Quem não lembra, vez em quando, de algumas gostosuras saboreadas na
infância, estalando a língua, enchendo a
boca d’água e sentindo até o cheirinho recordado. Em todas as reuniões que
agreguem “pessoas de idade” (qual a razão dessa expressão que nunca entendi ?)
é quase certo que se fale em alguma comidinha nunca mais degustada. Chego a ter
pena das crianças de hoje em dia que não experimentaram e sei que nunca a experimentarão,
como nós tivemos chance de desfrutar.
O pior é que, cada vez que conseguimos resgatar algumas
dessas saudosas lembranças gustativas, vem a decepção de perceber que não têm
mais o gosto de antigamente. Como dizem hoje em dia de forma pedante, imagino
que seria necessário “contextualizar” para resgatar o mesmo sabor! Mesmo assim,
vale a pena recordar alguns desses sabores maravilhosos que encantaram a nossa
meninice!
Tenho uma saudade muito grande de duas pequenas frutas,
nativas e abundantes nos tabuleiros do entorno de Garanhuns e recolher as frutinhas
era a grande distração da meninada nos tempos da safra. Ali no tabuleiro do
Quilombo, onde hoje é o bairro da Brasília tinha demais e, durante a safra, a
farra era grande. Eram arbustos de pequeno porte, o que facilitava demais a sua
colheita e a gente enchia sacolas delas. Uma delas o PIRIM, do mesmo formato e
menor do que o araçá, do tamanho de uma ervilha, que a gente juntava um punhado
na mão e jogava na boca. Docinha e de ótimo paladar, era também vendida nas
feiras em sacos e a medida era um potinho. Foi totalmente erradicada, desde
muitos anos e nunca mais se teve notícias da frutinha que só deixou a saudade.
Desapareceu para nossa tristeza!
Outra, o CAJUÍ, um pequeno caju em miniatura
com castanha pequenina parecendo uma miniatura japonesa. Também desapareceu a
muitos anos dos tabuleiros e passamos todo esse tempo sem avistar uma fruta
sequer e é natural que bem poucos ainda se lembrem. Quando também dava como perdida, o
meu Compadre Tonho descobriu não sei aonde e trouxe, pressuroso, alguns exemplares
do Cajuí que tive o maior cuidado em recolher as castanhas e tentar
germiná-las. Deu uma trabalheira danada e consegui fazer alguns pés que,
transplantadas no meu quintal em Garanhuns e no terreno da praia no Xaréu, não
vingaram, à exceção de um que resistiu heroicamente no quintal da casa de meu
filho, Pedro Leonardo, no Poço da Panela e começou a safrejar de uns poucos
anos para cá. Está lá, bonito e vigoroso, produzindo bastante e com uma
impressionante uniformidade de frutos sadios. Tive a lembrança de fotografar para
documentação, vejam o tamanho dos cajuís e que coisa mais linda a ilustração dessa postagem. Para
quem se lembra, matem a saudade apenas com a visão, porque infelizmente não tem
quantidade bastante para todo mundo matar a saudade do sabor !
Vale recordar, por exemplo, dos BOLINHOS DE FEIJÃO que,
na mesa do almoço, a matriarca preparava, machucando carinhosamente na mão o
feijão caseiro já cozido com toucinho, charque, alguns legumes e tempero verde,
acrescido de farinha e distribuído às crianças pressurosas, de mão em mão, e a
disputa era sempre acirrada. Que delícia e, reconheçamos, que alimento saudável
e bem diverso dos famigerados “hamburguers” da vida...
A retirada das crianças da cama logo cedinho para, apanhando
o seu copo já com uma medida de chocolate no fundo, irem em bando ao curral
diretamente colher o LEITE NO PEITO DA VACA. O jato forte
de leite no copo provocava a formação de farta espuma que, ao ser bebido,
deixava uma marca (bigode) inconfundível em torno da boca de cada um e era
sempre motivo de brincadeira. Leite puro, nutritivo e saboroso, diferente dos
leites modificados oriundos de uma mistificada cultura de consumo de
supérfluos, a pretexto de dietéticos. Ninguém lembra mais que até hoje nunca se
inventou, nem a natureza criou, alimento mais completo do que o leite. A coisa
é tão absurda que ousam até substituir o leite materno...
