sábado, 28 de março de 2015

TEMPOS DE GUERRA

Lembrando meu tempo de estudante no Recife, senti-me deliciado pela evocação de algumas circunstâncias que quero compartilhar. Ousadamente, em 1943, meus pais me mandaram para estudar na Capital , um ainda fedelho que acabara de completar 15 anos, com a obrigação de morar numa pensão, quarto de paredes de tabique, todo mês levando o colchão de palha para o quintal a fim de espantar os percevejos com bombadas de “flit” e comer a comida que lhe era oferecida e aceita, porque não tinha outra. Boa ou ruim era a única disponível. Minha única segurança era a companhia de meu irmão Ivaldo, um pouco mais velho, ambos menos preparados do que os adolescentes de hoje que se imaginam, com justas razões, donos do mundo.

Era exigência ir para Recife - difícil entender nos dias de hoje com a expansão do ensino superior - pelo simples fato de não existirem no interior os cursos do SEGUNDO grau, mesmo em Garanhuns, talvez o maior centro educacional do interior do Nordeste já naquela época, mediante a consolidação e pujança das três centenárias escolas: Diocesano, Santa Sofia e Quinze de Novembro.
Matriculei-me no importante Colégio Osvaldo Cruz, dirigido pelo digno Prof. Aluísio Araujo  – uma das pessoas decentes que serviram para a minha formação – cujo centenário de nascimento foi à pouco tempo comemorado com a edição de um livro em que constam os nomes de Ivan e Ivaldo Rodrigues como ex-alunos, com muito orgulho para nós.

Todos seus professores eram também universitários e sempre divulgo com honra ter sido aluno de Newton Maia, Moacir Albuquerque, José Lourenço de Lima, Amaro Quintas, Marcionilo Lins, Aníbal Fernandes, Lucilo Varejão, Waldemar de Oliveira, Andrade Lima Filho, os irmãos Hilton e Hoel Sette. Querem mais ? Registro com alegria que fui contemporâneo, no Colégio, de Ariano Suassuna, Ricardo Ferreira de Carvalho, Ricardito Brennand, Paulo Loureiro e muito outros que enobrecem com sua inteligência, vivos ou mortos, o panorama nacional e internacional. Tenho ainda comigo uma foto tirada em 12 de dezembro de 1945, com a turma e alguns professores, no encerramento do segundo grau do Colégio.
Foram tempos difíceis, de 1943/1945, com os horrores da segunda guerra mundial que abalou a vida, os costumes e a cultura do mundo inteiro, incluindo o Brasil. Naquele tempo, a informação resumia-se ao rádio e aos jornais no cinema (pela própria natureza sempre atrasados). Não existiam ferrovias e/ou rodovias que permitissem transporte para o Sul, pelo que, afora a incipiente aviação com suas tecnologias voltadas para a produção guerreira, todo o transporte de pessoas e mercadorias para o Sul e vice-versa, dependia da via marítima.

Nossa região produzia poucos manufaturados e precisava, por conseguinte, desse transporte para abastecimento regular de suas demandas. Desde o combustível até os cigarros Souza Cruz que não eram ainda fabricados no Recife. Ficou quase tudo submetido ao racionamento, a partir do momento em que os submarinos alemães começaram a afundar os navios brasileiros e o movimento dos navios passou a depender da formação de comboios protegidos por navios e guerra que, pela dificuldade que custava, só transportavam gêneros e materiais necessários ao esforço de guerra.
Gasolina fornecida somente em ínfima quantidade e somente atendida mediante os tíquetes de combustível. Como inevitável, surge o contrabando e uma inventiva pioneira da população! Com a minha posterior experiência no ramo automobilista (trabalhei um bocado de tempo na Mercedes Benz) sempre me diverti muito anos depois da guerra, com a grande novidade dos combustíveis alternativos como o etanol (nome inventado para o álcool como novidade para iludir os inocentes consumidores) e os motores atualmente designados de “flex”. Essa tecnologia foi criada pelos brasileiros durante a dificuldade dos tempos de guerra.

Lembro que em uma viagem, nesse tempo, em que voltava de Recife para Garanhuns, num velho jipe e ameaçado pela falta de gasolina e a inexistência de álcool nos postos, não tive dúvidas: na passagem pela cidade de Gravatá simplesmente parei numa farmácia e comprei alguns litros de álcool, despejei no tanque e garanti minha viagem...
Chegou a faltar comida e, se nas casas de família havia dificuldade, imaginem nas pensões. Para que tenham ideia, passei muitos anos sem poder avistar o que chamam de “macarronada a cavalo”, ou seja, com um ovo estrelado em banha coroando uma macarronada sem outro adereço. Experimentem essa dieta por algum tempo e verifiquem se minha intolerância tinha ou não razão.

