quinta-feira, 24 de março de 2016

A DEMÊNCIA TOMOU CONTA


As coisas mais extravagantes estão acontecendo neste País, a ponto de indicarem a ocorrência de uma demência coletiva em todos os setores da atividade humana, exacerbando-se na área político-administrativa de forma assustadora.

Assusta-me que em pleno século XXI, ainda se enalteçam tanto as regras napoleônicas de divinização da forma em detrimento ao conteúdo, apregoada por eminentes Mestres e respeitáveis amigos meus, contra recente interpretação do Supremo Tribunal ao adotar a prisão de condenados por tribunais em segunda instância. Muito preocupados, e até entendo, com o trânsito de coisa julgada, o respeito ao contraditório e a presunção da inocência. De bate pronto, um juiz – em caso exemplar – louvado na recente interpretação, mandou para a cadeia e reparou a barbaridade que vinha se cometendo no processo que, em 2006, condenou o Ex-Senador Luiz Estevão a 31 anos de prisão, procrastinada por 34 (trinta e quatro) - eu disse 34 - recursos contra o cumprimento imediato da sentença. 

Ah!, mas todos os 34 recursos estavam rigorosamente amparados pelas normas processuais penais vigentes e pela jurisprudência até então dominante pelo Supremo! Atualmente fala-se muito de uma fluida seletividade no vazamento, na investigação da PF, na postura dos Procuradores e na posição dos Juízes. Tem quem defenda com a simplória desculpa que melhor soltar um criminoso do que prender um inocente, mas ninguém fala na maldita e infamante seletividade de cerca de 20% dos presos sem condenação (de um total de 600.000) no medieval sistema penitenciário brasileiro.

Alguém, em sã consciência, chamaria isso de justiça? Não seria uma acomodação processual para favorecer, como sempre, os poderosos criminosos ricos, capazes de dispender polpudos honorários com as mais afortunadas bancas de advogados? Por que a OAB e a Magistratura nunca promoveram uma campanha propositiva para uma reforma processual séria com o sentido de escoimar os dispositivos nitidamente procrastinatórios? Será que a persecução da JUSTIÇA, supremo apanágio do Direito, é menos importante do que garantir a nossa renda na advocacia? Porque não se cria, a exemplo da mora no Direito Civil, uma norma que estabeleça um gravame da pena pelo uso reconhecidamente doloso dos recursos protelatórios?

Pelo contrário, no caso de Luiz Estevão os longos anos de criminosa procrastinação já ensejaram um “lucro irreversível” da prescrição de algumas de sua condenações que já reduziram sua pena em 5 (cinco) anos e o objetivo era a prescrição total!

Um juiz de primeira instância e sua equipe, que vem conduzindo com competência uma ação justiceira que até agora tem sido respeitada e mantida por todos os tribunais superiores da Nação, quebrou o velho paradigma dominante de que cadeia no Brasil só servia para os três “Ps”, mantém na prisão alguns dos maiores empresários nacionais (ou sejam, os corruptores que nunca tinham sido alcançados pela Justiça), alguns políticos notáveis e já existem até a figura dos “bi-presos” que indica a sua contumácia no crime que praticavam.

Bastou uma discutível determinação sua de condução coercitiva de Lula para a prestação de depoimento, justificada por ele como uma necessidade de evitar tumultos e conflitos (restou provado que estava certo, pois mesmo com a pretendida discrição ocorreram conflitos na entrada do Aeroporto) para surgirem os indignados e pressurosos “Mestre Cultores do Direito”, para criticar o comando processual do Juiz Moro. Aí exacerbam-se os rigores napoleônicos priorizando a forma em detrimento da substância dos atos jurídicos, e aí cabem tudo.

Assisti, como sempre acontece no magistério quase pomposo do Ministro Marco Aurélio, com a voz empostada e professoral que notabiliza a sua contumácia de votar isolado para aparecer, uma crítica ao Juiz Moro que, segundo ele, teria infringido regra processual elementar. Mais ou menos, como no dito popular, o sujo falando do mal lavado!

É SURREALISMO puro essa crítica, uma vez que se houve erro do Juiz condutor do processo, o caminho correto, democrático e adequado seria o apelo à via superior para reparo ou reprimenda da infringência da norma. E mais, nessa crítica ao ato do Juiz Moro, o  Eminentíssimo Ministro infringe norma disciplinar contida na Lei Orgânica da Magistratura, em seu artigo 36, III, que preceitua de forma peremptória que é VEDADO AOS MAGISTRADOS:
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.” 

