quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A LÓGICA PERVERSA DAS PASSARELAS

 Ainda com relação ao transporte coletivo, como se explica o tratamento dado aos pedestres que, por força de sua necessidade de locomoção, precisam atravessar as vias expressas, duplicadas ou não, que estão sendo construídas em toda a Nação. Todos os dias os meios de comunicação noticiam os atropelamentos, mortes e acidentes de todos os tipos, decorrentes da ausência de uma alternativa segura para a travessia de pedestres nestas estradas.

O investimento na construção das estradas é altíssimo e sem a menor consideração de custos quando se destinam à construção de rótulas, inserções, trevos, viadutos e túneis para garantir a circulação tranqüila dos veículos individuais. Mas não é esse o mesmo tratamento quando se pretende assegurar a travessia de pedestres com segurança.

Porque somente depois de mortes registradas de pedestres e da notícia da população desesperada tocando fogo em pneus para impedir o trânsito dos automóveis (insuportável incômodo para os afortunados proprietários dos veículos unitários) e reivindicando ingenuamente  construção das famigeradas passarelas como única alternativa que lhes resta, é que se procuram os paliativos para acalmar a população desesperada.

Essas reclamadas passarelas obedecem à uma lógica perversa, na medida em que exigem do pedestre um esforço exagerado para subir intermináveis escadarias ou rampas, enquanto não se exige nada dos veículos que têm tração motora e poderiam ultrapassar rampas adequadas e suaves sem o menor esforço dos seus condutores. Os pedestres atravessariam a rés do chão e os veículos fariam uma pequena aceleração para vencer as lombadas protetoras dos pedestres.

Neguem se puder, que a lógica de construção das passarelas ingenuamente solicitadas pelos pedestres sofredores, além de perversa é DESUMANA na medida em que é simplesmente INACESSÍVEL aos mais necessitados como os deficientes, gestantes, idosos, cadeirantes, etc. que, por falta de alternativas, continuam compulsoriamente condenados  a cruzar as pistas “atropelando” os veículos em trânsito.

Recentemente participei de uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Garanhuns cujo objeto era a reivindicação de uma passarela para a travessia da estrada em acesso ao Bairro de Manoel Chéu. Até agora nada foi atendido e a própria Polícia Federal noticiou na hora que já registraram 10 (dez) mortos no local (!).

E AÍ GENTE, A VIDA DAS PESSOAS NÃO VALE NADA?

Pergunta-se, então: Para garantir-se o direito de circulação dos pedestres é indispensável sacrificá-los com esforços que são incapazes de executar? É justo obrigar os mais necessitados e vulneráveis por falta de condições físicas para utilizar as famigeradas passarelas, a atravessar as pistas “atropelando” os veículos com elevado risco de morte? Será que os pedestres tidos como inválidos são cidadãos de enésima categoria e não merecem a proteção do Poder Público? Por que se exige do pedestre esforço sobre-humano para atravessar as pistas numa altura superior a cinco metros (limites de segurança dos veículos de carga!) quando, ao inverso, se exigiria dos veículos tracionados por motores apenas pouco mais de dois metros para proteger a travessia das pessoas à rés-do-chão? Por que todo projeto de implantação de estradas considera, desde logo, a construção de rótulas, anéis de retornos, trevos, viadutos, etc. para garantir a rápida movimentação dos veículos a custo altíssimo e não antecipam as pequenas lombadas que permitiriam aos pedestres cruzar as estradas em segurança e sem maiores esforços? Por que as despesas são irrelevantes quando se trata de agilizar as manobras e o tráfego de veículos auto-motores, e tidas como insuportáveis quando reclamam igual tratamento providências bem mais simples e baratas para facilitar a movimentação dos pedestres?

Os maiores e mais tristes exemplos de PASSARELAS PERVERSAS estão no Recife:

a) na passarela perversa da BR-232 que pretensamente atenderia aos pacientes debilitados do Hospital Pelópidas Silveira e não tem um só desses pacientes que possa usá-la!

b) na passarela perversa na BR-101, no trecho mais congestionado em frente ao Hospital das Clínicas, em que “inventaram” um elevador que nunca funciona, o que obriga os deficientes a atravessarem a via atropelando os veículos!

c) na passarela perversa da Avenida Sul que liga o Terminal Integrado do Largo da Paz ao Metrô. Pense na altura e na distância que os usuários têm de percorrer!

d) na passarela perversa e faraônica que inventaram na transposição da Imbiribeira, ligando o terminal do Metrô à Estação de Passageiros do Aeroporto, a um custo de VINTE E SETE MILHÕES DE REAIS (!), e um trajeto de CERCA DE 400 METROS (!) que a inviabiliza para pedestres, na medida em que os obriga a caminhar toda essa distância para se permitir atravessar os 24 metros da avenida. E tudo isso (pasmem) para, ao final, cobrarem pedágio!

Sem demagogia barata: Só porque é COISA DE POBRE ?