Grande novidade e transformações culturais resultaram da instalação de uma base militar americana no Recife, como trampolim para o deslocamento de tropas, víveres e armamentos para as forças aliadas que se acumulavam em outras bases na África para a invasão da Europa. Com toda urgência, algumas novidades:   ampliação e criação de novas instalações militares no aeroporto; asfaltamento de uma faixa de rolamento da Avenida Boa Viagem da praça até os limites de um hospital de emergência da Base Americana, hoje Hospital da Aeronáutica.
Milhares de “marines” transitando ou instalados aqui, consumindo e gastando os seus dólares em todos setores de atividade notadamente em serviços, em que se inclue o  esplendor da bairro do Recife – hoje chamado Recife Velho -  abrigando o baixo meretrício (existe o alto ?). O movimento era intenso e toda noite era como dia de festa. Era comum escutar o fraseado dos aprendizes de intérpretes ( alô boy, veri uel, êi mister, iumen sir ? ) logo formados para cicerones e, com isso, garantir o que hoje denomina-se “geração de emprego e formação de renda”. As buates proliferaram e a concorrência tanto quanto a afluência, eram enormes! As noites no bairro do Recife eram como uma festa de Natal diária!

Mas, outra grande novidade surgiu. Ali na esquina da Av. Guararapes com a Rua do Sol, que  hoje  sedia os Correios, os americanos construíram uma daquelas instalações de emergência, igual ao hospital, utilizadas em função da urgência que se fazia necessária diante das exigências da guerra. Em atitude inteligente para levantar a moral de suas tropas no exterior, os americanos instalaram nessa construção o chamado “USOSHOW” destinado à diversão dos seus militares, para o que traziam constantemente os grandes artistas e orquestras americanas da época. Despertava uma ciumada danada nos rapazes brasileiros a quem não era permitido frequentar, privilégio somente reservado às trêfegas mocinhas brasileiras que ficavam alvoroçadas com a participação e deslumbramento nos frequentes eventos.
À nós brasileiros, restava apenas o direito de sentar ali no cais – lembrem que nessa época não existia a Ponte Duarte Coelho – e ficar até tarde escutando o som maravilhoso das célebres “bands”. Pra matar todos de inveja, tive assim o encanto e o privilégio de ouvir, ao vivo, a apresentação de algumas delas, mundialmente famosas, como Tommy Dorsey (escutem no You Tube os seus solos de trombone em “I’m Getting Sentimental Over You” e “Smoke Gets In Your Eyes”), Benny Goodman num solo de clarineta em “Moonglow”, e um menos conhecido Harry James em duas primorosas apresentações (vejam a interpretação de “Jealousie” num arranjo que mescla o ritmo original de tango com o blue e o mais fantástico solo de trompete que já ouvi, num clássico composto para violinos de difícil execução, “Hora Stacatto”). Atenção Lúcia Lessa, quero sua opinião depois!

Para nosso pesar, Glenn Miller desapareceu num vôo entre a Inglaterra e a França e nunca apareceu por aqui para nos deleitar ao vivo com a sua fantástica interpretação de “Moonlight Serenade”,  e o som maravilhoso que obteve com a clássica harmonia de quatro saxofones e uma clarineta ainda hoje imitada no mundo inteiro.
O comentário está ficando muito extenso, a memória está acelerada e logo voltarei ao assunto em outras postagens.

EVOCAÇÕES DE ARCOVERDE

Guardo muitas recordações de Arcoverde que marcaram a minha meninice, minhas primeiras aventuras, minhas primeiras namoradinhas e minhas primeiras farras. Quero deixar registrados os meus alumbramentos e o meu amor por essa terra que nos acolheu.

Fui o primeiro dos filhos a conhecer Arcoverde (anteriormente denominada de Rio Branco) quando meus pais chegaram lá em 1939, na busca de uma recomposição de vida, uma vez que meu pai havia perdido tudo que possuía e esperava encontrar lá uma nova saída.
O objetivo inicial era minha mãe procurar uma casa pra família morar, logo garantida pela casa situada na esquina da hoje Av. Cel. Japiassú com o beco que ia dar na Rua Velha, que nos colocava em confronto com o oitão da casa de Dr. Coelho. Para não perder o mote, grande figura de pai extremoso, profissional competente e cidadão exemplar que deixou uma grande prole, muitos deles ainda vivos, para atestar e que se tornou um grande amigo da nossa família.

Papai conseguiu uma lojinha de duas portas, esquina do “Beco do Escondidinho”, ainda hoje existente e reconhecido por essa denominação, onde instalou uma bomba de combustível na beira da calçada. Essa bomba era manual (claro, não havia energia elétrica regular) acionada por uma alavanca mais difícil e pesada do que as de manivela que surgiriam depois como novidade e que enchiam um depósito na parte superior com capacidade para apenas 20 (vinte) litros.
Era um penar, a cada 20 litros despejava-se no tanque do veículo e repetia-se a operação para acumular mais 20 litros. Imaginem o esforço para abastecer um tanque de capacidade superior. Não sei como a família inteira escapou de ter um braço mais grosso do que o outro, em função do esforço exigido para a operação.

