sábado, 9 de maio de 2015

A FALSA DOIDICE DE CLÁVIO VALENÇA

Quem não conheceu Clávio Valença em vida, deve lamentar o que perdeu. Para não fugir à regra da família, era profissional competente, sempre generoso, bem humorado, amigo sincero e, sobretudo, boêmio incurável. Não trocava nada por uma boa farra e, pra que se tenha ideia, quando seu primo Alceu Valença fez a primeira excursão artística a Europa largou seu escritório advocatício, deixando seus compromissos profissionais com  um colega de trabalho e se mandou para a navegação por “caminhos nunca dantes navegados” como um redivivo Pero Vaz de Caminha - escrivão da frota de Alceu. Ainda se dava ao luxo de ser um primoroso cronista, mesmo que - de forma bissexta – não nos premiando com constância no escrever.

Legou-nos três filhos maravilhosos: suas belas Isabela e Gabriela e o talentoso Clavinho, frutos de sua ligação com nossa querida Tânia. Os seus últimos anos de vida foram muito difíceis, pela mudança a que foi obrigado a cumprir por prescrições médicas e ainda bem que teve o desvelo de sua companheira e nossa grande amigo Iane.  Tão logo teve uma pequena melhora, conseguiu um alvará para tomar APENAS duas doses de uísque por dia. Ardilosamente, deixava para cumprir o preceito no fim do dia e se dava ao direito de tomar quatro doses, antecipando as duas do dia seguinte.
Mas, sem tergiversar, vamos ao objetivo principal desse meu texto. Durante um bom tempo, Clávio respeitou o celibato e na sua solteirice, manteve uma forte amizade com uma criatura que merecia o respeito de todos os seus amigos, sobretudo pelo apego que demonstrava ao nosso querido Clávio. Por razões óbvias, vamos chamá-la de Neide, pois chegou a um nível de intimidade tal que detinha uma cópia da chave do seu apartamento de solteirão.

Um belo dia, no gozo de uma de suas prolongadas “happy hours” no Velho Mustang, alí na Av. Conde da Boa Vista, compartilhou uma mesa com uma conhecida de ocasião e a prosa foi tão boa e exitosa que a conversa terminou com uma bela visita ao apartamento do solteirão, onde terminaram dormindo juntos.
O diabo é que Neide, nesse dia, resolveu ir dormir no apartamento de Clávio e, altas horas, com a sua cópia de chave abriu o apartamento e deparou-se com o espetáculo de Clávio dormindo profundamente com uma ilustre desconhecida ao lado. Sua reação foi inusitada. Serenou a justa revolta, acalmou-se e, sorrateiramente acordou a dona, mandou-a se vestir e botou pra fora de casa.

Feito isso, trocou de roupa, vestiu a camisola que tinha sempre guardada junto com outras roupas no armário e pré-saboreando uma vingança terrível, deitou-se silenciosamente ao lado de Clavio, com a precaução de não acordá-lo. De manhã cedo Clávio acorda, vira-se de lado e – surpresa ! - dá com Neide dormindo serenamente ao seu lado. Esfregou os olhos, se beliscou, olhou os quatro cantos do apartamento, avaliou o gosto amargo da ressaca, tentou ordenar suas ideias e o raciocínio e resolveu aguardar aparentando a máxima serenidade para buscar uma explicação razoável.
Foi pior, pois quando acordou, Neide dá-lhe um beijo de bom dia e como se tudo estivesse absolutamente normal, marchou para a cozinha e anunciou que ia preparar o café. Clávio aproveitou, foi tomar banho para esfriar a cabeça, fez a barba, e foi para a cozinha tomar café. Tudo normal e tão normal que mais aumentava a sua angústia e estranheza com o episódio e o deixava com a cabeça pegando fogo em busca de uma solução.

Até aí na maior normalidade, e quando  sentaram à mesa para o desjejum, Neide não aguentou mais sustentar o jogo e explodiu:
“CABRA SAFADO, PAPEL BONITO O SEU, NÉ ?”

Ao que Clávio, em cima da bucha e até que enfim, suspirou aliviado com o rompante de Neide e exclamou:
“GRAÇAS A DEUS, PENSEI QUE ESTAVA DOIDO !“             

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