Não gosto de ficar falando de coisas de antigamente, como se
tudo fosse excelente e antítese da modernidade que sobreveio. Não é bem assim.
Parece inconformação com a velhice; saudade do que se perdeu; carência do que
não se pode mais; lamentação pelo que se tornou impossível! Mas, ainda vale
muito a evocação das coisas boas que se perderam diante do avanço da tecnologia.
Quantos ainda lembram o tempo em que não existia geladeiras,
freezers, câmaras frigoríficas, produtos químicos conservantes exceto o sal e
não tínhamos, sequer, o fornecimento de energia regular o que somente
aconteceu aqui no Nordeste com o advento
de Paulo Afonso. Mas o povo detinha, com extrema perfeição, a TECNOLOGIA
DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS. Além da falta de energia elétrica, ainda
não chegara a nós o gás engarrafado, que os contemporâneos não são capazes de
imaginar o avanço e a comodidade que o gás proporcionou às donas de casa.
Pensem que as únicas fontes disponíveis eram o carvão e a
lenha e façam ideia do sacrifício de fazer o fogo bem cedinho para preparar o
café da manhã. As pessoas choravam com a fumaça desprendida pela lenha molhada
pelas madrugadas frias de Garanhuns e recorriam, até, ao querosene e bolas de
papel para conseguir atear o fogo. Lembro muito que minha mãe, logo de véspera,
preparava umas lasquinhas de lenha e gravetos e as colocava no forno do fogão
para obtê-las bem sequinhas e conseguir “fazer o fogo” na manhã seguinte.
Os mais antigos e “intermediários” devem lembrar que em todas
as casas, em cima do fogão, existia sempre um fio de arame atravessado em que
se colocavam carnes, linguiças caseiras, toucinho, tranças de alho e cebola
para receberem uma defumação natural desprendida do fogo.
Toda vez que vou ao mercado, atualmente, me divirto muito quando
vejo e compro defumados com preço acrescido pela incorporação do processo
“tecnológico” e lembro, sempre com saudade, das preparações que se faziam em
nossa casa.
Da mesma forma o preparo dos doces e das conservas de legumes
(picles) que eram produzidas em casa. Aproveitava-se a época das safras
respectivas para a compra de produtos em caixas e em centos (compra em grosso)
a preço bem baratinho de tomate, goiaba, banana (ah! as compotas de rodelinhas),
araçá (ah! as geleias de araçá de D. Dulce), figo (ah! as compotas de figo de
D. Carminha disputadas por toda família), couve-flor, cenoura, chuchu,
cebolinha, etc. Arrecadava-se de imediato o indispensável tacho de cobre, uma
grande colher de pau para mexer e as vasilhas para armazenagem.
Entrava em cena a fabricação caseira e, para guardar os doces
e picles maravilhosos, um grande número de enormes botijões de vidro com tampa
e vedação de uma arruela de borracha que era pressionada por uma mola
articulada na boca dos botijões. Depois de esterilizados e enchidos com os
acepipes, os botijões eram submetidos a um banho-maria que garantia a sua
conservação por um longo tempo. Adiante-se que comprar doces em mercearias era
indício de ausência de família ou de família imprevidente.
Imaginaram, agora, a razão porque a maioria das casas tinham
dispensa para estocagem dos produtos conservados?
Simultaneamente, algumas rudimentares tecnologias foram
abandonadas, não porque não funcionassem a contento, muito pelo contrário eram
de grande eficiência, mas pela inação, comodidade e sobretudo pelo vezo
inconsciente de transferir tudo para o Poder Público, como se fosse o Grande
Pai Branco.
Gerações e mais gerações do semi-árido assistem e foram
criadas sob a inclemência das terríveis secas, como se fossem eventuais e não
uma inconstante inclemência do tempo. Não entendo e me revolta, quando vejo
notícias de estudos, seminários, congressos, debates, e programas sobre os
modos de convivência com a seca, como se fosse um problema novo e nunca
discutido.
Quando não existiam caminhões-pipa até para abastecer cidades
inteiras, como ocorre hoje a encargo do Exército e das empresas de abastecimento
no Nordeste inteiro, nem financiamento e
doações de cisternas na zona rural, as casas urbanas que se prezavam e eram a
grande maioria delas, tinham CISTERNAS E CALHAS PARA COLETA DE ÁGUA DA
CHUVA que garantiam sobretudo água para beber, uma vez que a água da
chuva é pura e só exige limpeza periódica dos telhados e dos reservatórios.
Hoje a população prefere a água de botijões que
transformou-se em grande negócio e, em cidades de porte médio com carência de
abastecimento, usam até para tomar banho. A água distribuída nas cidades, que
em todos os países desenvolvidos do mundo é utilizada com qualidade para beber,
em nossas cidades é usada para lavar calçada e pisos.
Numa cidade do porte do Recife, por exemplo, com elevados
índices de pluviosidade, por que se permite que toda água de chuva seja
desperdiçada e remetida diretamente para os dutos que terminam despejando-as
nos rios ou diretamente no mar ?
Por que não existe uma legislação que obrigue os prédios/casas/construções
com panos de telhado significativos a fazerem a coleta das águas pluviais e
recolhê-las em cisternas, para economizar a água da distribuidora ?
Lembrança boa das casas com QUINTAIS QUE NÃO EXISTEM MAIS,
em que não faltavam:
A) os galinheiros que garantiam as gordas e valorizadas galinhas
e seus ovos, hoje chamadas “de capoeira” e disputadas a preço de ouro no
mercado, sem falar que garantiam os famosos “pirão de parida” dieta infalível
às gestantes em rigoroso resguardo;
B) por efeito colateral dos galinheiros, as tomates redondas,
vermelhas e pequeninhas que hoje são chamadas de tomate-cereja e vendidas nos
supermercados a preços extorsivos e consumidas pelos mais famosos mestres da
culinária do mundo inteiro;
C) as latadas de chuchu, limão, maracujá (garantia o consumo de
sucos) e que só eram colhidos na hora do preparo;
D) uma touceirinha de cidreira e capim santo para garantir o
tratamento de febre e resfriados, dispensando remédios de farmácia;
E) aqui e
ali, dependendo do espaço do quintal, um pezinho de laranja, ou de manga, ou de
abacate, ou de jabuticaba (ah! meu Deus, estão desaparecendo) e eventualmente
E) uma casinha de pombos.
Juro que não é COISA DE VELHO, mas evocação e saudade.
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