Arcoverde de então, no começo do seu desenvolvimento, limitava-se à rua principal; a Rua Velha do lado de baixo que ia até à ponte de Buique e depois dela, só existia aquela linda casa no alto – sede da propriedade de Seu Sálvio Napoleão -;  e do lado de cima, a Rua da Linha que ia até o triângulo onde as locomotivas faziam a manobra para regressar, sem esquecer que a cidade começava na Estação da Great Western e terminava logo depois do DNOCS, naquela transposição da linha do trem bem antes da praça do Bandeirantes.
Naquela altura, do lado de cima da estrada de ferro existia apenas uma pequena rua, chamada de Rua de Mãe, porque as casas pertenciam à mãe de Altamiro (reconhecida pelo estranho nome de D. Ananias), oficial de cartório, grande boêmio e eterno frequentador da rua, pois nela se localizava a chamada “zona do baixo meretrício”. Será que alguém poderia me apontar uma “zona do ALTO meretrício” e confesso que a despeito de minha idade avançada, nunca encontrei uma ?

Evidente que, até pela sua conformação, a Av. Cel. Japiassú abrigava a quase totalidade das atividades das principais instituições da cidade. O Hotel Bolieiro (em frente à estação); o ateliê do fotógrafo Seu Otaviano; Cine Teatro Rio Branco pertencente a Dr. Pedrosa; o Hotel Majestic ( já com essa denominação num chalé com uma grande varanda de lado e pertencendo a Dona Licô, casada com o famoso Noé Nunes Ferraz e matriarca de uma família digna); a Livraria e Tipografia Prima ( de Antônio Napoleão, por quem tenho uma especial estima e recordação – depois eu conto); a Casa Sálvio Napoleão, dirigida por alguns de seus filhos, grandes amigos e muito representativos de Arcoverde; o famoso Bar e Sorveteria Confiança , pertencente a Noé, e que foi cultuado na história de Arcoverde como marco na tradição na cidade (merece um livro só para seus causos); o Cartório de Clovis Padilha;  a sede do DNOCS, então chamada de Inspetoria, e a residência do seu Diretor (a chegada desse órgão  na cidade e dos seus funcionários, em grande parte oriundos dos grandes centros, causou uma verdadeira revolução nos seus costumes, sem contar os casamentos que garantiu às moçoilas da terra); a padaria de Seu Cícero Franklin, a farmácia de seu Florismundo. Enfim, é muita recordação e muita saudade!
Quero registrar, à parte, o meu afeto por Seu Antônio Napoleão. Modelo de cidadão, sempre indignado com os males do tempo por conta do que se aproximava muito do meu pai Zébatatinha, Espécie de um atenuado Seu Lunga e, mesmo assim, fizemos uma significativa amizade. Quase junto lá de casa, eu ia para a livraria, pegava um livro do meu interesse e sentava por trás do balcão e ficava devorando os livros Coisa sempre do meu agrado. Papai um dia me reclamou alegando que eu estava abusando de Seu Napoleão que ficou uma fera quando soube e advertiu papai: “Não se meta, a livraria é minha e lá quem manda sou eu. Deixe em paz o menino !” A partir daí, me regalei com a determinação de Seu Napoleão e papai não mais reclamou.

Lembro que, com especial afeto, que meus primeiros amigos na cidade foram os filhos de D. Licô e Noé -  Arnaldo, Cleomádison e Rod La Roque ( nome de artista de cinema da época e com apelido de Rodinha), profissionais bem sucedidos e pela ordem: engenheiro, médico e agrônomo. Os mais velhos Luiz Wilson e Irene já não eram mais companhia para os pivetes.
Lembro minha primeira peripécia. Fui jogar bola no campinho de futebol que era cercado de avelóz e amanheci no dia seguinte com a cara inchada, assustando minha mãe. Dona Licô me socorreu explicando que deveria ser pelo contato com o avelóz e “receitando” uma garapa com bastante açúcar pra deixar secar na minha cara. Deu muito trabalho para desgrudar depois!

Pra não ficar muito extenso, deixo para retornar depois ao assunto com outras figuras, estórias e causos lindos dessa terra

 

domingo, 15 de março de 2015

PORQUE HOJE É SÁBADO

Não sei se vocês sabem, mas a cada dia os velhos “dormem menos e cochilam mais” e um dia desses, tive que me levantar mais cedo para ir tirar sangue em um Laboratório de Análises, em atendimento à requisição médica para fazer o chamado checape.

