Esse contingente incorpora-se aos
vinte milhões de analfabetos totais, sem contar os funcionais, ainda vergonhosamente
existentes no Brasil. Evidente que permanecerão por toda vida na infamante
dependência da ausência de profissão qualificada, por faltar-lhes a mais elementar capacidade do ler e do escrever.
Fala-se muito em educação, sucedem-se os seminários, debates e conferências
sobre o assunto sem discutirem uma coisa básica que no dizer de Cristovam
Buarque chama-se PRIORIDADE. Desvia-se o foco da questão e condena-se a
existência da Bolsa Família, sem analisar e reparar as condições que
condicionam a sua existência. Durante todo esse tempo nada foi feito para, pelo
menos, alfabetizar os brasileiros que só aprenderam na vida a plantar milho e
feijão enquanto esperam que Deus dê chuva para garantir a safra e isso se
conseguirem um palmo de terra pra plantar.
O Conselheiro Acácio diria que
TUDO COMEÇA DO COMEÇO, mas como resolver o problema da educação dessa
nação-continente sem cuidar do mais elementar e primário que é a ALFABETIZAÇÃO
? Os meios de divulgação estão cheios de siglas PROUNI, FIEPES, PRONATEC,
Escolas de Referência, Programas de Intercâmbio, Novas Faculdades e
Universidades, Cursos de Mestrados e Doutorados, Bolsas no Exterior, pelo que a
Nação está inexoravelmente condenada a ser formada exclusivamente por DOUTORES e
por ANALFABETOS ?
Para que não se imagine qualquer
ranço eleitoral, confesso o meu estarrecimento quando, ao dirigir a área de
mediação de conflitos no governo estadual, fui surpreendido pela máxima
reivindicação de marisqueiras pertencentes à uma Colônia de Pescadores em plena
Região Metropolitana do Recife, nos seguintes termos: “Doutor, se a gente soubesse ler e escrever aprendia a consertar pranchas
e barcos de resina e ia ganhar dinheiro de inverno a verão”.
E mais, em qualquer análise de
prioridades na questão da educação, o mais sensato, lógico e elementar não
seria a erradicação do analfabetismo, seguida da democratização da educação
infantil mediante a universalização das creches no país que também amenizariam
a tragédia das trabalhadoras pobres que não têm onde confiar a guarda dos seus
filhos e poderem trabalhar tranquilas ?
Do mesmo jeito, a discussão
travada em torno do caso José Estelita levou-me à uma reflexão sobre o desvio
de focos das grandes questões nacionais. Talvez o subjetivismo de alguma beleza
possa ainda seduzir para uma aprovação desse projeto. Afinal, tem gosto para
tudo, mas não me encanta a verticalidade dos espigões. Não é novidade para
ninguém que as mais belas e atrativas para o encanto do mundo são exatamente as
cidades que não permitiram essa prática perniciosa, tendo como melhor exemplo
Paris.
Na verdade, percebo que o grau de
radicalização das posições a respeito do assunto leva a um exagero extremado,
pouco explicável pelo bom senso, sobretudo por desviarem o verdadeiro foco da
questão. Lí de um arquiteto, nosso amigo Alexandre Wanderley garoto que vi
nascer em Garanhuns, que Recife já fez a sua opção de HELLRECIFE com a
lamentável decisão do adensamento exagerado e sem planejamento adequado.
Verifico, também, que nessa acirrada discussão, existe um claro desvio da
verdadeira questão que está destruindo esta cidade, além de que está em jogo na verdade
uma clara competição de empresários imobiliários.
Porque as instituições dos
arquitetos, urbanistas, engenheiros, sociólogos, antropólogos, ambientalistas,
etc. não priorizam seus esforços e vão para as ruas e para os fóruns
governamentais, reclamar das barbaridades cometidas no planejamento da cidade e
reivindicar das chamadas autoridades responsáveis uma RADICAL MODIFICAÇÃO das
normas que regem a ocupação do solo, o seu Plano Diretor, o Plano Viário e de
Mobilidade protegendo TODA CIDADE, e não apenas o Cais José Estelita ?
Porque não se responsabilizam os
responsáveis (ou irresponsáveis?) pelos projetos, concepção e execução das
infames intervenções do Poder Público que resultaram nos verdadeiros atentados
que se praticam no Recife, ao arrepio de todas as regras do bom senso ? Porque
o desvio de foco em embates pontuais e localizados, quando a cidade está sendo
destruída, como um todo, por essa orgia predatória devida à falta de uma
regulamentação normativa técnica, decente e humanizadora ?
A degradação da cidade e do seu
entorno é desoladora e a lista das desastrosas obras de engenharia e de
urbanismo implantadas é estarrecedora e tão numerosa que não caberia neste
texto! O estrago já é muito grande, mas ainda é tempo de salvar muita coisa,
Basta uma mobilização bem orientada neste sentido, um comprometimento das
entidades ligadas à atividade que daria o embasamento técnico e, lógico, uma
decisão política! Seria, pelo menos, um auto de penitência dos engenheiros,
projetistas e urbanistas pelas aberrações praticadas impunemente nas suas
intervenções na cidade.
Só como exemplo mais evidente, porque
não se buscam os autores e responsaveis pela criação e implantação de um
investimento como a “Via Mangue” que já consumiu cerca de MEIO BILHÃO DE REAIS,
e o seu custo não espanta, claro, pois na realidade resume-se à um imenso viaduto com 4,5 km, todo
assentado em pilotis dentro do mangue, com um dano ambiental fantástico,
somente comparável com as extravagâncias dos emirados que constroem fantásticos
arranha-céus no meio do deserto, como se isso fosse indício de progresso e não um deslumbramento de imbecis ?
Mas o pior foi a “descoberta
(?)”, na hora de inaugurar a excelsa obra com todas as pompas e circunstâncias
e a presença da Presidenta, de que a via expressa tinha ida, mas não tinha
volta e, conforme anúncio do Sr. Prefeito, ainda exige um investimento de mais
cem milhões de reais para sua conclusão. E tem mais, a via é absolutamente
interditada ao uso de transportes coletivos, pedestres e não dispõe, sequer, de
ciclovias. Na contra mão das medidas reconhecidas e adotadas por todas as
autoridades no mundo, privilegiam-se nesta cidade os transportes unitários em
prejuízo dos transportes coletivos.
Insisto, por fim, que desvia-se o
foco das questões para os acessórios e para os seus efeitos, sem qualquer discussão
ou simples referências as causas que estão permitindo a existência de um longo
e permanente processo de destruição de uma cidade tão linda quanto o Recife.
Estão aí se sucedendo centenas de “Estelitas” sem uma simples palavra de
protesto contra uma legislação permissiva e complacente, verdadeira responsável
por todas as “ESTELITAS DA VIDA”!
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