quinta-feira, 2 de abril de 2015

TIO ALÍSIO


Nosso tio Alísio era irmão de minha mãe Carminha, mas – na verdade – nosso irmão, uma vez que ficou órfão aos 8 anos de idade, e foi criado por minha mãe. Para que tenham ideia, quando tio Alísio ficou viúvo com a morte de tia Carmem, mamãe, uma semana depois e com “aquela sutileza” que lhe era característica, desmanchou sua casa e o carregou para lhe fazer companhia e ao velho Zebatatinha já cego. Anunciou para a família:

“Meu filho, adotei um garotinho de 70 anos.

Respondi-lhe na bucha:

“Ora, mamãe, quem não sabia que a senhora ia fazer isso. Até as pedras do calçamento de Arcoverde já desconfiavam”.

O inusitado é que tio Alísio morreu antes deles e no dia do seu enterro, papai lamentava:

Veja meu filho, Alísio vem pra aqui cuidar da gente e, de repente, nós é que o estamos enterrando.”

AS MÚSICAS DE TIO ALISIO

Mas não vamos tergiversar e o importante é que tio Alísio era uma “figuraça”! Homem simples e de pouca instrução formal, mas inteligente, de espírito moleque (muito parecido com o pai, nosso avô Ernesto Dourado a despeito de sua aparente sisudez) e boêmio por natureza. Quando a gente se juntava, era uma farra dos diabos e prevalecia sempre o seu espírito moleque que era e é característica da família.

O sonho de tio Alísio era aprender a tocar violão e lutou a vida inteira por essa ambição. O máximo que conseguiu foi acompanhar-se em duas músicas da época que nunca descobrimos qualquer referência de autoria e nem ele mesmo sabia.

Uma delas, de caráter jocoso, que ele repetia exaustivamente como se fossem novas versões musicais afirmando, a cada repetição, que era primeira, segunda, terceira... e nova parte da música, até conseguirmos ser atendidos para parar a extravagante e enfadonha musiquinha. O seu refrão era inconfundível:

“Indo um dia passear. Vi uma sombra na janela. Pensei que era minha namorada. Era umaaaa gata amarela...Eu era bem moço e bem apanhado, cangote grosso e bem impinado!”.

A outra música, linda por sinal, muito romântica e no estilo das “valsinhas dalilas” da época, que nunca conseguimos encontrar em qualquer arquivo musical. Lembro alguns trechos:

“Saudade dos tempos passados
Daqueles em que eu fui amado
Saudade, quem é que não tem
Só mesmo alguém que não quis bem”

A letra, que não era excepcional, continha um verso maravilhoso que falando dos desencontros do amor dizia:

“Se o lar for infeliz então teremos SAUDADE DAS SAUDADES QUE TIVEMOS.

Desnecessário salientar, pois é fácil adivinhar, que essa música tornou-se a bandeira e o hino das reuniões boêmias de nossa família.

Quanto a boemia, criou-se na época em Arcoverde uma trinca insuperável: tio Alísio, Audo (irmão de meu cunhado Aureo) e Nobinho (Arnóbio Pinto Filho, ainda solteiro, nosso grande amigo de infância em Garanhuns e, até hoje para alegria dos amigos, vivíssimo em Recife), inseparáveis nas constantes comemorações já que nunca faltavam motivos.

O curioso é que Nobinho representava e era vendedor, na região, de uma aguardente muito famosa na época, chamada “Chica Boa”. Era como raposa vigia de galinheiro e macaco vendendo banana. Farras homéricas para desespero das mulheres dos casados e deboche do liberado solteiro que não perdia ocasião para provocar tia Carmem e Zilma.

Existia até um sócio temporário do grupo: João Cavalcanti, gerente da Sodeco (firma distribuidora da cachaça Chica Boa) e, por consequência – imaginem - chefe de Nobinho e que, vez em quando, conseguia escapar da vigilância da sua esposa D. Mariazinha e se incorporava ao grupo.
 
Numa dessas escapadas, João Cavalcanti esqueceu da hora e chegou em casa já amanhecendo o dia.

Não teve dúvidas e pé ante pé, sorrateiramente, começou a tirar a roupa em absoluto silêncio para não acordar a vigilante cara-metade. Quando sentado numa cadeira, cuidava de tirar os sapatos com todo cuidado, foi surpreendido por D. Mariazinha que o interpelou:

Joãoooo..... que horas são essas ?

E João, sem pestanejar respondeu:

Levanta Mariazinha, que já está na hora da missa!

E de forma pressurosa, começou a calçar os sapatos de volta para recompor sua indumentária. Não sei até hoje se conseguiu convencer a mulher e se foram à missa!

 

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