Antes que reclamem, digo logo que todas as minhas taxas são rigorosamente dentro do padrão! Chego à conclusão que serei um defunto extremamente saudável mas os índices indicam que, não fora a insidiosa e irreversível doença da velhice, todos ainda vão ter que me aturar por muito tempo.
Cheguei ao tal Laboratório às 6:30 da manhã, num dia de sábado, e aí vem o meu primeiro espanto... A sala de espera e atendimento estava LITERALMENTE LOTADA, tanto que pouco depois eu tive que, cavalheirescamente, ceder meu assento para uma senhora idosa. Imaginem a troca de mesuras entre o sujo e o mal-lavado?

O fato é que dirigi-me a uma das quatro (!) atendentes e perguntei aonde poderia apanhar as senhas para o atendimento, ao que ela, percebendo a minha ostensiva velhice, respondeu de pronto:
“Senhor, pode se dirigir ao quinto balcão aí ao lado que é PREFERENCIAL”

Aí foi o meu segundo espanto e não tive dúvidas em retrucá-la humoradamente:
“Menina, não estou entendendo nada. Ao meu ver, todos que estão se amontoando nesta sala são rigorosamente deficientes, pelo simples fato de que estão atendendo às recomendações médicas para verificar eventuais problemas de saúde. Não vejo motivo para essa discriminação”

E caí na risada, no que fui acompanhado pela gentil atendente e alguns pacientes mais próximos que escutaram a conversa! E então, disciplinadamente, fiquei sentado à espera de ser atendido! Constatei ao ser chegada a minha vez que, lá dentro, existiam mais quatro profissionais fazendo a colheita do material requisitado! Pelo jeito disputam o recorde de público do Galo da Madrugada.
Todos já devem ter verificado que a conversa dominante e quase exclusiva nestes ambientes gira em torno de doenças, remédios, tratamentos e sobretudo EXAMES, além daqueles dos laboratórios de análises. Instala-se uma verdadeira competição sobre quem e o que fez ou vai fazer mais eletrocardiogramas (já sabem até o apelido: ECG), ecocardiogramas com esteira ou sem, ultrassonografias, mamografias, tomografias, enfim todos os “gramas e grafias” e uma das pacientes triunfou, ao final, anunciando que iria fazer UMA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA! Ganhou o prêmio, já que ninguém apareceu para superá-la.

E ainda bem que o resultado dos exames já se faz via Internet, que nos poupa de outra romaria ao Laboratório para apanhá-los. Esse incidente me levou a algumas reflexões, constantes das “inquietações” que figuram na denominação do meu blogue. A exagerada demanda de laboratórios e ainda mais em dia de sábado, só tem duas explicações:
Primeiro: A população está envelhecendo cada vez mais e, por consequência, se faz mais carente dos cuidados com sua saúde, ou

Segundo: Os serviços de saúde particular ou pública, estão cada vez mais precários e dificultando o atendimento à grande camada da população.
Depois de avaliar essas duas alternativas que imaginava únicas possíveis, caiu-me a ficha e verifiquei que pode existir uma terceira hipótese mais favorável para romper esse maniqueísmo:

Definitivamente, grande parte da população adotou a ida aos laboratórios, incorporando-a aos habituais programas de fim de semana, com preferência aos sábados, porque o domingo é dia da ressaca. Da mesma forma como se agenda o piquenique, a churrascada, o campo de futebol, a praia e a peixada à beira-mar, porque não seria incluído o sábado para a tradicional colheita de material para os exames que definirão de que morte iremos morrer?.
Uma conclusão é inevitável: Na programação dos sábados deve estar incorporada, definitivamente, a ida aos laboratórios! Isso me fez lembrar o poema “Dia da Criação” do poeta Vinicius, especialmente no trecho quando fala: Hoje é sábado!:

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

VOU PARANDO POR AQUI, PORQUE HOJE É SÁBADO 14 DE MARÇO DE 2015

sábado, 14 de março de 2015

A PROVA DE UMA LÓGICA PERVERSA

Lembram que fiz uma série de textos sobre algumas LÓGICAS PERVERSAS que contrariam o mais elementar bom senso, marcantes e exibidas com abundância em nosso quotidiano. Um deles dizia respeito às estúpidas passarelas utilizadas pelos “técnicos !”, que as adotam e projetam, para que os pedestres atravessem as ruas e estradas, sem serem atropelados.