 

sábado, 27 de dezembro de 2014

AINDA PADRE ADELMAR


OS FILHOS DOS SENADORES

Padre Adelmar formou inúmeras gerações que, ainda hoje, lhe são reconhecidas pelos benefícios que dele receberam. Sua competência ganhou fama e superou fronteiras no trato de jovens de comportamento difícil, cujos pais, à falta de alternativas, apelavam para Pe. Adelmar dar um “jeito”. Foram centenas de casos em que a atuação do Padre foi fundamental e reconhecida por todos os envolvidos.
Um dos casos mais notórios foi que, coincidentemente à mesma época, dois Senadores da República representantes de Pernambuco, Paulo Guerra e Wilson Campos, em dificuldade com os seus "pimpolhos", confiaram seus filhos Joaquim e Carlos Wilson ao Pe. Adelmar para mantê-los em regime de internato e cuidar da  formação dos dois, já que apresentavam resistências para as regras do bom comportamento.
Santo remédio: quando ao final foram liberados pelo educador, Joaquim chegou a eleger-se Deputado Estadual e Carlos Wilson elegeu-se Deputado Federal, Senador e na condição de Vice-Governador, assumiu o cargo de Governador do Estado. Joaquim Guerra está vivo e Carlos Wilson até perto de morrer nunca faltava aos desfiles do Diocesano em que marchava disciplinadamente como bom escolar, a cada 12 de outubro, data de aniversário do Colégio.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O BRAÇO QUEBRADO DE SEBASTIÃO MOURA


Aí vai mais uma das histórias de Sebastião Moura

Em um dia de eleições, encontrei Sebastião saindo da AGA que sediava seções eleitorais, acompanhado por sua esposa Dadá, com um braço engessado que revelava uma fratura. Fiz-lhe, então, a pergunta mais natural e até instintiva: Que foi isso, Sebastião? Antes de responder, perguntou se eu estava muito ocupado e se tinha pressa adiantando, desde logo, que a história era muito longa.

 Claro que, aguçado pela curiosidade, manifestei a minha disposição de ouví-lo e ele começou com a maior seriedade: “Ivan, sempre reclamo de Dadá pra não encerar o quarto com exagero a fim de evitar possíveis escorregões que na nossa idade são um perigo. O resultado é que não deu outra, amigo: quando tentei me levantar da cama dei um escorregão dos diabos e se não me amparo na beirada da cama, teria me espatifado no chão.

De qualquer forma, me aprumei e fui para o banheiro fazer a barba e tomar banho. Pois não é que o diabo do sabonete caiu no box do banheiro e eu, com a cara ensaboada, tive um trabalho danado para conseguir resgatar o sabonete livrando o perigo de escorregar mais uma vez e não terminar minha tarefa. Restou apenas mais um susto.

Aí tomei o meu café, retirei o carro da garage e quando ia saindo no portão - você sabe onde moro naquela ladeira danada da Rua Santos da Figueira - e, quando percebo, vinha descendo um Fusca a mais de 80 quilômetros por hora e, se eu não reajo com prontidão e uma freada violenta, estaria agora no Cemitério, pois o Fusca passou tirando a pintura do meu carro.

A essa altura, Dadá perde a paciência e adverte:

Ivan, vai-te embora porque Sebastião somente quebrou o braço às 3 (três) horas da tarde. Até que chegue lá você vai perder o dia todinho pra escutar a história!”.

Explodimos na gargalhada e, logo depois, chegando na casa de meu cunhado Vilberto Lira, contei ainda rindo e ele, divertindo-se com a pegadinha, me avisou:

Você ainda tem sorte, porque comigo ele até chegou às 10 horas da manhã, pisando numa casca de banana na escadaria em frente ao Banco do Brasil!”

E ATÉ HOJE NINGUÉM SOUBE COMO DIABO FOI QUE ELE QUEBROU O BRAÇO!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A CORRUPÇÃO ENDÊMICA


A Nação inteira assiste, estarrecida, o noticiário sobre a corrupção que toma conta, diariamente, dos meios de comunicação do país. A reincidência é de uma frequência assustadora e a sua difusão reiterada revela uma abrangência enorme, envolvendo a maioria das instituições brasileiras, em todas as esferas e alçadas do poder. Sucedem-se denúncias, indiciamentos e prisões chanceladas pelo Ministério Público e Poder Judiciário, que revelam a existência de instituições ainda não contaminadas pela praga que assola a Nação mas, ao mesmo tempo, indica uma capilaridade preocupante da corrupção.

Após o episódio do chamado “Mensalão” que condenou e prendeu 23 criminosos, na Operação Lava Jato – sem contar com a apuração em curso do ocorrido no Metrô de São Paulo e outras instituições públicas - já foram investigados, denunciados e indiciados mais de trinta figurões das empreiteiras, funcionários, Diretores e Ex-Diretores da Petrobrás e alguns deles presos com habeas-corpus denegado pelo Supremo.

Já se informa que isso é apenas o começo, pois as delações premiadas  devem gerar a denúncia algumas dezenas de suspeitos, inclusive políticos de todas  as origens, e o mais assustador é a generalização da corrupção, quando se desvia o foco do problema para uma desavergonhada discussão sobre quem tenha roubado mais ou menos, quando a GRANDE QUESTÃO é o combate sem tréguas a toda a corrupção, venha de onde vier. Fica muito claro que essa tolerância ante o crime tem raízes profundas na cultura dominante de uma sociedade, que tem como objetivo tirar sempre vantagem em tudo e o consumo desbragado das coisas secundárias.

Revela-se como um corpo social doente, psicopata, com cartolas de clubes capazes de proteger bandos criminosos travestidos de torcida organizada e de pessoas dispostas a exaltar os linchamentos e ainda discutir se seriam justos ou injustos, de acordo com o julgamento de uma turba descontrolada e selvagem.

De pessoas que consideram mais importante cuidar de suas unhas do que zelar pela segurança de crianças que lhes são confiadas e de pais mais preocupados com as suas obrigações profissionais do que a formação dos seus filhos, levando-as à morte. Com uma terrível sedução imposta por todos os meios de comunicação, desde a infância, pelas roupas de “grife” em que não discute a qualidade e sim a marca da etiqueta.

