Ouvimos essa
história do meu pai, acerca de um louco maravilhoso que existia na sua infância
em Garanhuns. No início do século XX, essa figura subia a Serra do Magano todas
as sextas-feiras à noite (véspera da feira), carregando um enorme balaio
daqueles muito usados na época em que se vendia pão e se entregava de porta em
porta. Como o pão é muito leve e volumoso, exigia-se um balaio de dimensões
enormes para conter o volume de pão necessário ao atendimento e distribuição a
domicílio. O inusitado é que com um desses balaios, MANOEL DAS ESTRELAS (assim era chamado) subia a Serra e passava a
noite inteira COLHENDO ESTRELAS até encher o balaio, segundo dizia. Quando
amanhecia o sábado, dia da feira, descia a serra com o balaio na cabeça CHEIO
DE ESTRELAS e ia vendê-las à sua costumeira freguesia que, acumpliciando-se ao
seu sonho lindo, comprava toda sua colheita e garantia a sustentação do seu
delírio poético, ingênuo e garanto: feliz.
Vejam como,
mais de cem anos depois, observamos o lá distante comportamento de uma sociedade
simples, despojada das sofisticadas novidades tecnológicas; com conversas na
calçada ao invés dos rádios e televisões; saudáveis saraus nas residências com
apresentação dos músicos, cantores, poetas e declamadores em notável apuro de suas qualidades
artísticas; do convívio de famílias que
se apresentavam em visitas protocolares quando chegavam à uma rua para residir
e, do mesmo modo, visitas formais de despedida quando se mudavam; a quase
obrigatória liturgia de pedir na casa vizinha uma xícara de açúcar ou uma
colher de pó de café emprestados para atender uma falta ocasional; como uma vez
me ensinou meu querido amigo e vizinho Estevão, já falecido: “vizinho que não incomoda não é vizinho!”;
dos papos habituais mantidos nas lojas de então por grupos de amigos, sem
contar com os jogos de gamão de Minervino, na entrada de sua loja “Veneza Americana”;
o ritual cumprido à exaustão pela figura habitual de D. Nazinha percorrendo o
dia inteiro a loja de Ferreira Costa, como hoje faz Ciro na loja da Imbiribeira
(fiquei um dia de parte observando e lembrando os antigos tempos da loja
secular); o sucesso de um rádio à bateria, no início da década de 40, instalado
por Seu Matos (Arcelino Matos), na entrada de sua loja “A Atractiva” para divulgação
ansiosa das notícias da guerra então em curso; as improvisações engenhosas dos
nosso grêmios teatrais amadores; as tradicionais festas promovidas pelos três
colégios, revelando valores artísticos; enfim, todos se conhecendo e se
tratando pelos pré-nomes e até pelos apelidos.
Na sua
singeleza e simplicidade, era uma sociedade suficientemente romântica capaz de
sustentar sonhos coletivos e alimentar os delírios de um louco maravilhoso que
almejava, e conseguia, colher e vender estrelas em nossa amada Garanhuns.
Lindo Ivan Rodrigues....precisamos colher estrelas , sempre !
ResponderExcluirBela história e narrativa! Parabéns.
ResponderExcluirCom a bela história de Manoel das Estrelas Dr. Ivan Rodrigues mostra o quanto a vida pode ser gostosa de viver a partir das coisas mais singelas.
ResponderExcluirCaro Ivan, Impressionou-me, em sua belíssima narrativa, como um “maluco” tem tanto a nos ensinar. Precisamos colher estrelas, sempre, para tornar a vida mais leve.
ResponderExcluirHistórias dignas de um belo livro! Parabéns!
ResponderExcluirQue história triste mas linda...
ResponderExcluirIvan Rodrigues, ou, simplesmente - Ivanzinho (Não apenas pelo tamanho, mas, sobretudo, pela grandeza da cordialidade em pessoa que carrega vida a fora), meu agora vizinho de sala no Centro de Convenções, aqui, em Olinda,
ResponderExcluirPoesia pura!, sua crônica.
Que Maravilha!
Garanhuns acaba de ganhar mais um grande cronista, já conhecido como excelente contador de histórias nas boas conversas, pelas pessoas que tem o prazer de conhecê-lo, e ouvi-lo, ao longo de sua atividade na política pernambucana.
A sua pena vem se juntar a outros nomes de Garanhuns, como Luiz Jardim, Ronildo Maia Leite, Jodeval Duarte...
A loucura poética de Manoel das Estrelas ilumina, até, hoje, as noites/madrugadas de Garanhuns.
Talvez, por isso, eu prefira, sempre que vou a Garanhuns, chegar à Cidade das Sete Colinas à noite, sem nem desconfiar que o seu céu noturno ainda é iluminado por aquelas mesmas estrelas cultivadas por Manoel das Estrelas no século passado. Foi Manoel das Estrelas quem ajudou a deixar tão bonitas as noites e madrugadas de Garanhuns.
Parabéns pelo seu Blog!
Ruy Sarinho/Olinda