Uma matéria, na 2ª página do caderno Cidades do Jornal do Comércio da edição dominical de 15/03, anuncia como manchete que “Passarela é perigo diário para pedestre”, referindo-se a uma improvisada (e dita provisória) passarela instalada para atendimento aos usuários do Hospital Pelópidas Silveira na BR-232. O curioso é que ela deixou de ser “perigo”, uma vez que não deveria estar sendo usada, pois está interditada por conta do péssimo estado de conservação.
Pra se ter ideia, a técnica em segurança do Hospital, Luciene Silva, afirma:

“Em, quatro meses, abri seis comunicados de acidente de trabalho de funcionários do Hospital Pelópidas Silveira que se acidentaram na travessia da BR ou na passarela. Muitos se arriscam”
A interdição da passarela, mesmo com os riscos que oferece, conduz o pedestre à uma alternativa infame: atravessar a pista de todo jeito atropelando os carros e sendo atropelados.

Será que por ser “COISA DE POBRE” não se possa imaginar uma solução para o pedestre sem arriscá-lo a morrer e que favoreça, também, os afortunados veículos sem obrigá-los as malditas lombadas que proliferam a cada dia ?
Só se pensa na construção das “PASSARELAS PERVERSAS” que, conforme a matéria está orçada em dois milhões de reais e que, por terem seis metros de altura, não podem ser usadas por quem mais precisa: os idosos, deficientes físicos, cadeirantes, cuja única alternativa que lhes resta é o risco de serem atropelados ?

E antes que falem, me antecipo: Não inventem escadas rolantes para esbanjarem dinheiro público, como fizeram na travessia da Av. Herculano Bandeira, pois se é que não sabem, aviso logo que cadeirante e muitos deficientes físicos não têm como usá-las !
Não custa orçamentar, pois talvez seja mais barato a construção de uma lombada alta para os veículos que permitisse a travessia dos pedestres à rés do chão (bastaria dois metros e não seis). Duvido que custem muito mais do que os dois milhões de reais anunciados com as passarelas perversas (Vai ver que já projetaram elevadores e escadas rolantes !) . Para os veículos motorizados não representam o menor esforço e não custaria o mau trato em suas suspensões decorrentes da proliferação das terríveis lombadas.

Eu sei que estes questionamentos incomodam, mas será que por ser COISA DE POBRE não merece a menor consideração ? Sou forçado lembrar o poeta quando diz : “PORQUE GADO A GENTE TANGE, FERRA, ENGORDA E MATA, MAS COM GENTE É DIFERENTE”. A prioridade pelos mais carentes não pode ser apenas objeto de campanhas eleitorais, e sim, objetivo permanente da ação governamental.
Foi isso o que aprendi com o meu Mestre Miguel Arraes, quando dizia com muita sabedoria ao ser criticado, que NÃO CONHECIA NADA MAIS ESTRUTURADOR PARA UM CIDADÃO DO QUE UMA CANECA DE ÁGUA LIMPA PARA MATAR A SEDE E UM BICO DE LUZ PARA ALUMIAR A ESCURIDÃO!

A propósito, quero me desnudar além de todas as falhas que possuo, e como já estou de validade vencida, quero ACRESCER NO MEU CURRÍCULO O QUE NUNCA FALEI e dizer do meu orgulho de ter sido O COORDENADOR DO PROGRAMA DE  ELETRIFICAÇÃO RURAL DOS GOVERNOS DE MIGUEL ARRAES, posteriormente considerado o MAIOR PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL DA AMÉRICA LATINA.
Esqueçam os carros e vamos pensar nos pedestres, sobretudo relevando que é vida de gente que está posta em questão.

  

AULA DE HUMANISMO EM SENTENÇA JUDICIAL

Falo sempre que devemos exaltar os incorruptíveis que equilibram a tentativa de banalizar a corrupção que, insidiosamente, se tenta instalar no Brasil. Existirão sempre atos dignos e heróicos que nos levam a crer na humanidade. Vejam um deles:

“A Escola Nacional de Magistratura incluiu, nesta sexta feira (30/06), em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum do Juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins.

A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos sob acusação de furtarem duas melancias:

DECISÃO PROFERIDA PELO JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA NOS  AUTOS DO PROC Nº 124/03
3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:

‘Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto roubo de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito Alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)…

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário, apesar da promessa deste Presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia…

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra…

E aí? Cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas. Não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir…

SIMPLESMENTE MANDAREI SOLTAR OS INDICIADOS…

QUEM QUISER QUE ESCOLHA O MOTIVO!

Expeçam-se os alvarás de soltura. Intimem-se.

RAFAEL GONÇALVES DE PAULA - Juiz de Direito"

 

 

sexta-feira, 13 de março de 2015

POEMA DE AMOR AO HOMEM E À NATUREZA

O pronunciamento do cacique Seattle
(discurso pronunciado após a fala do encarregado de negócios indígenas do governo norte-americano haver dado a entender que desejava adquirir as terras de sua tribo Duwamish).
 
"O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade. Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra.
 
O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minhas palavras são como as estrelas que nunca empalidecem. Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo.
 