De uma grande parcela da população que esquece os mais comezinhos princípios e valores sadios de ascensão social para dedicar-se a gastos supérfluos para assistir os BBB’s da vida! E o pior, com uma imprensa que pretende ser a formadora de opinião da nação brasileira, anunciando nas suas manchetes em letras garrafais que: “LINCHARAM UMA INOCENTE” como se houvesse diferença no caso de culpa.

A manchete carrega, em si mesma, um pré-julgamento doentio, desumano, anti-cristão que denuncia a existência de uma sociedade seguramente depravada por valores materiais que contrariam qualquer regra de convivência social digna. É por isso que assistimos, a despeito de uma farisaica condenação à corrupção, todo o mundo roubando todo o mundo e chamando os outros de ladrão (vide bancos, supermercados, operadores de telefonia, farmácias, cartões de crédito, etc., etc. etc.).

Percebe-se a generalização da prática de pequenos delitos que são a gênese dos grandes crimes. Ninguém respeita as infrações de trânsito, mas reclamam quando os outros a cometem; condena-se o recebimento de propinas que não existiriam se não fosse a existência dos corruptores; fura-se até as filas preferenciais dos deficientes sob os mais indigentes pretextos; condenam a má limpeza das cidades, mas são os primeiros a jogar lixo nas ruas; abdicando de suas responsabilidades, os pais jogam as crianças nas escolas com uma esfarrapada pretensão de dar-lhes Educação, quando na verdade a Escola dá apenas Instrução e, daí em diante, haja gente grosseira e mal educada.

Tudo isso nos leva à conclusão inarredável de que nunca conseguiremos uma Nação mais justa, solidária, igualitária e decente se não aperfeiçoarmos a sociedade que nós estamos construindo, sobretudo quando considerarmos que qualquer segmento extraído desse corpo social carregará, inevitavelmente, as mesmas mazelas e deformações da sua genetriz. Costumo repetir a comparação grosseira: Ninguém conseguirá extrair um mosteiro de noviças dentro de um bordel!

Sei que é muito difícil, mas observei nos últimos tempos algumas definições que me animam e me levam ainda a acreditar na humanidade, e espero, até morrer. Ninguém nasce mau e depravado. Somos todos responsáveis por toda a miséria que nos cerca!

Li recentemente uma entrevista do grande humanista e Presidente do Uruguai, José (Pepe) Mujica, referindo-se a sua apaixonada militância política na mocidade, afirmou com a singeleza e verdade que lhe caracteriza, que:

“QUANDO A GENTE É JOVEM ACREDITA QUE PODE MUDAR O MUNDO, MAS HOJE ME SATISFAÇO QUANDO CONSIGO DAR UMA MELHORADAZINHA NO MEU BAIRRO”

Gosto muito de aprender com a população e um dia fui surpreendido por um popular que me disse:

“DOTÔ, QUANDO A GENTE QUER LIMPAR NOSSA CIDADE COMEÇA LOGO A VARRER NOSSA CALÇADA”.


Que tal começar fazendo, cada um, a sua parte ?  Seria de bom tamanho e começaria a dar uma melhoradazinha na sociedade em que vivemos e compartilhamos!        

       

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

SEBASTIÃO MOURA LINS

Comerciante e pessoa muito respeitada na sociedade de Garanhuns, compadre de meu pai Zebatatinha que apadrinhou seu filho Paulo, era uma figura singular. Homem experiente em seu trabalho, pouca instrução formal mas inteligente bastante para criar uma obra de humor extraordinária. Nunca foi surpreendido repetindo histórias, anedotas e causos da autoria de terceiros, o que denota sua enorme capacidade criativa e uma imaginação fecunda.
Dois casamentos e muitos filhos que sustentam a relação de amizade afetuosa entre nossas famílias. Nunca me conformei que a sua família não tenha registrado toda sua “verve” e brilho e pude verbalizar essa minha inconformação à sua filha Maria Helena em encontro na Secretaria da Saúde que eximiu-se da tarefa cobrando de mim:
“Se você sabe tantas histórias de meu pai, porque não as escreve?.
Por isso sinto-me no dever de fazê-lo por conhecer alguns dos chistes de sua maravilhosa criação, mas preciso da ajuda da família.
Criou os protagonistas para suas histórias, sendo a mais importante “Seu João Borrego”, alto comerciante, fazendeiro e chefe político de Capoeiras, de quem explorava a pouca instrução. Era compadre de Sebastião e divertia-se demais com uma risada escancarada a ponto de, a cada encontro, cobrar “a sua nova história”.
Quando “seu” João morreu,em respeito Sebastião transferiu a personagem para o seu filho mais velho Heronides e quando Heronides morreu, mais uma vez repassou a personagem para o genro de Heronides, Zezinho Almeida, ambos figuras de destaque na sociedade de Capoeiras.
Pelo que se vê, Sebastião era um dos que faziam de tudo, mas não perdiam a piada! Pra começo, vou começar do fim, contando as últimas duas estórias de Sebastião antes de sua morte, que ouvi criadas e contadas por ele próprio:

ESCADA ROLANTE DO SHOPPING CENTER

A última vez que encontrei Sebastião, antes dele morrer, aconteceu no Shopping Center do Recife, ele com Dadá e eu com Dulce e a ocasião perfeita para escutar suas duas últimas histórias. Foi uma alegria o reencontro e, depois dos abraços, ele começou a reclamar de sua vida no Recife que só aceitou porque as meninas precisavam estudar aqui.

