sábado, 31 de outubro de 2015

CONVERSA DE BARBEARIA

Já pensaram na permanência teimosa da designação de “barbearia” quando na verdade destina-se mais ao corte de cabelos e às maravilhosos prosas entretidas pela freguesia e sempre provocadas pelo “barbeiro”?

Mantenho a tradição e durante muitos anos persisto em cortar o restinho de minha outrora cabeleira com o velho amigo Isaque, no seu box da Colunata em plena avenida Santo Antônio em Garanhuns . Lá a conversa corre solta e os mais variados assuntos são levantados. Claro que alguns deles são recorrentes, como a crise nacional, a demência ética e moral do país, a saúde, a educação e, para não fugir a regra: a insegurança. Esta semana estive lá e a propósito da violência que se irradia como uma praga no mundo inteiro, tivemos ocasião de referir os conflitos que dominam os noticiários.

Chacinas e mortandades em números assustadores, e o que é mais grave, em nome DA FÉ; no futebol – paixão nacional – as torcidas não mais assistem os jogos e sim duelam agressivamente em confrontos até mortais, em que surgiu uma nova arma: as bacias sanitárias; o sistema de saúde está sendo destruído, conforme denúncias públicas, pelo uso temerário e imprudente do uso de motocicletas que estão destruindo praticamente toda a disponibilidade dos serviços de emergência médica do país; as discriminações de toda a espécie que terminam desaguando em acessos articulados de raivas e odiosidades; a elevada incidência dos chamados crimes de proximidade (40%) em relação aos crimes de morte que alcançam até as relações de vizinhança; a degradação das instituições familiares que, em nome da segurança econômica, só permite a reunião e o encontro dos seus membros quando muito em esporádicos fins de semana. O linguajar chulo, desabrido e pornográfico que está tomando conta das redes sociais, em que ninguém se respeita e qualquer dia desses dias vai obrigar a retirar as crianças da sala para permitir o seu acesso.

Tenho reclamado muito e escrito bastante que, no fundo,  a origem está no corpo social doente e violento e a insegurança que observamos é em grande parte decorrente da grosseria que domina toda a sociedade. Façamos uma auto-crítica e reconheçamos que temos uma sociedade grosseira e mal educada.

As pessoas já não se cumprimentam. Nas cidades grandes, até nos prédios de apartamentos não se sabe sequer o nome dos seus vizinhos de porta. Caíram em desuso as expressões: bom dia, muito obrigado, boa noite, por favor, dá licença, desculpem, e qualquer acidente bobo no trânsito provocam reações absurdas de agressividade. Furam qualquer fila com o maior descaramento e reagem com fúria, à qualquer reclamação (eu mesmo, numa fila de idosos, fui chamado de grosseiro e mal-educado por ter reclamado de uma madame posuda, furando a fila e sem ter nada de idosa). Reclamam da limpeza da ruas, ao tempo em que conduzem os seus mimosos cachorrinhos para cagar nas ruas. Reclamam por ciclovias para proteção dos ciclistas, mas (mesmo onde existem ciclovias como na Avenida Boa Viagem) desfilam despudoradamente nos calçadões dos pedestres e ai de quem protestar. Para não parecer implicância (pasmem!) já asssisti pedestres fazendo cooper nas ciclovias, atropelando as bicicletas.

Procuro reagir à minha maneira e, sempre de forma educada e bem humorada, insisto em demonstrar, de forma respeitosa, uma solitária e talvez infrutífera reação à essa postura de indiferença das pessoas quanto ao bem estar que as relações humanas podem causar. No caso da madame, contado acima, consegui a manifesta solidariedade e o aplauso do restante da fila quando ao ser chamado de mal educado, respondi-lhe sem levantar a voz:

“Minha senhora, eu tenho certeza de que não sou um mal educado, mas tenho pena dos seus filhos que devem  estar recebendo uma péssima educação doméstica”.

A madame saiu furiosa e foi procurar uma outra fila do super-mercado
Adoto o sistema e o aplico com regularidade. Ao chegar em qualquer ambiente, de salas de espera de qualquer tipo, lojas e a elevadores, cumprimento efusivamente com um esplendoroso bom dia os circunstantes sisudos e ressabiados à qualquer proximidade dos seres humanos. Quase sempre são surpreendidos pela minha manifestação e, mesmo surpresos, atarantados respondem ao cumprimento e percebo que ficam satisfeitos.

Estou chegando à conclusão que preciso ser um “Seu Lunga” bem humorado para não ser considerado um velho abusado e de mal com a vida. Não quero ser recebido como um importuno e trapalhão. Devo manter os meus princípios e meus valores sem pretender impô-los, pois não sou dono da verdade, e respeitar o pensar alheio. Estou satisfeito com essa minha postura e, vez em quando, sou recompensado e alegro-me com a convicção de que não estou errado. Diverti-me muito a uns dias atrás e vou contar:

Precisei ir a um escritório localizado na Torre “A” do Empresarial Rio Mar. Deparo-me com um vestíbulo enorme, comum às três torres, em que caberia com folga uma quadra coberta de basquete. Sem qualquer indicação visual, dirigi-me a um cidadão, entre outros, postados naquele espaço vazio e vestidos impecavelmente, como em nível de segurança presidencial. Interpelei-o sobre a Torre “A” e atenciosamente fui encaminhado a um balcão de recepção exclusivo onde deveria ser cadastrado e munido de um cartão magnético que permitiria o acesso aos elevadores da Torre “A”.

Como de costume, uma fila formada para se cadastrar composta de pessoas sisudas e ressabiadas cumprindo aquelas obrigações impostas pelo cotidiano. Esperei pacientemente até chegar minha vez e uma gentil recepcionista me atende e solicita minha carteira de identidade. De posse de minha carteira, começa a digitar no computador todos os dados requeridos para o cadastro até que me devolve a identidade e antes de me entregar o cartão magnético que me permitiria ir ao destino requerido, solicita-me:

“O senhor me permite que tire uma foto sua ?”

Respondi-lhe na hora:

“Permito, senhorita. Mas só queria entender o que diabo uma mocinha nova e engraçadinha como você pode querer com a foto de um velho caindo aos pedaços e que não serve mais pra nada ?”

Não deu outra! A descontração foi total, caiu todo mundo na risada, inclusive a tolerante recepcionista e instalou-se o bom humor e a cordialidade naquele ambiente frio e impessoal.


Para coroar o dia benfazejo, no mesmo local e na mesma hora reencontrei um querido amigo e sua família que a mais de vinte anos não via: O médico e cidadão - dos bons -  Dr. Marconi Dantas que trabalhou comigo na Cosinor. Aleluia...