A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho. O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem à mesma família.
 
Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.
 
Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.
 
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.
 
Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende. Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das assa de um inseto.
 
Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro.
 
O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro.
 
E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres. Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
 
Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios) matamos apenas para o sustento de nossa vida.
 
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si. Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe.
 
Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.
 
Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará, para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
 
Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.
 
Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.
 
Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos.
 
Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Preteje-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse: E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum

domingo, 8 de março de 2015

CARTA DE ABRAHAM LINCOLN AO PROFESSOR

Remexendo em meus papéis velhos, encontrei essa carta dirigida por Abraham Lincoln ao professor do seu filho, que configura uma importante lição de vida, sobretudo quando me deparo com o desencanto e a perda de fé de muitos companheiros quanto ao comportamento da nossa sociedade.

Mesmo por vezes acometido, também, destes sentimentos pessimistas, tenho insistido que temos que continuar lutando pelo aperfeiçoamento desse corpo social com ânimo, persistência e determinação, louvado no bom exemplo explicitado por dignos e teimosos protagonistas que (Aleluia!) ainda existem em bom número. Figuras decentes e incorruptíveis permeando a sucessão de delitos atingindo a coisa pública, vítima de um  patrimonialismo criminoso e predador.
Transcrevo abaixo o texto dessa carta, para reflexão de todos:

“Caro Professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, para cada vilão há um herói, para cada egoísta há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que para cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros no céu, as flores no campo, os montes e os vales.
Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos. Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros. Ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.

Ensine-o a ouvir todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram. Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.
Trate-o bem mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso. Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.

Eu sei que estou pedindo muito, mas veja o que pode fazer, caro Professor.
Abraham Lincoln – 1830”

Vale a pena ? e porque não atentarmos para isso, com fé e acreditando nos muitos homens de bem que ainda restam ?

sábado, 7 de março de 2015

ANDRÉ GOMES - Herói Desconhecido

Acidentalmente caiu-me às mãos um livro editado em 1931, com crônicas do início do século XX, denominado “MEU PERNAMBUCO”, de autoria de um notável jornalista e panfletário Mário Rodrigues, nada menos que o pai do cronista Nelson Rodrigues e do também jornalista Mário Filho que deu o nome ao Estádio do Maracanã.

O autor, impiedoso crítico dos costumes e da política da época, foi obrigado a se exilar no Rio de Janeiro, tal era a virulência das ameaças e represálias decorrentes da verrina dos seus comentários críticos à classe dominante de então. Temeroso, abandonou sua terra natal, e foi trabalhar em outras paragens, em exílio voluntário, para escapar de possíveis atentados à sua vida.
Brilhou em sua profissão no Rio de Janeiro e foi seguido por seus ilustres filhos que se tornaram famosos, comprovando que o DNA era impecável. No livro citado, existe uma crônica sob o título “Lição Para Os Reis”, às fls.de 49 a 53, em que relata um extraordinário e exemplar episódio ocorrido em torno de 1912 aqui em Pernambuco, com um cidadão chamado “ANDRÉ GOMES”, que vou tomar a liberdade de transcrevê-la na sua parte essencial, para que melhor se entenda a lição dada por ele em louvor ao gênero humano, respeitando a grafia original:

“COMOVEU-ME ÀS LÁGRIMAS, UM EPISÓDIO QUE ME FOI REFERIDO ESTA MANHÃ...ENTRE OS MEUS COLLEGAS DA CÂMARA DE PERRNAMBUCO, ELEITOS APÓS A VICTÓRIA DO DANTISMO, EM 1912,DESVANECERA-ME SEMPRE A ESTIMA FRATERNAL DE UM DEPUTADO, O PRETO ANDRÉ GOMES.....NAS REFREGAS MAIS INTENSAS, AS QUE PUDE, ACASO, TESTEMUNHAR, LÁ SE NOS DEPARAVA INVARIAVELMENTE AQUELLE TYPO, CUJOS GESTOS AMAVEIS DE  EXTREMA DELICADEZA, OFFERECIAM ESTRANHO CONTRASTE À LINHA FIRME E AUSTERA DO BATALHADOR CAPAZ DE TODOS OS LANCES HEROICOS. POIS O CASO QUE ME CONTARAM GIRA EM TORNO DO ILLUSTRE CREOULO....
E A HISTÓRIA É QUE A TEIA DO SUBORNO TENTOU ENLEAR ANDRÉ GOMES. UM DESTES DIAS. PROCUROU-O INVESTIDO DA EMBAIXADA, O SR. ARCHIMEDES DE OLIVEIRA. O SR. ARCHIMEDES, EM NOME DA COLLIGAÇÃO REVOLUCIONÁRIA QUE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA CHEFIA, CHAMOU ANDRÉ GOMES E ASSIM LHE FALOU:

