sábado, 28 de março de 2015

EVOCAÇÕES DE ARCOVERDE

Guardo muitas recordações de Arcoverde que marcaram a minha meninice, minhas primeiras aventuras, minhas primeiras namoradinhas e minhas primeiras farras. Quero deixar registrados os meus alumbramentos e o meu amor por essa terra que nos acolheu.

Fui o primeiro dos filhos a conhecer Arcoverde (anteriormente denominada de Rio Branco) quando meus pais chegaram lá em 1939, na busca de uma recomposição de vida, uma vez que meu pai havia perdido tudo que possuía e esperava encontrar lá uma nova saída.
O objetivo inicial era minha mãe procurar uma casa pra família morar, logo garantida pela casa situada na esquina da hoje Av. Cel. Japiassú com o beco que ia dar na Rua Velha, que nos colocava em confronto com o oitão da casa de Dr. Coelho. Para não perder o mote, grande figura de pai extremoso, profissional competente e cidadão exemplar que deixou uma grande prole, muitos deles ainda vivos, para atestar e que se tornou um grande amigo da nossa família.

Papai conseguiu uma lojinha de duas portas, esquina do “Beco do Escondidinho”, ainda hoje existente e reconhecido por essa denominação, onde instalou uma bomba de combustível na beira da calçada. Essa bomba era manual (claro, não havia energia elétrica regular) acionada por uma alavanca mais difícil e pesada do que as de manivela que surgiriam depois como novidade e que enchiam um depósito na parte superior com capacidade para apenas 20 (vinte) litros.
Era um penar, a cada 20 litros despejava-se no tanque do veículo e repetia-se a operação para acumular mais 20 litros. Imaginem o esforço para abastecer um tanque de capacidade superior. Não sei como a família inteira escapou de ter um braço mais grosso do que o outro, em função do esforço exigido para a operação.

Arcoverde de então, no começo do seu desenvolvimento, limitava-se à rua principal; a Rua Velha do lado de baixo que ia até à ponte de Buique e depois dela, só existia aquela linda casa no alto – sede da propriedade de Seu Sálvio Napoleão -;  e do lado de cima, a Rua da Linha que ia até o triângulo onde as locomotivas faziam a manobra para regressar, sem esquecer que a cidade começava na Estação da Great Western e terminava logo depois do DNOCS, naquela transposição da linha do trem bem antes da praça do Bandeirantes.
Naquela altura, do lado de cima da estrada de ferro existia apenas uma pequena rua, chamada de Rua de Mãe, porque as casas pertenciam à mãe de Altamiro (reconhecida pelo estranho nome de D. Ananias), oficial de cartório, grande boêmio e eterno frequentador da rua, pois nela se localizava a chamada “zona do baixo meretrício”. Será que alguém poderia me apontar uma “zona do ALTO meretrício” e confesso que a despeito de minha idade avançada, nunca encontrei uma ?

Evidente que, até pela sua conformação, a Av. Cel. Japiassú abrigava a quase totalidade das atividades das principais instituições da cidade. O Hotel Bolieiro (em frente à estação); o ateliê do fotógrafo Seu Otaviano; Cine Teatro Rio Branco pertencente a Dr. Pedrosa; o Hotel Majestic ( já com essa denominação num chalé com uma grande varanda de lado e pertencendo a Dona Licô, casada com o famoso Noé Nunes Ferraz e matriarca de uma família digna); a Livraria e Tipografia Prima ( de Antônio Napoleão, por quem tenho uma especial estima e recordação – depois eu conto); a Casa Sálvio Napoleão, dirigida por alguns de seus filhos, grandes amigos e muito representativos de Arcoverde; o famoso Bar e Sorveteria Confiança , pertencente a Noé, e que foi cultuado na história de Arcoverde como marco na tradição na cidade (merece um livro só para seus causos); o Cartório de Clovis Padilha;  a sede do DNOCS, então chamada de Inspetoria, e a residência do seu Diretor (a chegada desse órgão  na cidade e dos seus funcionários, em grande parte oriundos dos grandes centros, causou uma verdadeira revolução nos seus costumes, sem contar os casamentos que garantiu às moçoilas da terra); a padaria de Seu Cícero Franklin, a farmácia de seu Florismundo. Enfim, é muita recordação e muita saudade!
Quero registrar, à parte, o meu afeto por Seu Antônio Napoleão. Modelo de cidadão, sempre indignado com os males do tempo por conta do que se aproximava muito do meu pai Zébatatinha, Espécie de um atenuado Seu Lunga e, mesmo assim, fizemos uma significativa amizade. Quase junto lá de casa, eu ia para a livraria, pegava um livro do meu interesse e sentava por trás do balcão e ficava devorando os livros Coisa sempre do meu agrado. Papai um dia me reclamou alegando que eu estava abusando de Seu Napoleão que ficou uma fera quando soube e advertiu papai: “Não se meta, a livraria é minha e lá quem manda sou eu. Deixe em paz o menino !” A partir daí, me regalei com a determinação de Seu Napoleão e papai não mais reclamou.

Lembro que, com especial afeto, que meus primeiros amigos na cidade foram os filhos de D. Licô e Noé -  Arnaldo, Cleomádison e Rod La Roque ( nome de artista de cinema da época e com apelido de Rodinha), profissionais bem sucedidos e pela ordem: engenheiro, médico e agrônomo. Os mais velhos Luiz Wilson e Irene já não eram mais companhia para os pivetes.
Lembro minha primeira peripécia. Fui jogar bola no campinho de futebol que era cercado de avelóz e amanheci no dia seguinte com a cara inchada, assustando minha mãe. Dona Licô me socorreu explicando que deveria ser pelo contato com o avelóz e “receitando” uma garapa com bastante açúcar pra deixar secar na minha cara. Deu muito trabalho para desgrudar depois!

Pra não ficar muito extenso, deixo para retornar depois ao assunto com outras figuras, estórias e causos lindos dessa terra

 

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