Simultaneamente o seu colega de Tribunal, Ministro Gilmar Mendes, também contumaz em suas críticas de ofício e fora dos autos, reverbera decisão de outros tribunais chegando ao cúmulo de comprometer por parcialidade qualquer processo que lhe chegue às mãos envolvendo os atores envolvidos. Como costumo dizer, é muita coisa sem juízo. Os Meritíssimos, no seu afã de aparecerem no noticiário, de ofício criticam pretensas infrações do Juízo do 1º Grau,  cometendo mais que uma infração processual, atentaram contra uma norma disciplinar imposta à Magistratura. A Lei é igual para todos, ou continua mais igual para uns?      

Recentemente, um incidente processual penal que, em outras circunstâncias e protagonistas, seria uma coisa corriqueira, toma a dimensão do anúncio de um novo apocalipse. Três promotores de justiça em peça de denúncia (com uma ridícula confusão entre os filósofos Hegel e Engels) requerem pronúncia e prisão de alguns dos denunciados que seria apreciada pelo Juiz condutor do processo, que detém a faculdade de recusar até a denúncia (como aconteceu, aliás) quanto mais o pedido de prisão.  Isso ocorre milhares de vezes, diariamente em todos os foros de justiça do Brasil, sem estardalhaço nem toques de trombeta, como em qualquer regime minimamente subordinado a regras dos juízos democráticos.

O mais elementar caminho para a prática da democracia é o respeito à Lei e as questões jurídicas – como diria o Conselheiro Acácio – devem ser discutidas e resolvidas no Judiciário na busca da Justiça. Mas está-se procurando o caminho da agressão, do engodo, das interpretações falaciosas e das invencionices. Cria-se um clima de guerra nas ruas como se as inquietações nacionais fossem ser decididas no grito e por milícias na rua. Chegamos ao ponto da intolerância de não se admitir a cor vermelha em bandeiras e vestes pessoais e a transformação da disputa política em duelo pobre e mesquinho de coxinha versus mortadela...

O fato do dia passou a ser uma relação de beneficiários das doações da Odebrecht que, em condições normais, não teria, como não tem, a menor importância factual e legal. Explico: A relação divulgada de todas as doações, de todas as empresas, para todos os Partidos e para todos os favorecidos, estão disponíveis na Internet para todo e qualquer interessado no site da Justiça Eleitoral de todo o Brasil. A única novidade foram os apelidos dados a alguns beneficiários, em boa mostra de bom humor e eu próprio me diverti com alguns deles.

Vejam porque insisto em dizer que estão desprezando o essencial em favor do acessório. A  lista só terá qualquer valia, após uma auditoria comparativa com os dados declarados na justiça eleitoral com a finalidade de constatar a existência de qualquer omissão nas prestações de contas dos candidatos. O raciocínio é lógico e elementar: a doação que não aparecer na prestação de contas será intrinsecamente FRAUDULENTA. Fácil, não? Evidente que o Carnaval montado em torno dessa lista é de caráter inócuo e desviador do verdadeiro foco da questão. Não se perde por esperar!

É tão gritante o desamor pelas instituições democráticas que, mesmo usando beletristas de última hora, por todos os lados, para deitar cátedra falando em “presunção de inocência”, “exercício do contraditório” e “ampla defesa”; ao invés de contraditar nas vias judiciárias, fala-se em ir às ruas e convocar os seus exércitos. Preferem desqualificar os acusadores e os julgadores, falando hipocritamente em luta ideológica quando adotam uma prática tipicamente fascista de desmoralização dos seus oponentes.

Não dá para conciliar tanto disparate e tanto farisaísmo e prefiro concordar com meu filho Pedro Leonardo, quando afirma que “uma demência ética e moral tomou conta da Nação, em todos os setores de atividade”. Sem lideranças e sem voz que represente o povo brasileiro está ficando difícil de encontrar a saída, pois ao invés de buscarmos uma concertação nacional, estimula-se o embate nas ruas como se fossemos uma cubata sem instituições democráticas, estimula-se a divisão nacional e o acirramento das disputas mesquinhas do Poder pelo Poder, ao inteiro alvedrio dos interesses nacionais e do povo brasileiro.

E a coerência indispensável à segurança jurídica e à convivência entre as gentes, que faremos dela?