Lamentava a falta de Garanhuns, a falta da prosa com os amigos, sem ter com quem conversar e a solidão de encontrar-se “empoleirado“ num apartamento nas Graças, de onde pouco se afastava. Depois de muito se queixar, arrematou:

“Para lhe ser sincero, Ivan, a única coisa que presta aqui no Recife é aquele negocinho ali”, e apontando para a escada rolante explicou: Andei o quanto quis, subi e desci não sei quantas vezes, até cansar. E aí perguntei a um rapaz que estava no pé da escada: “Moço, quanto foi a passagem?” e ele respondeu para a minha surpresa: “Não é nada não, meu senhor, é de graça”. Aí não tive dúvidas em me aproveitar e dei a ordem:

“ENTÃO ME DEIXE NA RODOVIÁRIA!”.

Para completar contou uma segunda história que, segundo ele, ilustrava muito bem o aperreio e a confusão da vida que estava levando no Recife.

“Pra você ter ideia, essa semana tive que sair para resolver alguns negócios e preveni Dadá que iria me atrasar para o almoço”. Ela me tranquilizou e disse: “Olha Sebastião vai resolver seus negócios, pois eu vou sair também e deixo a empregada prevenida que à hora em que você chegar, você come”. E completou:

“SEU IVAN, FIZ UMA CONFUSÃO DANADA, TROQUEI AS COISAS E O RESULTADO É QUE COMI A EMPREGADA E ESQUECI O ALMOÇO”.

Veja que situação e caiu na gargalhada, no que foi acompanhado por todos nós, enquanto Dadá o mandava tomar jeito e deixar de invenção.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

RUA DO RECIFE (GARANHUNS)


A propósito de uma fotografia da Rua do Recife (hoje Rua Dr. José Mariano), postada por Cora Valença no Facebook com referência às famílias que ali residiam por volta dos anos 40, tive ocasião de mandar-lhe pela mesma via, essa resposta que, na verdade é uma evocação de Garanhuns desse tempo:

Cora: Isso é uma malvadeza que vocês estão fazendo comigo. É realmente a Rua do Recife, na década de 40, mais ou menos em frente à casa de Dulce (meu sogro Pedro Lucena) que era a casa nº 122.
Essa casa branca, em frente ao primeiro poste, me parece a casa de José Coelho Rodrigues e Dona Moreninha, pais de Viriato, Ronald,  Juarez e  Stélio Rodrigues.
A casa de junto era de dona Chiquinha e Sebastião Caldas, pais de Cleonice (casou com Milton, irmão de ZéPaiva) que fez um dueto comigo numa festa do Santa Sofia, em que representávamos um diálogo cantado entre um rouxinol (me imaginem em pleno palco travestido de rouxinol !) e uma cigarra, fantasiados à caráter,  e ainda me lembro de um verso (muito ruim por sinal) que me cabia como rouxinol e lembro ainda (inclusive a música) que dizia assim:
“Cigarra, cigarrinha. Canta, canta sua canção. Eu bem sei que és a rainha. A rainha do sertão.”
Observem que a casa junto à de D. Chiquinha, em frente à quarta árvore, era recuada e pertencia a Seu Eduardo Gomes, dono de uma vulcanização de pneus na Rua Santos Dumont que o grande amigo Timóteo tomava conta. Era o pai de Arlindo, Terezinha, Lourdes de Pádua ( sua descendência ainda está entre nós) que depois foi embora para o Rio de Janeiro e não temos mais notícia.
Essa casa depois pertenceu e foi habitada por José Florêncio, Tesoureiro da Prefeitura, cuja extrema religiosidade gerou-lhe o apelido de “Yoyô dos Padres”. Era um homem de bem e sua descendência ainda está por aqui. Igor, você tem razão, é um chalé quase na esquina da Nilo Peçanha.
Vou ver se lembro os seus detalhes, mas adianto que antes de chegar à casa dos Valença, tinha a casa de Antonio Leite pai de queridos amigos, inclusive essa minha fofa e querida Maria Eugênia. Haja saudade!

domingo, 14 de dezembro de 2014

A NOTÁVEL FIGURA DE PADRE ADELMAR VALENÇA


Emérito educador e inesquecível na história de Garanhuns, com uma vida inteira dedicada ao sacerdócio e à direção do Colégio Diocesano de Garanhuns. Filho do casal maravilhoso ‘Seu” Abílio e “Dona” Emília Valença de quem sou suspeito para falar em virtude das razões de grande afeto que sempre lastrearam a amizade de nossas famílias.

Mal se ordenou, recebeu do Bispo Diocesano o encargo de Diretor do então “Gymnasio de Garanhuns” que assumiu de imediato e manteve-se à frente até poucos anos antes de morrer, depois de transmití-lo ao nosso querido amigo Prof. Albérico Fernandes. Vida ascética e humilde, sempre de batina tradicional, residiu todo o tempo no próprio Colégio, em quarto modesto com um mobiliário composto por uma cama Patente, uma mesa de cabeceira e um armário, despojado de quaisquer bens materiais e nele caberia, com extrema precisão, o epíteto de “POBREZA FRANCISCANA”.

Por sua postura junto aos seus auxiliares, professores, alunos e ex-alunos, é o maior responsável pela mística que se criou em torno do “Gymmnasio de Garanhuns” e mantinha, sem os recursos tecnológicos da informática, uma mala direta de milhares de ex-alunos com quem se comunicava habitualmente, através de textos manuscritos por ele próprio.

Foi também um grande administrador, pois o colégio nunca deveu a ninguém; ampliou significativamente as instalações do colégio durante toda sua administração; pagava em dia as obrigações e os salários dos professores em espécie e colocado em singelos envelopes, e ainda teve a visão estratégica suficiente para fundar, construir e instalar o Colégio do Arraial que hoje tem o seu nome.

