela cidade com um grupo de amigos, aos domingos, em cavalhada. Cavalos grandes e bonitos, vistosamente ajaezados e os cavaleiros muito bem vestidos como mandava o figurino da época. Contava-se uma história deliciosa a seu respeito incorporada ao folclore de Garanhuns, que passo adiante sem garantir a veracidade:

Todos lembram a disposição das casas de então e essa ali na Dantas Barreto, quase na esquina com a travessa do Diocesano do lado debaixo, não fugia à regra: sala de visita, quartos dando para o corredor desembocando na sala de jantar, seguida da cozinha, depois banheiro e dependências de empregadas e, no final, saída para o quintal que, dado o acentuado declive, só era acessado por uma enorme escada. Na época, para os que se lembram, os quintais tinham por obrigação: um galinheiro, uma pequena horta com infalível plantação de tomate de galinha (hoje denominada pernosticamente de tomate-cereja !) e, por vezes pequenos pombais.
Altas horas da noite, Zé da Rocha esgueirou-se da cama com extremo cuidado pra não despertar a mulher e encaminhou-se para seu interior, silenciosamente, através do corredor. Ocorre que, apesar das precauções, ele não percebeu que a mulher também havia se levantado e, do mesmo modo sutil e silencioso, passou a segui-lo. Pé ante pé, ele atravessou a sala, a cozinha, o banheiro e quando ía colocando a mão na maçaneta do quarto da empregada (seu cobiçado objetivo final) foi surpreendido com o grito da mulher: Zé da Rooochaa!...... Ele, de pronto e com rara presença de espírito, fez o gesto comum de “psiu” com o dedo encostado nos lábios e sussurrou: “Ladrão nos pombos... mulher” e prosseguiu pelo corredor até alcançar a porta e desceu a escada que dava para o quintal, onde se alojava o pombal. Claro que não encontrou nenhum ladrão!

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

RELAÇÕES HUMANAS


A respeito de uma observação de nossa querida amiga Lúcia Lessa no Facebook, sobre a foto da festa de inauguração da Rádio Difusora de Garanhuns, comandada pelo seu fundador F. Pessoa de Queiroz nos idos de 1950, com os cavalheiros de gravatinha borboleta e as damas com refinados vestidos longos, tive oportunidade de fazer o comentário abaixo:

“Minha querida Lúcia: QUE FESTA LINDA! Costumo dizer que mesmo nas menores coisas existirá sempre o que chamo a liturgia dos cargos. Sem demagogia barata, essa liturgia impõe um respeito, uma postura, um comportamento que influem muito nas relações humanas. A informalidade que, por vezes, é necessária, não pode se transformar em regra absoluta, sob pena de subversão de valores, de quebras de respeito e hierarquias que, na atualidade, resultam em forte contribuição para a violência que toma conta do mundo inteiro.
As pessoas estão mal-educadas e grosseiras, perderam a civilidade e a cortesia. As pessoas não se saúdam mais, só sabem conversar com os celulares, disputar jogos eletrônicos e não conhecem, sequer, o nome dos seus vizinhos. Estamos perdendo o hábito de simples expressões como: Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite, Muito Obrigado, Com Licença, Por Favor, e vai por aí afora... Avistei, um dia desses, quatro senhoras em torno de uma mesa no restaurante que não trocavam uma palavra entre si, pois estavam totalmente absortas, cada uma, com os ouvidos colados em seus respectivos celulares.
Adotei uma postura que recomendo a todos amigos para manter o bom humor e desanuviar os carrancudos. Sistematicamente, onde chego cumprimento da forma   mais efusiva as pessoas presentes e, com isso, as obrigo a responderem de forma acanhada e, por vezes, um tanto assustadas. A fórmula é maravilhosa. Experimentem nos elevadores, nas escadas rolantes, nas indefectiveis filas de bancos e super-mercados que amontoam gente sempre apressada e sôfrega (com justa razão); o cumprimento que manifesto produz um efeito muito bom e me faz um bem danado. Só pra ilustrar: Um dia desses, no acesso à escada rolante do Shopping Center (que estão expulsando as pessoas das ruas e impedindo o convívio humano) estanquei de um lado para dar vez à uma senhora e ela estancou do outro lado para me dar a vez (afinal sou um velhinho!). Criou-se o impasse que só foi vencido quando lhe saudei: "Minha senhora, eu sou tão velho que sou ainda do tempo em que as damas tinham preferência". A proposta foi infalível, ela agradeceu e aceitou a preferência !”

