Era exigência ir para Recife -
difícil entender nos dias de hoje com a expansão do ensino superior - pelo
simples fato de não existirem no interior os cursos do SEGUNDO grau, mesmo em
Garanhuns, talvez o maior centro educacional do interior do Nordeste já naquela
época, mediante a consolidação e pujança das três centenárias escolas:
Diocesano, Santa Sofia e Quinze de Novembro.
Matriculei-me no importante
Colégio Osvaldo Cruz, dirigido pelo digno Prof. Aluísio Araujo – uma das pessoas decentes que serviram para
a minha formação – cujo centenário de nascimento foi à pouco tempo comemorado
com a edição de um livro em que constam os nomes de Ivan e Ivaldo Rodrigues como
ex-alunos, com muito orgulho para nós.
Todos seus professores eram
também universitários e sempre divulgo com honra ter sido aluno de Newton Maia,
Moacir Albuquerque, José Lourenço de Lima, Amaro Quintas, Marcionilo Lins,
Aníbal Fernandes, Lucilo Varejão, Waldemar de Oliveira, Andrade Lima Filho, os
irmãos Hilton e Hoel Sette. Querem mais ? Registro com alegria que fui
contemporâneo, no Colégio, de Ariano Suassuna, Ricardo Ferreira de Carvalho,
Ricardito Brennand, Paulo Loureiro e muito outros que enobrecem com sua
inteligência, vivos ou mortos, o panorama nacional e internacional. Tenho ainda
comigo uma foto tirada em 12 de dezembro de 1945, com a turma e alguns
professores, no encerramento do segundo grau do Colégio.
Foram tempos difíceis, de
1943/1945, com os horrores da segunda guerra mundial que abalou a vida, os
costumes e a cultura do mundo inteiro, incluindo o Brasil. Naquele tempo, a
informação resumia-se ao rádio e aos jornais no cinema (pela própria natureza
sempre atrasados). Não existiam ferrovias e/ou rodovias que permitissem
transporte para o Sul, pelo que, afora a incipiente aviação com suas
tecnologias voltadas para a produção guerreira, todo o transporte de pessoas e
mercadorias para o Sul e vice-versa, dependia da via marítima.
Nossa região produzia poucos
manufaturados e precisava, por conseguinte, desse transporte para abastecimento
regular de suas demandas. Desde o combustível até os cigarros Souza Cruz que
não eram ainda fabricados no Recife. Ficou quase tudo submetido ao
racionamento, a partir do momento em que os submarinos alemães começaram a
afundar os navios brasileiros e o movimento dos navios passou a depender da
formação de comboios protegidos por navios e guerra que, pela dificuldade que
custava, só transportavam gêneros e materiais necessários ao esforço de guerra.
Gasolina fornecida somente em ínfima
quantidade e somente atendida mediante os tíquetes de combustível. Como
inevitável, surge o contrabando e uma inventiva pioneira da população! Com a
minha posterior experiência no ramo automobilista (trabalhei um bocado de tempo
na Mercedes Benz) sempre me diverti muito anos depois da guerra, com a grande
novidade dos combustíveis alternativos como o etanol (nome inventado para o
álcool como novidade para iludir os inocentes consumidores) e os motores
atualmente designados de “flex”. Essa tecnologia foi criada pelos brasileiros
durante a dificuldade dos tempos de guerra.
Lembro que em uma viagem, nesse
tempo, em que voltava de Recife para Garanhuns, num velho jipe e ameaçado pela
falta de gasolina e a inexistência de álcool nos postos, não tive dúvidas: na
passagem pela cidade de Gravatá simplesmente parei numa farmácia e comprei
alguns litros de álcool, despejei no tanque e garanti minha viagem...
Chegou a faltar comida e, se nas
casas de família havia dificuldade, imaginem nas pensões. Para que tenham
ideia, passei muitos anos sem poder avistar o que chamam de “macarronada a
cavalo”, ou seja, com um ovo estrelado em banha coroando uma macarronada sem
outro adereço. Experimentem essa dieta por algum tempo e verifiquem se minha
intolerância tinha ou não razão.
Grande novidade e transformações culturais
resultaram da instalação de uma base militar americana no Recife, como
trampolim para o deslocamento de tropas, víveres e armamentos para as forças
aliadas que se acumulavam em outras bases na África para a invasão da Europa.
Com toda urgência, algumas novidades: ampliação
e criação de novas instalações militares no aeroporto; asfaltamento de uma
faixa de rolamento da Avenida Boa Viagem da praça até os limites de um hospital
de emergência da Base Americana, hoje Hospital da Aeronáutica.
Milhares de “marines” transitando
ou instalados aqui, consumindo e gastando os seus dólares em todos setores de
atividade notadamente em serviços, em que se inclue o esplendor da bairro do Recife – hoje chamado
Recife Velho - abrigando o baixo
meretrício (existe o alto ?). O movimento era intenso e toda noite era como dia
de festa. Era comum escutar o fraseado dos aprendizes de intérpretes ( alô boy,
veri uel, êi mister, iumen sir ? ) logo formados para cicerones e, com isso,
garantir o que hoje denomina-se “geração de emprego e formação de renda”. As
buates proliferaram e a concorrência tanto quanto a afluência, eram enormes! As
noites no bairro do Recife eram como uma festa de Natal diária!
Mas, outra grande novidade surgiu.
Ali na esquina da Av. Guararapes com a Rua do Sol, que hoje sedia os Correios, os americanos construíram
uma daquelas instalações de emergência, igual ao hospital, utilizadas em função
da urgência que se fazia necessária diante das exigências da guerra. Em atitude
inteligente para levantar a moral de suas tropas no exterior, os americanos
instalaram nessa construção o chamado “USOSHOW” destinado à diversão dos seus
militares, para o que traziam constantemente os grandes artistas e orquestras americanas
da época. Despertava uma ciumada danada nos rapazes brasileiros a quem não era
permitido frequentar, privilégio somente reservado às trêfegas mocinhas
brasileiras que ficavam alvoroçadas com a participação e deslumbramento nos
frequentes eventos.
À nós brasileiros, restava apenas
o direito de sentar ali no cais – lembrem que nessa época não existia a Ponte
Duarte Coelho – e ficar até tarde escutando o som maravilhoso das célebres
“bands”. Pra matar todos de inveja, tive assim o encanto e o privilégio de
ouvir, ao vivo, a apresentação de algumas delas, mundialmente famosas, como
Tommy Dorsey (escutem no You Tube os seus solos de trombone em “I’m Getting
Sentimental Over You” e “Smoke Gets In Your Eyes”), Benny Goodman num solo de
clarineta em “Moonglow”, e um menos conhecido Harry James em duas primorosas
apresentações (vejam a interpretação de “Jealousie” num arranjo que mescla o
ritmo original de tango com o blue e o mais fantástico solo de trompete que já
ouvi, num clássico composto para violinos de difícil execução, “Hora Stacatto”).
Atenção Lúcia Lessa, quero sua opinião depois!
Para nosso pesar, Glenn Miller
desapareceu num vôo entre a Inglaterra e a França e nunca apareceu por aqui
para nos deleitar ao vivo com a sua fantástica interpretação de “Moonlight
Serenade”, e o som maravilhoso que
obteve com a clássica harmonia de quatro saxofones e uma clarineta ainda hoje
imitada no mundo inteiro.
O comentário está ficando muito
extenso, a memória está acelerada e logo voltarei ao assunto em outras
postagens.
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