terça-feira, 5 de janeiro de 2016

SAUDOSOS SABORES DA INFÂNCIA



Quem não lembra, vez em quando, de algumas gostosuras saboreadas na infância, estalando a língua,  enchendo a boca d’água e sentindo até o cheirinho recordado. Em todas as reuniões que agreguem “pessoas de idade” (qual a razão dessa expressão que nunca entendi ?) é quase certo que se fale em alguma comidinha nunca mais degustada. Chego a ter pena das crianças de hoje em dia que não experimentaram e sei que nunca a experimentarão, como nós tivemos chance de desfrutar.

O pior é que, cada vez que conseguimos resgatar algumas dessas saudosas lembranças gustativas, vem a decepção de perceber que não têm mais o gosto de antigamente. Como dizem hoje em dia de forma pedante, imagino que seria necessário “contextualizar” para resgatar o mesmo sabor! Mesmo assim, vale a pena recordar alguns desses sabores maravilhosos que encantaram a nossa meninice!

Tenho uma saudade muito grande de duas pequenas frutas, nativas e abundantes nos tabuleiros do entorno de Garanhuns e recolher as frutinhas era a grande distração da meninada nos tempos da safra. Ali no tabuleiro do Quilombo, onde hoje é o bairro da Brasília tinha demais e, durante a safra, a farra era grande. Eram arbustos de pequeno porte, o que facilitava demais a sua colheita e a gente enchia sacolas delas. Uma delas o PIRIM, do mesmo formato e menor do que o araçá, do tamanho de uma ervilha, que a gente juntava um punhado na mão e jogava na boca. Docinha e de ótimo paladar, era também vendida nas feiras em sacos e a medida era um potinho. Foi totalmente erradicada, desde muitos anos e nunca mais se teve notícias da frutinha que só deixou a saudade. Desapareceu para nossa tristeza!

Outra, o CAJUÍ, um pequeno caju em miniatura com castanha pequenina parecendo uma miniatura japonesa. Também desapareceu a muitos anos dos tabuleiros e passamos todo esse tempo sem avistar uma fruta sequer e é natural que bem poucos ainda se lembrem. Quando também dava como perdida, o meu Compadre Tonho descobriu não sei aonde e trouxe, pressuroso, alguns exemplares do Cajuí que tive o maior cuidado em recolher as castanhas e tentar germiná-las. Deu uma trabalheira danada e consegui fazer alguns pés que, transplantadas no meu quintal em Garanhuns e no terreno da praia no Xaréu, não vingaram, à exceção de um que resistiu heroicamente no quintal da casa de meu filho, Pedro Leonardo, no Poço da Panela e começou a safrejar de uns poucos anos para cá. Está lá, bonito e vigoroso, produzindo bastante e com uma impressionante uniformidade de frutos sadios. Tive a lembrança de fotografar para documentação, vejam o tamanho dos cajuís e que coisa mais linda a ilustração dessa postagem. Para quem se lembra, matem a saudade apenas com a visão, porque infelizmente não tem quantidade bastante para todo mundo matar a saudade do sabor !

Vale recordar, por exemplo, dos BOLINHOS DE FEIJÃO que, na mesa do almoço, a matriarca preparava, machucando carinhosamente na mão o feijão caseiro já cozido com toucinho, charque, alguns legumes e tempero verde, acrescido de farinha e distribuído às crianças pressurosas, de mão em mão, e a disputa era sempre acirrada. Que delícia e, reconheçamos, que alimento saudável e bem diverso dos famigerados “hamburguers” da vida...

A retirada das crianças da cama logo cedinho para, apanhando o seu copo já com uma medida de chocolate no fundo, irem em bando ao curral diretamente colher o LEITE NO PEITO DA VACA. O jato forte de leite no copo provocava a formação de farta espuma que, ao ser bebido, deixava uma marca (bigode) inconfundível em torno da boca de cada um e era sempre motivo de brincadeira. Leite puro, nutritivo e saboroso, diferente dos leites modificados oriundos de uma mistificada cultura de consumo de supérfluos, a pretexto de dietéticos. Ninguém lembra mais que até hoje nunca se inventou, nem a natureza criou, alimento mais completo do que o leite. A coisa é tão absurda que ousam até substituir o leite materno...