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A LÓGICA PERVERSA DA AUSÊNCIA DOS CINTOS DE SEGURANÇA NOS TRANSPORTES COLETIVOS

Alguém poderia me explicar a lógica perversa contida na exigência de cintos de segurança para os transporte unitários, enquanto seu uso nos transporte coletivos é absolutamente desconsiderado?

Nos casos de transporte individual (automóvel) há uma preocupação enorme com a segurança dos seus condutores e passageiros, tanto que a lei exige (e é um dos poucos casos em que a fiscalização é rigorosíssima !) o uso indistinto de cintos de segurança, freios ABS e Airbag’s  por  todos os usuários. Certo? Se é assim, porque nos transportes coletivos, em que se amontoa uma centena de pessoas sentadas e em pé, não existe essa exigência, pelo simples fato de que tal exigência impediria a permanência de passageiros em pé, contrariando a receita dobrada garantida pela superlotação ?

Pergunta-se então: a) os usuários dos transportes coletivos são cidadãos de segunda classe? b) Por que a segurança deles não recebe a mesma preocupação que a dos afortunados usuários de automóveis? c) Por que a lei não protege, com os mesmos critérios, a integridade física de todos os usuários de transporte independentemente de suas capacidades financeiras e do veículo utilizado? d) A vida e a higidez física do usuário de ônibus, trens e metrôs tem menor importância que a dos privilegiados usuários de automóveis? e) O usuário de transporte coletivo, por ser mais carente, é penalizado duas vezes: por ser pobre e obrigado a sujeitar-se ao desconforto dos ônibus e também na desconsideração que recebe quando desvalido ou morto? f) Como exigir-se de um trabalhador boa prestação de serviços, após sujeitá-lo ao estresse de duas ou três horas de viagem cansativa, calorenta, desconfortável, insegura, insalubre, infecta e imunda para chegar ao local de trabalho? g) Todo mundo está farto de saber que não existe solução para a mobilidade urbana que não seja através da melhoria dos transportes coletivos e porque não se faz nada, absolutamente nada, para agilizar e melhorar o transporte coletivo de forma a atrair o usuário do transporte unitário e, por conseqüência, servir melhor ao sempre carente usuário do transporte coletivo ?

E, ao contrário: h) Por que tanto estímulo, financiamento abundante, desoneração de impostos, parcelamento de IPVA de motos, ciclovias com reserva de faixas, para benefício do transporte individual ? i) E a elevada incidência de acidentes de motos, que sobrecarregam a capacidade instaladas dos hospitais de emergência sem a menor proposta de solução, chegando ao ponto de tornar-se uma questão grave de saúde ? j) Será que nem esse exagerado índice de mortes – e estamos tratando de vidas humanas, minha gente ! – desperta uma mínima reflexão sobre o assunto e a busca de outras soluções ? k) Porque para as obras viárias destinadas ao transporte individual não há a menor consideração de custos e recursos necessários e, ao invés, para a melhoria dos transportes coletivos sempre se alega o alto custo dos imprescindíveis investimentos, chegando a ponto até de inviabilizar as simples faixas privativas para os ônibus e quando, timidamente as implantam, logo as avacalham por falta absoluta de fiscalização ?

Só porque é COISA DE POBRE ?             

sábado, 15 de novembro de 2014

MANOEL DAS ESTRELAS

  
Ouvimos essa história do meu pai, acerca de um louco maravilhoso que existia na sua infância em Garanhuns. No início do século XX, essa figura subia a Serra do Magano todas as sextas-feiras à noite (véspera da feira), carregando um enorme balaio daqueles muito usados na época em que se vendia pão e se entregava de porta em porta. Como o pão é muito leve e volumoso, exigia-se um balaio de dimensões enormes para conter o volume de pão necessário ao atendimento e distribuição a domicílio. O inusitado é que com um desses balaios, MANOEL DAS ESTRELAS (assim era chamado) subia a Serra e passava a noite inteira COLHENDO ESTRELAS até encher o balaio, segundo dizia. Quando amanhecia o sábado, dia da feira, descia a serra com o balaio na cabeça CHEIO DE ESTRELAS e ia vendê-las à sua costumeira freguesia que, acumpliciando-se ao seu sonho lindo, comprava toda sua colheita e garantia a sustentação do seu delírio poético, ingênuo e garanto: feliz.

