A presente crise nacional, mesmo com o pandemônio criado pela
vulgaridade dos debates e pela ausência de vozes com credibilidade perante a
população, está nos deixando algumas lições significativas, a exigir
providências e medidas correcionais para a salvaguarda da cidadania tão
desrespeitada. Entendo que as manifestações públicas estão recomendando que a
insatisfação é exemplarmente dirigida contra a classe política em geral, por não
estar cumprindo suas responsabilidades.
Independente da discussão acadêmica surgida nas redes sociais,
nunca havia assistido em minha longa vida tamanha proliferação de mestres,
doutores, jurisconsultos, juristas, professores eméritos, tratadistas em que se
discute a “legalidade” dos atos políticos e das ladroagens, e o seu volume é
tão exorbitante que me fez lembrar Umberto Eco – recém falecido – quando disse
que a “Internet está nivelando os imbecis aos detentores do Nobel”.
Fica comprovado que a grande questão que permeia essa crise é
a ausência de critérios moderadores que detenham a sanha do vezo
patrimonialista dos nossos mandatários do voto popular e dos altos escalões da
República; do baixo nível – sempre crescente – da representação eleitoral (lembram
Ulisses que afirmou para quem reclamava desse nível que “esperassem o próximo Parlamento..”);
ausência de regras mais severas contra a corrupção e melhoria da transparência
da informação no serviço público.
Ou seja, no momento atual o mais importante é uma reforma
política que institucionalize esses freios moderadores, que poderia ter sido
alcançada, pelo menos em grande parte, por um governo que chegou a ter 80% da
aprovação nacional.
Quero me ater aos atos que, mesmos legais, são profundamente imorais
e aéticos, mas decorrentes de uma legislação permissiva que enseja:
I - a glória dos afortunados em detrimento da imensa maioria
da população brasileira que permanece em estado de carência de um pão para matar
a fome, cristalizada pela imensa desigualdade econômica que ninguém ousa tocar.
Tem gente no serviço público, ganhando por mês, salários que um trabalhador de
salário mínimo levaria de 6 a 8 anos para ganhar;
II - no analfabetismo – sem falar nos funcionais - total de
20 milhões de brasileiros diante de milhares de bolsas no estrangeiro (que são
importantíssimas), sabido que a alfabetização universal é o primeiro e
elementar passo para qualquer projeto educacional, em qualquer país do mundo e
de qualquer etnia;
III - das normas vigentes que exigem a condenação de dois humildes
que roubaram uma melancia e permitem a procrastinação da prisão de um ex-senador
condenado a 31 anos de prisão, ladrão de milhões de reais, através da
impetração de 34 recursos protelatórios, em nome de um farisaico (mas in
casu é legal!) princípio processual do aguardo da coisa julgada;
IV - da revolta de eminentes cultores do Direito por qualquer
ofensa aos artifícios que intentam em defesa dos seus abençoados clientes e
lhes garante grande receita, mas poucos estão se lixando para 20% da
superlotada população carcerária brasileira que continua presa, sem julgamento,
porque não têm dinheiro para os nobres defensores, nem a máquina pública lhes
assegura esse direito elementar;
V - da farra do reajuste (sem limites e com critérios
viciados) dos vencimentos dos membros do Legislativo, do Judiciário e do
Executivo, sem falar nos benefícios indiretos que são imorais, enquanto o pobre
(quando tem carteira assinada) se vira para sobreviver com míseros R$880,00. Procurem
saber quantos aposentados do INSS ganham pensão acima de $4.320,00, modesta (!)
verba de auxílio-moradia para cada magistrado e parlamentar, isentas de imposto
de renda por ser consideradas verbas indenizatórias;
VI - da infamante discriminação de um odiento foro
privilegiado que busca proteger milhares de afortunados, ao inteiro arrepio do
princípio constitucional da isonomia e do verdadeiro jogo artificioso que
praticam para escapar do julgamento nos tribunais superiores, notoriamente
lentos por conta, sobretudo, da sobrecarga dos artifícios protelatórios;
VII - de um sistema previdenciário capenga que o Poder
Público não tem coragem de enfrentar, uma vez que exige contrariedade aos
privilegiados do serviço público e prefere-se fazer um falso debate com os
beneficiários de INSS, em que se monta um discurso para fora (Orgãos Sindicais)
e outro para dentro (Marajás do Serviço Público), sabido que essa última categoria
representa a minoria de beneficiários e a maior responsável pelo déficit da
previdência;
VIII – a proliferação de chamados Partidos Nanicos que
ensejam a mais desabrida negociata nas composições partidárias e viraram, em
sua grande maioria, num voraz balcão de negócios. Aconteceu até um hilariante
episódio em que, no recém criado Partido da Mulher Brasileira (PMB) a que se
filiara de início cerca de vinte deputados, ficou reduzido a apenas 2 (dois),
numa migração tão rápida que causou inveja à
Fórmula 1;
XIX – O terrível instituto da reelegibilidade, criado ao
sabor das conveniências do momento político, sem a menor cautela da exigência
do afastamento do cargo e sem revisão da Lei de Inelegibilidades, que levou à
excrescência de permitir ao titular do cargo disputar a reeleição e impedir um
seu parente de disputar por ser seu parente . E o que é mais grave – tornou-se
regra – a qualquer ocupante de cargo: a partir do primeiro dia do primeiro
mandato já começa a campanha da reeleição.
Dentro desse contexto, sugiro que iniciemos um debate sereno
e civilizado, convocando as cabeças pensantes deste País para a formulação de
algumas propostas que viabilizem o expurgo de certas situações incompatíveis
com uma democracia saudável e detenham a sofreguidão sem limites da classe
dominante em busca da hegemonia do poder, condicionando certos aspectos mais
deploráveis e desavergonhados de nossa legislação permissiva. Como sugestão,
dou abaixo alguns exemplos de temas que deveriam ser discutidos, entre muitos mais
a incluir:
1.
FORO
PRIVILEGIADO
2.
REELEGIBILIDADE
3.
PROLIFERAÇÃO
DE PARTIDOS POLÍTICOS
4.
REFORMULAÇÃO
DOS CÓDIGOS PROCESSUAIS
5.
REFORMA
DA PREVIDÊNCIA GERAL
6.
REGRAS
E LIMITES DE REMUNERAÇÃO DOS CARGOS ELETIVOS
7.
REDUÇÃO
DE CARGOS COMISSIONADOS
8.
ELIMINAÇÃO
DE TERCEIRIZADOS EM CARGOS DE ESTADO
9.
PROFISSIONALIZAÇÃO
DE CARGOS PÚBLICOS
10. E vai por aí afora......................................
Mas fiquem certos de uma coisa: Com o Poder Dominante atual
nas três esferas, não vamos conseguir nada sem uma grande luta em todos os
foros possíveis e imagináveis, inclusive nas ruas e sem um aperfeiçoamento da
própria sociedade!
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