Lamento quem não teve a satisfação de CHUPAR JABUTICABAS, colhendo diretamente na jabuticabeira. Os troncos inteiramente cobertos pelos frutos das variedades "cabrita" ou "cabeluda", que se amontoam como um enxame de abelhas, e sempre doces que nem mel. Era só encostar-se no pé, colhendo e chupando sem parar até empanturrar. A razão da diferença de doçura da jabuticaba colhida e chupada na hora é que a fruta tem uma fermentação muito alta; tão logo colhida começa a fermentar e reduz o nível de doçura. Chupar no pé da jabuticaba faz diferença! O problema sério é que engolindo muito caroço, com o seu alto teor de tanino, corria-se o risco de constipação intestinal (entupimento!) e aí era um Deus nos acuda para desobstruir.

Não sei exatamente o seu nome, mas chamávamos de FUBA DOCE de milho que, nos tempos de menino, minha mãe fazia torrando milho seco, moía no pilão e adicionava açúcar, transformando a mistura numa espécie de farinha bem fina e adoçada. Usávamos como lanche ou sobremesa e servia como pagode da meninada para, falando, soprar a fuba na cara dos outros. Era uma delícia e ainda servia como instrumento de molecagem.

Quando íamos à alguma fazenda que tivesse fábrica de queijos, uma das maravilhas era a RASPA DE QUEIJO dos tachos que, depois de escorrido para as formas, o resto que ficava aderido às paredes do tacho era adicionado e raspado com farinha ou, raramente, com açúcar resultando numa mistura muito gostosa e servia-se ainda bem quentinha. A expectativa do fim do cozimento do queijo para retirar a raspa de queijo era ansiosa e o lanche maravilhoso. Verdadeiro acepipe!

E quem recorda a COALHADA ESCORRIDA ? Nas fabriquetas de queijo existentes nas fazendas, punha-se para talhar uma boa quantidade de leite puro e quando talhado era levado ao fogo por pouco tempo, para facilitar a separação do soro. Era colocado numa mochila e deixava-se pendurada para escorrer todo o soro até ficar somente a massa bem enxuta, sequinha e escorrida. Por isso, a denominação de “Coalhada Escorrida”. Depois disso adicionava-se uma boa quantidade de creme de leite fresco e rapadura bem raladinha para adoçar. Que delícia e que sobremesa de reis!

De alguns tempos para cá, virou moda em Pernambuco, com muito sucesso e razoável exploração comercial, a tapioca de goma de mandioca. Com extenso cardápio de recheios dos mais variados sabores, a exemplo do acarajé na Bahia, impõe-se como modelo da cultura culinária de Pernambuco, disseminado em todas as feirinhas populares das cidades notadamente como padrão no Alto da Sé em Olinda e nos restaurantes dos mais sofisticados hotéis das cidades e até constituindo um pequeno e exclusivo arruado de tapiocarias à margem da BR-232, após o distrito de Bonanza, em frente ao Engenho Itamatámirim de Ney Maranhão. Até a Presidenta fez o famoso elogio da Mandioca... Mas ninguém conseguiu matar a nossa saudade das TAPIOCAS E BEIJÚS ENSOPADOS no leite e envolvidas em palhas de bananeira que, tradicionalmente, eram feitas pelas negras do Castaínho vendidas nas feiras de Garanhuns e adotadas pelas casas de família nos seus cardápios domésticos. A diferença é que o único recheio usado era a flor do côco fresquinho e ralado na hora. Que alimento maravilhoso!


Pra não ficar enfadonho, deixo esta lista por aqui e depois voltaremos com a ajuda de todos os companheiros, para recordar outros sabores nunca esquecidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é construtivo.