Vejam como, mais de cem anos depois, observamos o lá distante comportamento de uma sociedade simples, despojada das sofisticadas novidades tecnológicas; com conversas na calçada ao invés dos rádios e televisões; saudáveis saraus nas residências com apresentação dos músicos, cantores, poetas e declamadores  em notável apuro de suas qualidades artísticas;  do convívio de famílias que se apresentavam em visitas protocolares quando chegavam à uma rua para residir e, do mesmo modo, visitas formais de despedida quando se mudavam; a quase obrigatória liturgia de pedir na casa vizinha uma xícara de açúcar ou uma colher de pó de café emprestados para atender uma falta ocasional; como uma vez me ensinou meu querido amigo e vizinho Estevão, já falecido: “vizinho que não incomoda não é vizinho!”; dos papos habituais mantidos nas lojas de então por grupos de amigos, sem contar com os jogos de gamão de Minervino, na entrada de sua loja “Veneza Americana”; o ritual cumprido à exaustão pela figura habitual de D. Nazinha percorrendo o dia inteiro a loja de Ferreira Costa, como hoje faz Ciro na loja da Imbiribeira (fiquei um dia de parte observando e lembrando os antigos tempos da loja secular); o sucesso de um rádio à bateria, no início da década de 40, instalado por Seu Matos (Arcelino Matos), na entrada de sua loja “A Atractiva” para divulgação ansiosa das notícias da guerra então em curso; as improvisações engenhosas dos nosso grêmios teatrais amadores; as tradicionais festas promovidas pelos três colégios, revelando valores artísticos; enfim, todos se conhecendo e se tratando pelos pré-nomes e até pelos apelidos.

Na sua singeleza e simplicidade, era uma sociedade suficientemente romântica capaz de sustentar sonhos coletivos e alimentar os delírios de um louco maravilhoso que almejava, e conseguia, colher e vender estrelas em nossa amada Garanhuns.  

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

APRESENTAÇÃO DO BLOG


Vez em quando, sou solicitado a escrever um livro com as minhas histórias, memórias, recordações, casos e causos, estórias e sempre relutei muito. Por não gostar do que escrevo e recear o desagrado, sempre reagi à ideia.

De repente, percebo que estou virando um arquivo ambulante e constato que, pelo menos para resguardo da memória, os velhos têm grande serventia e se não aproveitarmos o pouco tempo que nos resta, corremos o risco de perdê-la, sobretudo ao considerar que – no meu caso – descubro ser o provecto Patriarca da Família.

Minha querida sobrinha Maurinha escreve-me, após ler um relato que fiz sobre o 1º de abril de 1964:

“Tio: Li o texto e ele me deu a certeza de que o senhor precisa escrever um livro narrando não só os episódios políticos, mas todas as histórias que refletem a memória familiar. Pensei até algumas no gênero crônica. Quero que meu neto leia um dia para sentir o ritmo de suas histórias e o quanto uma vida pode ser permeada de sentido.”

Na ante sala do Secretário de Saúde, defronto-me com Maria Helena, filha de Sebastião Moura Lins, que foi grande amigo de nossa família e começo a contar-lhe as maravilhosas estórias que seu pai criava. Logo se montou à nossa volta um entusiasmado auditório que se deliciava com a capacidade criativa de Sebastião e reclamei da família Moura Lins pela falta de registro dessas histórias. Ela de pronto me desafiou:

“Já que o senhor conhece tanto a obra de meu pai, porque não a escreve ?”

No Facebook onde me inclui como “velho amostrado”, num grupo de pessoas maravilhosas organizado pela querida Cora Valença, como “Fatos e Fotos Antigas de Garanhuenses”, começo a ser reconhecido como pronto socorro para o resgate de coisas antigas de nossa terra. Virou lugar comum:

“Essa só Ivan pode lembrar! Corre Ivan, vem acudir a gente!”