Milagre de talento econômico, uma vez que nunca, MAS NUNCA MESMO, alguém deixou de estudar no Diocesano, por faltar-lhe o dinheiro para pagamento da sua mensalidade.

Sem cultuar as acadêmicas ciências e teorias pedagógicas e didáticas, revelou uma sabedoria incrível no que concerne a formação da juventude do que é exemplo algumas histórias que prefiro começar a contar de ora em diante, em face da dificuldade de biografá-lo, dada a riqueza de sua personalidade.

A BOA EXPERIÊNCIA DE  JODEVAL COM PE. ADELMAR

Nosso estimado amigo Jodeval Duarte, brilhante jornalista e escritor premiado, nunca esquece e vez por outra relembra um caso seu  ocorrido com o Pe. Adelmar, quando aluno do Diocesano. Diz sempre que toda vez que pensa nisso ainda morre de vergonha.

O Pe. Adelmar montou um sistema de controle do comportamento e presença dos alunos que os obrigava, à cada falta, ir apanhar um cartão que, após recolhido pelos censores, ficava em seu poder e somente eram liberados pelos alunos infratores diretamente das mãos do Padre. O procedimento dava-lhe a condição de repreendê-los de acordo com a reincidência, a personalidade do infrator e a gravidade da falta cometida.

Jodeval conta que caiu um dia na malha e obrigou-se a apanhar o seu cartão das mãos do Padre que, após identificá-lo, olhou para ele com um terrível ar de desprezo, sem sequer levantar-se do seu birô e entregou-lhe o cartão dizendo:

QUE NOJO, UM FILHO DE LÚCIO DUARTE!

Jodeval diz sempre que durante toda sua vida nunca sofreu constrangimento maior! 

 




sábado, 13 de dezembro de 2014

A PRAGA DA CIGANA DE MANOEL PAES


  A Fazenda Brasileiro, pertencente a Manoel Paes Torres e hoje dirigida por seu filho Miguelzinho, Ex-Prefeito de Brejão, havia sido adquirida de outro proprietário de terras conhecido por Coronel ZéMarques.

Um belo dia, lá aportou um bando de ciganos, que pelo visto, era visitante costumeiro da Fazenda para se “arranchar” em suas andanças. Como é natural, o chefe do bando pediu uma pousada para descansar da jornada que vinham fazendo, mas foi negada de pronto por Manoel Paes, alegando que não queria aquele bando em suas terras, dando como única razão que:

Não quero cigano em minha propriedade”.

Aí aconteceu o inusitado: uma cigana – possivelmente a matriarca do grupo – com a malcriação e o palavreado de sua cultura, não vacilou em ajoelhar-se no pátio da Fazenda, na frente de Manoel Paes, levantou os braços para o Céu e fez a seguinte oração com o sotaque característico:

“Meu Jesus Cristinho. Parece que tu tá caducando. Matar um homem como o coronel Zémarques e deixar uma pústula dessas (apontando para Manoel) vivendo no mundo”.

Reação de Manoel Paes: caiu na gargalhada, deu o rancho aos ciganos e embolava de rir toda a vez que contava a história!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PRIMEIRO DE ABRIL DE 1964


Como parte das manifestações promovidas para relembrarem o dia Primeiro de Abril de 1964, fui o palestrante de um evento realizado no Instituto Miguel Arraes, em que relatei os fatos ocorridos naquele dia e mais alguns dados relativos à minha ligação por mais de 40 anos com o grande líder que foi Miguel Arraes. A parte central, relativo ao dia 1° de abril, recebeu uma leitura do compositor e poeta Caetano Veloso constante do vídeo ao lado e, para melhor compreensão, segue o texto integral da aludida palestra:

“Relutei muito para decidir se deveria escrever essa palestra ou, de improviso, correr o risco de me trair pela emoção e dizer algumas inconveniências. Preferi escrever e faço aqui um relato sucinto da ocorrência que mais me impressionou naquele dia 1º de abril de 1964 e outras acontecidas no decorrer da minha vida, sempre ligadas a Dr. Arraes. Vou direto à primeira:

Desde a véspera, 31 de março, surgiam boatos desencontrados e realçados pela precariedade dos noticiários existentes, como sempre arrebanhando a opinião pública através de uma imprensa predisposta a servir ao poder dominante, ao sabor de suas conveniências. As conversas se prolongavam, em ritmo sempre vibrante e variado, sobre revolução, contra-revolução, golpes de estado, participação “yankee”, disposição de lutas, covardias e empáfias.

Começo a perceber gente arrumando malas e víveres em seus carros e saindo como apressados viajores. Imagino que devo fazer alguma coisa, tomar alguma atitude, romper uma passividade que me incomodava. Passei na empresa que dirigia, assinei alguns papéis mais urgentes e dirigi-me de imediato ao Palácio do Campo das Princesas.

Percebo logo uma intensa movimentação de tropas militares em seu entorno, sem interferirem, entretanto, no ingresso das pessoas ao Palácio. Até aquela hora todo mundo entrava ou saía sem dificuldades e ali encontro centenas de pessoas que não mais consigo relembrar com segurança e não quero cometer a injustiça de omiti-los.