“VOCÊ, ANDRÉ, TEM SIDO UMA VICTIMA DA POLITICA; JÁ VELHO VOCÊ PRECISA DE UMA SITUAÇÃO DE REPOUSO E CONFORTO; EU VENHO ASSEGURAL-A. DÊ-NOS O SEU VOTO NA CÂMARA E DISPONHA DE NÓS QUE ESTAMOS PROMPTOS A O ATENDER EM TUDO. PARA COMEÇAR, PROCURE UMA CASA QUE SATISFAÇA AOS DESEJOS DO BEM ESTAR DA SUA FAMILIA. NÓS LH’A OFFERTAREMOS.”
QUEREIS SABER O QUE RESPONDEU O PRETO? RESPONDEU:

“SENHOR DOUTOR, PASSOU A ÉPOCA DE COMPRAR NEGROS... O 13 DE MAIO NOS LIBERTOU...”
MAIS QUE O REFLEXO PESSOAL DE UM CARACTER, A PHRASE REPRESENTA O PARADIGMA DE UM ESTADO COMMUM DE ESPIRITO EM PERNAMBUCO. TRAÇO VIVO DE UMA PSYCHOLOGIA RACIAL A QUE O VILIPENDIO DE INIQUA PRESCRIPÇÃO ATRAVÉS DE SECULOS NÃO TIROU AS VIRTUDES INNATAS DO DESPRENDIMENTO E DO SACRIFICIO, OBJETIVA, ALÉM DESTA PARTICULARIDADE, OS PROPOSITOS DE RESISTENCIA DA ALMA DE UM POVO PARA QUEM A SIMPLES HYPOTHESE DE CAPITULAR ASSUME, A ESTA HORA, A FEIÇÃO DESPREZIVEL DE  UMA VILTA QUE NENHUM HOMEM DE BRIO ACEITA....

BOM ANDRÉ GOMES, PRETO DE ALMA IMPOLLUTA!... NÃO LEVASTE PARA O TEU LAR A ESCRIPTURA DO PREDIO QUE TERIA SIDO O PREÇO DE UMA INFAMIA. TODAVIA, DEPOIS DA PEITA, ENTRASTE NO TEU LAR DE CABEÇA ERGUIDA, POBRE, PAUPERRIMO, SIM, MAS ALEGRE POR NÃO HAVERES COGITADO EM TEMPO ALGUM, DE USUFRUIR A TORPE FORTUNA DAS FALLENCIAS EVITADAS À CUSTA DE SANGUE INNOCENTE.”
Imaginem, no início do século XX, a discriminação que sofria um escravo liberto que ascendeu na vida e lutava para afirmar-se como cidadão.

A coincidência do nome despertou minha curiosidade que confirmou, para minha alegria e honra de todos os que conheceram e conhecem a história de MOACIR ANDRÉ GOMES e sua digna família; do povo humilde de sua cidade; de quem participou e usufruiu da generosidade de sua medicina; dos companheiros de uma convivência política digna e honrada.
Sim, amigos, esse extraordinário ANDRÉ GOMES é o pai do nosso MOACIR ANDRÉ GOMES que, pelo jeito, teve de quem herdar. Sua família deve se orgulhar e Pernambuco inteiro exaltar a dignidade deste cidadão. Nos dias de hoje, mais do que nunca, os incorruptíveis devem ser enaltecidos! Alvíssaras, meu Capitão, ainda existem e existirão heróis em nossa terra!

domingo, 1 de março de 2015

BORBUREMA

Alí na Avenida Sto. Antônio – esquina com a descida para a Praça Jardim – em frente a Associação Comercial na época (HOJE Ferreira Costa) fazia ponto com sua cadeira de engraxate o negro já madurão conhecido como BORBUREMA.

Conhecido e considerado por toda gente, trabalhador, bom profissional, mas não dispensava o consumo regular de uma caninha que o mantinha aceso e predisposto a discursos políticos.
A sua paixão era a política e não perdia ocasião para fazer discursos entusiasmados para os seus candidatos, a qualquer hora e mesmo fora do período de eleições. Durante sua vida foi um dos mais fieis correligionários do Deputado Elpídio Branco que era sempre apregoado como tema de sua atividade oratória, em pé naquela esquina, com uma voz forte e retumbante, dispensando microfones.

Dispensável dizer que, na época das campanhas eleitorais crescia o seu empenho e dedicação, para demonstrar com mais frequência toda lealdade ao seu líder. Com pouca instrução era um Democrata radical e, apesar de suas convicções, cultivava um sentimento de tolerância exemplar com os adversários políticos.
Numa ocasião, em plena campanha eleitoral, estava fazendo uma pregação inflamada sobre as qualidades do seu candidato, que tinha como opositor o líder da UDN, Francisco Figueira.