Ainda no Facebook, Mirandinha, filho do querido amigo Antonio Miranda de Lima e estimado aldeão da Rua Dantas Barreto, fez uma bela postagem que intitulei de “Evocação de Mirandinha” e guardei nos meus arquivos, depois de deliciados lermos o texto referido (Eu e Pedro Leonardo, meu filho). Em outra postagem, o mesmo Mirandinha provocou:

“Acho que você não pode deixar de legar para Garanhuns o seu magnífico repertório e sua fabulosa memória”

Mesmo que Mirandinha tenha esquecido a lição de Cervantes pela boca do Cavalheiro Don Quixote de que: “elogio em boca própria é vitupério”,  o que vale também para a generosidade dos amigos, obriguei-me a poucos dias a dizer para ele e Corina que:

“Minha querida Cora e Mirandinha: Rendí-me! Quando respondia aos seus apelos exigindo que eu escrevesse as coisas de Garanhuns para que a história não se perdesse, dizia sempre que quando ficasse velho consideraria os apelos. Não é que nessa semana descobri que estou velho! Ao renovar minha carteira de motorista fui advertido pelo servidor do DETRAN: Na sua idade a validade da carteira renovada é de apenas UM ANO! Caiu a ficha e o jeito é  começar a escrever as coisas lindas e inusitadas de nossa terra. O que fazer dos escritos é outra estória e depois a gente resolve se vale a pena ou não”.

Como se vê, a minha espectativa de vida para os burocratas do Detran e de apenas um ano, salvo a melhor hipótese de uma conjugada cegueira, surdez, caduquice, cadeirante, enfim todo um elenco de inutilidades que me tornariam um velho imprestável. Decidí, portanto, enfrentar o encargo aprazível de contar as histórias e estórias que sei, esperando que sirvam para alguma coisa, além de propalar as coisas lindas de nossa terra e deixar assinaladas minhas inquietações e divergências.

Claro que seria imperdoável atirar-se no esquecimento da história de Garanhuns, as figuras extraordinárias de loucos maravilhosos como Manoel das Estrelas, Jeitoso, Catrevage; os bêbados como Bode Cheiroso cujo nome verdadeiro era Plínio, o Rei Simão Ramos Dantas que se dizia “Rei de Portugal e do Mundo Inteiro em Geral”, o velho engraxate Borburema que, até morrer, foi o correligionário mais fiel do Deputado Elpídio Branco; os ícones dos carnavais de nossa terra como Nestor Carrascozo e Messias Orani do Bloco Vassourinhas, Leopoldo Leite do Bloco de Macaíba e Maria Lúcia; os magnifícos exemplares de nossa Parada Gay como Otávio Tipógrafo, Rosinha e o nosso querido Matéria Plástica ainda vivo, lúcido e capaz de reproduzir todas as músicas das campanhas políticas de Garanhuns (Verdadeiro Arquivo que precisa ser gravado depressa); as belas vozes e músicos que encantavam as nossas festas e as nossas serestas como Manoel Teles, João Correia, Manoel Gouveia, Manoel de Sargento, Pernambuco, maestro Lula Figueiredo, Professora Zulmira Fogo mãe do brilhante pianista Ronaldo White que ainda se dava ao luxo de ser um notável pintor, toda família Xixi responsável pela formação de milhares de instrumentistas de nossa terra; nossos pintores e retratistas como Ronaldo White, Walter Vieira, Agilberto Dourado; intelectuais como Luis Jardim, Arthur Maia; atores e responsáveis pelas manifestações teatrais do Grêmio Polimático de Garanhuns, como Sr. José João de Carvalho seu filho Arnaldo e suas filhas Esmeralda e Cremilda, Alfredo Leite, Manoel Gouveia, José Elesbão; visionários como Euclides Dourado idealizador do Parque que tem o seu nome e do bairro de Heliópolis, Ruber Van Der Linden  que associou o seu nome a todas as inovações tecnológicas surgidas aqui no século XX; jornalistas como Dario Rego, João Domingos da Fonseca, Satyro Ivo Júnior, José Francisco de Souza, Professor José Rodrigues, Ulisses Pinto, a sempre querida unanimidade garanhuense de Humberto de Morais; educadores como Pe. Adelmar e toda a família Valença, Seu Thompson, Madame Verônica (era assim chamadas as madres do Santa Sofia) que marcaram à sua época os grandiosos colégios que dirigiram; enfim, trata-se de uma história rica cujo registro não pode ficar afeto apenas à poucas pessoas – é responsabilidade de toda a Comunidade Garanhuense que precisa conscientizar-se desse encargo.

Não sei se consigo, mas espero fazer a minha parte!