Assisto a chegada do Comandante do Distrito Naval, Almirante Dias Fernandes que, trancado com Dr. Arraes no seu gabinete juntamente com Pelópidas Silveira e Celso Furtado, trazia uma proposta indecorosa em nome de um suposto Comando, que asseguraria a permanência do Governador à frente do Executivo desde que manifestasse apoio irrestrito à quartelada que já se anunciava. Proposta recusada, como todos sabem. Porém, enquanto se realizava a reunião, as tropas do exército ocuparam a Praça da República com ninhos de metralhadoras estrategicamente colocadas visando o Palácio e sustando a entrada de qualquer pessoa daquela hora em diante. Depois, as comunicações foram cortadas e fomos desligados do mundo exterior. O corpo da guarda palaciana foi ocupado pelo Exército e ninguém mais saia do Palácio.

A uma certa altura, aproxima-se pelo terraço dos fundos o Coronel Dutra de Castilho, até então Comandante do 14º Regimento de Infantaria, e manifesta a intenção de falar pessoalmente com o Governador.

Dr. Arraes desce do primeiro andar e vai ao encontro do Coronel nos limites do terraço dos fundos. Com uma inevitável curiosidade, fico junto e acompanhei o incidente em todos os seus detalhes. Estabelece-se então o diálogo, surrealista para os dias de hoje, mas que considero definidor, com extrema clareza, da situação vivenciada pelos interlocutores e de suas posições antagônicas.

Não conseguiria transcrever literalmente, mas vou tentar reproduzi-lo com a máxima fidelidade possível, sendo de notar que, em um fim de noite após o cumprimento de sua exaustiva agenda, quando ficávamos prosando até tarde, conferi com Dr. Arraes todos os detalhes.

Inicia-se a conversa e percebia-se, com absoluta nitidez, que o Coronel estava visivelmente emocionado e, em nenhum momento, deixou de tratar Dr. Arraes por “excelência”. Diz o Coronel:

“Venho comunicar que V. Excelência está deposto.”

Responde Dr. Arraes:

“O senhor não tem autoridade para me depor. Sou Governador do Estado eleito pelo povo de Pernambuco e somente ele pode me depor. Ou então o senhor quer dizer que estou preso e isso o senhor pode fazer pela força.”

Retruca o Coronel:

“De forma alguma, Excelência. Pelo contrário, lhe daremos todas as garantias cabíveis.”

E aí Dr. Arraes responde-lhe serenamente e de forma profética:

“NÃO PRECISO DE SUAS GARANTIAS. SOU O GOVERNADOR DE PERNAMBUCO E EXERCEREI O MEU MANDATO ATÉ O ULTIMO DIA, ESTEJA ONDE ESTIVER.”

Feito e dito isso, Dr. Arraes encerrou o episódio e retornou ao Palácio.  Este diálogo não necessita explicação, nem exige analista ou cientista político para interpretá-lo. De um lado, o poder da força, da imposição, da tutela, sedimentado em especulações delirantes dos militares sequiosos do poder.

De outro lado, a afirmação democrática de um governante altivo, impávido, destemido e legitimado por uma eleição submetida às regras republicanas e reagindo às demonstrações de força, comandadas pelas corporações obscurantistas, politicamente orientadas por um “udenismo” desesperado diante das sucessivas derrotas eleitorais.

Pouco tempo depois, subiu ao primeiro andar um capitão do exército (vejam como a patente foi baixando), determinando que daquela hora em diante somente permaneceriam no Palácio o Governador e os seus familiares. Os demais teriam um pequeno prazo para deixar o Palácio.

Aí acontece a parte mais constrangedora do episódio: o Governador Miguel Arraes postado em frente do elevador do primeiro andar, despede-se e aperta a mão, um a um, de todos os presentes que foram obrigados a retirar-se do Palácio naquele momento.

Ainda um fato importante deve ser destacado pois, a despeito de ter ocorrido antes de 1964, foi fator determinante para a eclosão da golpe de 1964. Assisti, em novembro de 1963, no Salão das Bandeiras do Palácio do Campo das Princêsas, naquela longa mesa que ainda hoje existe, a assinatura do famoso Acordo do Campo. De um lado da mesa os usineiros e senhores de engenho (hoje denominados plantadores de cana) e do outro lado os camponeses maltrapilhos, com Dr. Arraes sentado à cabeceira da mesa dirigindo os trabalhos.

Esse acordo que completou 50 anos recentemente e, de forma lamentável, sem qualquer registro ou comemoração por iniciativa dos sindicatos e centrais sindicais rurais, foi um marco regulatório nas relações de trabalho no campo, com repercussão no Brasil e cultuado no mundo inteiro pelas instituições trabalhistas.

Dr. Arraes nunca foi perdoado pelos patrões, não pelas razões econômicas que lhes foram favoráveis, mas por terem de sentar à mesma mesa com os trabalhadores, fato sociologicamente inadmissível para eles, que consideravam o evento uma suprema humilhação.

E tanto foi assim que, após a tramitação dos fatos descritos e ocorridos no Palácio no dia 1º de abril, fui conduzido ao Quartel General do Exército com outros companheiros e, recebidos pelo Cel. Bandeira, fomos encaminhados presos para o 7º R. O. em Olinda numa operação de remoção comandada pelo usineiro José Lopes de Siqueira Santos, da Usina Estreliana, com uma metralhadora à tiracolo e dando ordens aos militares do exército.

O incidente reflete verdadeiramente a autoria da inspiração, das manobras e da execução do golpe militar. Pelos antecedentes do aludido usineiro e pela autoridade que ostentava no comando da operação, imaginei que não chegaríamos ao destino previsto e quando fomos enfileirados no Corpo da Guarda daquela unidade militar, raciocinei: “Graças a Deus estamos presos”.