Lamento quem não teve a satisfação de CHUPAR JABUTICABAS,
colhendo diretamente na jabuticabeira. Os troncos inteiramente cobertos pelos
frutos das variedades "cabrita" ou "cabeluda", que se amontoam como um enxame de abelhas, e sempre doces que nem mel. Era só encostar-se no pé, colhendo e chupando sem parar até empanturrar. A razão
da diferença de doçura da jabuticaba colhida e chupada na hora é que a fruta
tem uma fermentação muito alta; tão logo colhida começa a fermentar e reduz o
nível de doçura. Chupar no pé da jabuticaba faz diferença! O problema sério é
que engolindo muito caroço, com o seu alto teor de tanino, corria-se o risco de constipação
intestinal (entupimento!) e aí era um Deus nos acuda para desobstruir.
Não sei exatamente o seu nome, mas chamávamos de FUBA
DOCE de milho que, nos tempos de menino, minha mãe fazia torrando milho
seco, moía no pilão e adicionava açúcar, transformando a mistura numa espécie
de farinha bem fina e adoçada. Usávamos como lanche ou sobremesa e servia como
pagode da meninada para, falando, soprar a fuba na cara dos outros. Era uma
delícia e ainda servia como instrumento de molecagem.
Quando íamos à alguma fazenda que tivesse fábrica de queijos,
uma das maravilhas era a RASPA DE QUEIJO dos tachos que,
depois de escorrido para as formas, o resto que ficava aderido às paredes do
tacho era adicionado e raspado com farinha ou, raramente, com açúcar resultando
numa mistura muito gostosa e servia-se ainda bem quentinha. A expectativa do
fim do cozimento do queijo para retirar a raspa de queijo era ansiosa e o
lanche maravilhoso. Verdadeiro acepipe!
E quem recorda a COALHADA ESCORRIDA ? Nas fabriquetas
de queijo existentes nas fazendas, punha-se para talhar uma boa quantidade de
leite puro e quando talhado era levado ao fogo por pouco tempo, para facilitar
a separação do soro. Era colocado numa mochila e deixava-se pendurada para
escorrer todo o soro até ficar somente a massa bem enxuta, sequinha e
escorrida. Por isso, a denominação de “Coalhada Escorrida”. Depois disso
adicionava-se uma boa quantidade de creme de leite fresco e rapadura bem
raladinha para adoçar. Que delícia e que sobremesa de reis!
De alguns tempos para cá, virou moda em Pernambuco, com muito
sucesso e razoável exploração comercial, a tapioca de goma de mandioca. Com extenso cardápio de
recheios dos mais variados sabores, a exemplo do acarajé na Bahia, impõe-se
como modelo da cultura culinária de Pernambuco, disseminado em todas as
feirinhas populares das cidades notadamente como padrão no Alto da Sé em Olinda
e nos restaurantes dos mais sofisticados hotéis das cidades e até constituindo
um pequeno e exclusivo arruado de tapiocarias à margem da BR-232, após o
distrito de Bonanza, em frente ao Engenho Itamatámirim de Ney Maranhão. Até a
Presidenta fez o famoso elogio da Mandioca... Mas ninguém conseguiu matar a
nossa saudade das TAPIOCAS E BEIJÚS ENSOPADOS no leite e envolvidas em palhas de
bananeira que, tradicionalmente, eram feitas pelas negras do Castaínho vendidas nas feiras de Garanhuns e adotadas pelas casas de família nos seus
cardápios domésticos. A diferença é que o único recheio usado era a flor do
côco fresquinho e ralado na hora. Que alimento maravilhoso!
Pra não ficar enfadonho, deixo esta lista por aqui e depois
voltaremos com a ajuda de todos os companheiros, para recordar outros sabores
nunca esquecidos.
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