Em plena oratória empolgada, recebeu aparte provocante de um transeunte:
“E o Coronel Figueira, Borburema, não presta ?”

Ao que ele de pronto respondeu, sem perder a calma e o fio do seu discurso:
“É muito bom cidadão, mas o Deputado Elpídio Branco é o nosso maior líder político e não existe nenhum capaz de vencê-lo !”

E prosseguiu imperturbável com o seu entusiasmado louvor ao seu candidato. Lição democrática de tolerância e convivência respeitosa com os adversários que nos está fazendo muita falta hoje em dia.
Já idoso pagou o preço das extravagâncias etílicas, acometido por uma famigerada tuberculose, e foi acudido pela generosidade de Dr. Othoniel Gueiros que prestou-lhe toda assistência médica e os remédios necessários à sua cura. Mas estava muito debilitado e, em face da fragilidade de suas defesas orgânicas, Othoniel observava que ele carecia de uma alimentação melhor, para melhorar seu estado geral.

Mas como, se era o sustento de uma família muito pobre e sem condições de trabalho ? Chegamos a contratar com o açougueiro Antônio Darré o fornecimento semanal de um peso de carne e alguns alimentos para melhorar sua mesa, mas não foi suficiente. Faleceu vítima da terrível doença.
Deixou uma família pobre e honrada que ainda hoje vive em Garanhuns, lá no Magano.

BODE CHEIROSO

Quando comecei a comentar as figuras populares de Garanhuns, ressaltando os bêbados e loucos maravilhosos que participaram do nosso universo, a repercussão foi grande e surgiram logo comentários sobre outras figuras que enriqueceram o nosso quotidiano, desde crianças. O maior destaque foi para Bode Cheiroso, que mereceu dezenas de comentários que ajudaram muito a plasmar sua personalidade.  Todos tinham sempre mais uma história para contar sobre ele e só me resta a tarefa de completar o rico informativo:

Nos idos de 1950, aportou em Garanhuns uma figura inconfundível. Altura média, meio galego, olhos azuis (um dos comentários falou em lindos olhos), maltrapilho e desleixado e sobretudo alcoólatra, fazendo bicos, pedindo por vezes comida e muito mais vezes cachaça (Vejam a foto).
Tinha um falar com sotaque arrevesado, empolando sílabas desnecessárias que resultava num sotaque peculiar que marca qualquer descrição dele. Surgiu até uma dúvida sobre uma famosa expressão, em que ele dizia: “Bode não gosta de COLCHICHO. Quem gosta de COLCHICHO é padre”, referindo-se à ouvida nos confessionários.

Aproximou-se de nossa casa e, condoído dava-lhe umas roupas velhas que vestia em seus momentos de sobriedade e nos seus episódios de lucidez tinha um falar correto e uma conversa coerente, revelando um razoável conhecimento.
A sua origem era do entorno de Pesqueira, seu nome verdadeiro era Plínio e dizia ser compadre de meu pai que confirmou a circunstância, a quem chamava de Compadre ZÉBAUTATINHA e Comadre CAUMINHA.

Corria uma história, não confirmada, que a razão de sua derrocada foi a a insuportável traição de sua mulher que o deixou inconformado pelo resto da vida. Abandonou o trabalho e entregou-se à embriaguez e nunca descobri se tinha filhos. Disso não falava e tentei, sem sucesso, algumas vezes indagações a respeito.
Na época, meu filho Pedro Leonardo – hoje psicanalista – era criança e quando ele passava um razoável período de ressaca, tomava banho,  vestia roupas limpas e Dulce o encarregava de vigiar as brincadeiras de Pedro no quintal (e ainda tem quem afirme que eu tenho juízo e doido são os outros), missão que desempenhava com muito zelo, até as reiteradas recaídas. Durante o resto de sua vida, ele não esquecia Pedro e toda a vez que o encontrava gritava logo: “PEUDINHO”! e lhe fazia uma desvanecida recepção.

Pedro Leonardo gostava dele e estendeu essa afeição para outras figuras curiosas da nossa terra o Mudo, João do Ovo, Coentro, etc. Com o Mudo entretinha longas conversas (parece difícil mas é verdade pois  ele dominava todo o gestual do Mudo) e talvez  isso explique a sua obstinada vocação de psicanalista. Mas sem tergiversar, voltemos a Bode Cheiroso.
Uma coisa é certa: Apesar do mau aspecto dele e a repulsa que inspirava à primeira vista, era absolutamente inofensivo e até cordial, a não ser que o provocassem e isso não era raro encontrar. Alguns comentários referem até que era usado para amedrontar as crianças, sem nenhuma razão.

Isso ele não merecia. Viva Bode Cheiroso que, à sua maneira, marcou uma época em Garanhuns.
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