Costumo dizer que sou um privilegiado na medida em que fui distinguido pela oportunidade de testemunhar episódios que registram a marca de um grande patriota e líder político brasileiro. A sua história e grandeza precisam ser conservadas para exemplo das gerações que o sucederem. Estou aqui cumprindo um dever que considero fundamental para esse registro, antes que a “traiçoeira” me arrebate desse convívio.

Sinto ainda necessidade de registrar algumas lições que recebi do Dr. Arraes que marcam a sua personalidade singular. Coordenei, também com muito orgulho, o programa de eletrificação rural nos dois governos de Arraes, depois reconhecido como o maior programa da América Latina. Criticado por seus adversários sob a alegação de que suas iniciativas não eram estruturadoras para o desenvolvimento do Estado e sua população, Dr. Arraes respondia com muita sabedoria: “Não conheço nada mais estruturador para um cidadão do que uma caneca de água limpa para beber e um bico de luz para alumiar a escuridão”.

Por isso mesmo, peço permissão para quebrar o protocolo e fazer uma digressão que talvez desvirtue o sentido deste evento. São episódios pessoais, mas estreitamente ligados a Dr. Arraes:

Sou um velho já meio cansado que nunca amealhou riquezas, nem colecionou comendas. Não guardo rancores, nem alimento ressentimentos. Mais de oitenta anos de vida dura e difícil – sabe Deus como! – alternando temporais e bonanças, mas sempre adorando a vida que, por vezes, é gratificante. Sempre tive lado e costumo dizer que “A Coerência é o Caminho Mais Espinhoso da Política”.

Tive dois grandes Mestres na vida: o meu velho pai Zébatatinha que me ensinou o roteiro da dignidade, da cidadania e do apreço à família e Dr. Miguel Arraes – meu líder político e amigo durante mais de quarenta anos – que traduziu para mim o dever de servir à população com honradez e espírito público.

Desnudo-me, nesta hora, para externar minhas fragilidades e humildemente confesso minhas vaidades e orgulhos. Aí vai o primeiro desses episódios: Por ocasião da morte do meu filho mais velho (como dói enterrar um filho!) recebi uma mensagem que me sensibilizou e me levou às lagrimas. Dizia assim:

"Meu querido Ivan, É com grande tristeza que recebo a notícia do falecimento de José Ivan. Esta é a razão pela qual manifesto a minha presença junto à sua dor e a dos seus. Você é um exemplo, um amigo mais que querido. Quando nosso pai já se foi, a gente escolhe outro. No meu caso, você. SE FOR BEM ACEITO. Com meu abraço afetuoso Lula Arraes.”

Depois de enxugar as lágrimas, respondi-lhe:

“Meu querido Lula: Fiquei um bom tempo sem saber o que lhe responder, o que só agora consigo. ACEITO COM MUITA HONRA. Costumo dizer à família que deixarei para ela apenas um nome honrado. Achei que isso me bastava, mas você arrebentou a carapaça e descobriu minha fragilidade: Sou um vaidoso e fiquei impando de orgulho ao me imaginar complementando (nunca substituindo!) o exemplo de grandeza na vida pública que conheci e dou testemunho. Sou duro na queda, mas confesso que chorei ao ler sua carta. Deus lhe guarde e a toda família Arraes. Grande abraço e minha benção.”

Recentemente, ocorreu o segundo episódio: Após uma dessas atribulações que passei em minha vida, recebi a observação de uma pessoa que conheço desde criança, muito amiga e bastante credenciada para fazer o comentário e que, mesmo sem que eu refira o nome, todos entenderão de quem falo. Em conversa com um amigo comum, essa pessoa afirmou:

“Não adianta. Ivan é tão ranzinza quanto meu avô!”                                                                                                                                                                
Meus caros amigos. Desculpem a quebra do protocolo e da liturgia, mas se realmente eu mereço a honraria quero dizer a todos que muito me orgulho e me envaideço dessa comparação. Posso afirmar, do mesmo modo que meu velho Zébatatinha diria: MESMO RANZINZA, EU SOU UM HOMEM FELIZ !”  
   



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

MANOEL PAES TORRES

Manoel Paes Torres, cidadão de conduta irrepreensível, inteligente, espirituoso, proprietário da Fazenda Brasileiro em Brejão e dirigida atualmente por seu filho Miguelzinho ex-Prefeito de Brejão. Casado com a filha mais velha de “Seu” Miguel Calado Borba, uma das maiores lideranças políticas do Agreste. Pai de numerosa e muito digna família, registra alguns casos que bem demonstram a sua personalidade generosa, decente e, além do mais, sempre bem humorada, apesar de uma aparente sisudez.

RECLAMAÇÃO DE MANOEL AO CAIXA DO BANCO DO BRASIL

Na agência do Banco do Brasil em Garanhuns que permanece ainda hoje no mesmo lugar de então, existia um caixa, Sr. Valdemar, autoritário, seco, mal humorado e considere-se que, até pela estrutura administrativa na época, os Caixas se constituíam no segundo escalão abaixo apenas dos Gerentes e Subs. Em cima da janelinha do caixa tinha afixada uma placa que dizia:

“Confira seu dinheiro na hora. Depois não aceitamos reclamação.”

O resultado é que num belo dia, Manoel Paes Torres vai receber uma bela soma em dinheiro e como demoraria a contar, para facilitar, afastou o pacote de dinheiro da frente da janela do caixa e junto, no próprio balcão, começou a contar o dinheiro. Logo percebeu que estava sobrando dez mil cruzeiros (era muito dinheiro até para a época) e, de imediato, dirigiu-se ao caixa Waldemar e o alertou que o dinheiro estava errado.

