Maior referencial da família, o nosso patriarca deixou marcas eternas e inconfundíveis para todos nós. É muito difícil falar dele, tal a riqueza de sua personalidade. Severo e afável, intransigente e amoroso, inflexível nos seus princípios e tolerante com o pensar alheio, profundamente religioso, mas indignado com os erros dos agentes religiosos.
Teve na vida alternativas de bonança e desespero que nunca conseguiram afastá-lo do caminho retilíneo que tinha por norte. Os infortúnios não conseguiram desanimá-lo, como os sucessos não deformaram as suas convicções. Tinha apenas 2ª classe primária, sonhava com a graduação dos seus filhos, sonho que realizou com a formatura dos três filhos homens.
Lembro bem o orgulho manifestado por ele quando, no palco da formatura em 1949, colocou o anel de médico no dedo de Ivaldo e o abraçou emocionado dizendo: “Meu Doutor”! E, nessa hora, fez um pedido a Ivaldo, dizendo-lhe:
“NUNCA DEIXE DE ATENDER UM DOENTE QUE BATA A SUA PORTA POR NÃO TER O DINHEIRO PARA LHE PAGAR”
Depois, assistiu a graduação de Ivan em Direito e José Ivandro em Engenharia no ano de 1966. Sem nenhuma cavilação, foi um dos maiores autodidatas que conheci. Tinha uma grande biblioteca e lia tudo que lhe caia às mãos. Formou uma bagagem cultural imensa e a leitura era o seu passatempo preferido em todos os momentos disponíveis. Orador privilegiado e não só falando como escrevendo, ganhava fácil dos seus filhos somados. Discutia todos os assuntos e adorava um debate.
Lamentável como perdemos o registro dos seus escritos e falações. Temos poucas peças preservadas e lamento muito que não se tenha gravado o discurso que fez na inauguração da Quadra Coberta do Colégio Cardeal em Arcoverde que recebeu o seu nome. Já inteiramente cego, no palco da Quadra, arrodeado da família, de improviso descreveu sua vida, a relação com nossa mãe, a referência com cada filho e fechou o discurso com um monte de gente chorando, quando dispensou qualquer lamentação por sua cegueira, dizendo :
“EU SOU UM HOMEM FELIZ”.
Outro sonho apaixonado era a preservação e a unidade da família, razão primeira de sua vida e de minha mãe Carminha. Feliz quando a casa se enchia de gente e disparava longas conversas com filhos e netos discutindo todos os assuntos, mas com predileção à política, lembrando casos e causos, evocando episódios de sua vida e dando lições memoráveis a todos nós. Era sempre Zébatatinha, apelido que perfilou toda a vida desde criança, chegando ao ponto de cogitar o seu registro.
Deputado Estadual, era designado como José Rodrigues Batatinha. Integralista e anti-comunista por convicção, ninguém o superava na postura democrática de convivência e na tolerância das divergências com os adversários. Basta dizer que, sendo deputado integralista, uma das maiores amizades pessoais que cultivou na Assembleia foi com o assumido comunista Paulo Cavalcanti. Representavam posições antagônicas e mesmo assim foram amigos diletos pelo resto da vida e as nossas famílias preservam ainda o mesmo sentimento.
Mais fácil que tentar descrever ou biografá-lo, é melhor contar as suas histórias que garantirão, por certo, o retrato fiel do “querido velho”.
A CEGUEIRA
DE ZÉBATATINHA
Como
referido no texto anterior, a falta de formação escolar de Zébatatinha foi o
maior incentivo para sua busca de conhecimentos através de uma leitura
constante que se tornou a paixão de sua vida. Lia sem parar, era a sua
distração, possuía uma enorme biblioteca e todos os seus momentos disponíveis
eram dedicados à leitura. Formou uma bagagem cultural expressiva, eclética e
poucos assuntos escapavam de sua observação, análise e crítica cuidadosa. Como
lia bem, transformou-se em qualificado escriba no respeito às regras do
vernáculo, caligrafia bonita, imaginação e estilo insuperáveis.
O pior que
lhe podia acontecer era a cegueira, aos 67 anos de idade, resultante de duas
mal sucedidas cirurgias de catarata. Viveu, portanto, os últimos 27 anos de sua
vida inteiramente cego. Nunca se lamentou, nem reclamou de sua desdita e
conseguiu de forma surpreendente adaptar-se à nova situação, criando
procedimentos adequados. Tinha o seu armário em que ele próprio arrumava os
seus pertences mais usados e ia busca-los na medida de sua necessidade, sem
solicitar ajuda de ninguém.
Nas reuniões
da família que manteve durante todo esse tempo e era sempre dos mais animados,
cantando e tomando a sua dose preferida de uísque puro, sem gelo, e que nunca
ultrapassava de um dedinho de altura. Nas entradas de Ano Novo, fazia um
discurso emocional (que fazia com rara competência e botava todo o mundo pra
chorar) sobre a necessidade de manter-se a unidade da família, mesmo após o seu
desaparecimento.
Conseguia
manter sua indignação contra os deslizes da sociedade, preservando um bom humor
incrível. Um belo dia, à noite, sem saber que Arcoverde estava totalmente às
escuras, telefonei pra sua casa e foi ele próprio que atendeu – claro que foi
quem teve mais facilidade para se deslocar até o telefone !. A minha primeira
fala, foi perguntar:
“Ôi
pai, está tudo bem por aí? ”
que ele
respondeu de pronto:
“PRA MIM ESTÁ, MEU FILHO. O PESSOAL AQUI É QUE ESTÁ RECLAMANDO DA
ESCURIDÃO. SÓ QUEM ESTÁ NO CLARO SOU EU !”
e caiu na gargalhada. Vejam que coisa
fantástica: um cara naquela idade usando a cegueira para pilheriar dos outros.
Só Zébatatinha!...
Perfeito, tio!!! E lógico, que dessa vez, é o senhor quem nos faz chorar, lembrando com tanta perfeição do nosso querido vovô Batatinha!!! Falo nos faz, porque no nosso grupo, só se posta "carinha" chorando, desde que o link está disponível!!!
ResponderExcluirQue bom, que o amor e a união permanecem!!!
Com carinho, Nica