Sem qualquer indagação, Waldemar limitou-se a apontar a placa dizendo que havia passado a hora da reclamação. Em vista da rejeição, Manoel Paes ainda tentou, mas não conseguiu demover o empedernido Caixa, retirou-se obedientemente e foi embora.

No fim do dia, o “inevitável!”. Constatada a diferença, mas conhecendo a honradez de Manoel, Waldemar corre pressurosamente à sua residência para resolver o problema verificado quanto ao dinheiro que faltou no caixa. Ao ser solicitado pela devolução da importância paga a maior, Manoel Paes retrucou-lhe, com toda a tranquilidade e sem levantar a voz, que “havia passado a hora da reclamação!” e, por consequência, não podia fazer nada para ajudá-lo.

Daí em diante, foram dois dias de horror pra “Seu” Waldemar. Recorreu a Deus e o mundo, amigos comuns e nada adiantou. Manoel Paes permanecia irredutível: “Passou a hora da reclamação!” repetia como uma gravação.

Até que no terceiro dia, Manoel Paes entrou no Banco do Brasil, com um pacote debaixo do braço que colocou na boca do caixa na frente de Waldemar e fez um verdadeiro comício para todos os presentes dizendo:

 “Tome a merda do seu dinheiro, que eu não preciso dele. Que lhe sirva de lição e deixe de ser mal educado e grosseiro, nem tome a medida dos outros pela sua. Aprenda a respeitar as pessoas honestas.”

Desnecessário adiantar que Waldemar não deu uma palavra. Ouviu calado!


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Othoniel Gueiros

Dr. Othoniel Furtado Gueiros
Por ocasião do centenário de nascimento do grande medico e amigo Othoniel Gueiros, sua família resolveu homenageá-lo com a edição de um livro que tomou o título de “OTHONIEL GUEIROS – O LEÃO DO SENHOR”. Para tanto, solicitou colaboração de varias pessoas, entre as quais, fui incluído no convite e o texto que enviei a Everardo, sem que me avisassem, foi colocado como “Apresentação” do livro, o que muito me honrou e envaideceu. Essa “Apresentação” é exatamente o texto que transcrevo abaixo, que merece divulgação, não por sua singeleza, mas pela grandeza do homenageado:

          A marca era inconfundível. As mãos esfregando freneticamente, uma na outra, derrubando uma mecha de cabelo prateado sobre a testa. Sua efusão era motivada, sempre, por uma notícia alvissareira ou uma informação desagradável – tanto fazia – a reação era a mesma. Uma vitória ou uma derrota de sua UDN; o sucesso ou o fracasso de suas investidas eleitorais; o resultado dos embates na Câmara de Vereadores; a recuperação ou o desenlace de um paciente; o sucesso ou a frustação de um amigo provocavam a sua notória e sempre esperada manifestação gestual.

             No exercício da profissão, fazendo os partos nas residências das gestantes em precárias condições, ao considerar que ainda não era hora de consumar a délivrance, impressionava pela sua paciência em aguardar o momento certo que poderia varar a noite, enquanto se acomodava numa poltrona qualquer para tirar um cochilo.

            A sua extrema dedicação, que poderia resultar, numa noite, em fuga desabalada pelo tabuleiro, receoso do marido desesperado que perdera a esposa em parto laborioso no próprio sítio, ou receber o elogio de um marido agradecido pelo cura de sua esposa, nos seguintes termos: “Dotô, desses dotôzinho rabo de cabra que tem nessa terra, o sinhô é o melhorzinho deles!” 

            O seu verdadeiro sacerdócio no exercício da medicina, desprendido e generoso, fez dele um homem sem riquezas materiais e assim morreu. Mas deixou um legado acima de dimensões concretas, como esposo e companheiro, como pai carinhoso, como amigo fiel e pelo comprovado amor aos seus semelhantes, tantas vezes demonstrado.

            A sua fidelidade aos princípios que defendia, de qualquer natureza, sejam políticos, profissionais ou religiosos. Nunca receava emitir opiniões, pois era extremado em sua defesa e nem delas fazia segredo, já que sua incontida franqueza não o permitia.

            Ah! Othoniel, ainda que pareça impossível, você conseguiu extrapolar todas essas qualidades com uma razão que foi toda a sua vida. Uma extraordinária capacidade de indignar-se, nunca observada nos homens comuns e somente comparável ao herói de Cervantes, para o que não lhe faltava, sequer, o fiel escudeiro, não rotundo como Sancho, na figura esquálida de Aristino.

            Sempre pronto para verberar as injustiças, sem medir conveniências e sem receio de represálias. Arrostando os moinhos de vento da iniquidade, sem esperar recompensas que não a satisfação dos seus singulares protestos.

            Como isso nos faz falta nos dias de hoje, quando a leniência e a tolerância dos nossos homens públicos minimizam as ilicitudes e banalizam as maldades.

            A prática consentida dos pequenos ilícitos subverte os valores seculares e instiga o cidadão comum à sua reiteração, Afinal, em nosso pobre e vilipendiado país prende-se, sem contemplação, por mais de cem dias, uma pobre mulher pelo roubo de um pote de manteiga e permite-se a impunidade dos que assaltam os cofres públicos e deles desfrutam em gordas contas no exterior.

            Esteja onde estiver, na bem aventurança de sua paz interior ou na satisfação do bem que distribuiu em vida, deve estar esfregando as mãos com mais vigor ainda, cabelos na testa e voz rouca, recriminando as injustiças, condenando o despudor e verberando a desonestidade.


            Que os seus amigos mantenham viva a sua incontida indignação é a maior homenagem que lhe pode ser prestada, meu sempre querido Othoniel.