As coisas mais extravagantes
estão acontecendo neste País, a ponto de indicarem a ocorrência de uma demência
coletiva em todos os setores da atividade humana, exacerbando-se na área
político-administrativa de forma assustadora.
Assusta-me
que em pleno século XXI, ainda se enalteçam tanto as regras napoleônicas de
divinização da forma em detrimento ao conteúdo, apregoada por eminentes Mestres
e respeitáveis amigos meus, contra recente interpretação do Supremo Tribunal ao
adotar a prisão de condenados por tribunais em segunda instância. Muito
preocupados, e até entendo, com o trânsito de coisa julgada, o respeito ao
contraditório e a presunção da inocência. De bate pronto, um juiz – em caso
exemplar – louvado na recente interpretação, mandou para a cadeia e reparou a
barbaridade que vinha se cometendo no processo que, em 2006, condenou o
Ex-Senador Luiz Estevão a 31 anos de prisão, procrastinada por 34 (trinta e
quatro) - eu disse 34 - recursos contra o cumprimento imediato da
sentença.
Ah!, mas todos os 34 recursos
estavam rigorosamente amparados pelas normas processuais penais vigentes e pela
jurisprudência até então dominante pelo Supremo! Atualmente fala-se muito de
uma fluida seletividade no vazamento, na investigação da PF, na postura dos
Procuradores e na posição dos Juízes. Tem quem defenda com a simplória desculpa
que melhor soltar um criminoso do que prender um inocente, mas ninguém fala na
maldita e infamante seletividade de cerca de 20% dos presos sem condenação (de
um total de 600.000) no medieval sistema penitenciário brasileiro.
Alguém, em sã consciência,
chamaria isso de justiça? Não seria uma acomodação processual para favorecer,
como sempre, os poderosos criminosos ricos, capazes de dispender polpudos
honorários com as mais afortunadas bancas de advogados? Por que a OAB e a Magistratura
nunca promoveram uma campanha propositiva para uma reforma processual séria com
o sentido de escoimar os dispositivos nitidamente procrastinatórios? Será que a
persecução da JUSTIÇA, supremo apanágio do Direito, é menos importante do que
garantir a nossa renda na advocacia? Porque não se cria, a exemplo da mora no
Direito Civil, uma norma que estabeleça um gravame da pena pelo uso reconhecidamente
doloso dos recursos protelatórios?
Pelo contrário, no caso de Luiz
Estevão os longos anos de criminosa procrastinação já ensejaram
um “lucro
irreversível” da prescrição de algumas de sua condenações que já
reduziram sua pena em 5 (cinco) anos e o objetivo era a prescrição total!
Um juiz de primeira instância e
sua equipe, que vem conduzindo com competência uma ação justiceira que até
agora tem sido respeitada e mantida por todos os tribunais superiores da Nação,
quebrou o velho paradigma dominante de que cadeia no Brasil só servia para os
três “Ps”, mantém na prisão alguns dos maiores empresários nacionais (ou sejam,
os corruptores que nunca tinham sido alcançados pela Justiça), alguns políticos
notáveis e já existem até a figura dos “bi-presos” que indica a sua contumácia
no crime que praticavam.
Bastou uma discutível determinação
sua de condução coercitiva de Lula para a prestação de depoimento, justificada
por ele como uma necessidade de evitar tumultos e conflitos (restou provado que
estava certo, pois mesmo com a pretendida discrição ocorreram conflitos na
entrada do Aeroporto) para surgirem os indignados e pressurosos “Mestre Cultores
do Direito”, para criticar o comando processual do Juiz Moro. Aí exacerbam-se
os rigores napoleônicos priorizando a forma em detrimento da substância dos
atos jurídicos, e aí cabem tudo.
Assisti, como sempre acontece no
magistério quase pomposo do Ministro Marco Aurélio, com a voz empostada e
professoral que notabiliza a sua contumácia de votar isolado para aparecer, uma
crítica ao Juiz Moro que, segundo ele, teria infringido regra processual
elementar. Mais ou menos, como no dito popular, o sujo falando do mal lavado!
É SURREALISMO puro essa crítica,
uma vez que se houve erro do Juiz condutor do processo, o caminho correto,
democrático e adequado seria o apelo à via superior para reparo ou reprimenda
da infringência da norma. E mais, nessa crítica ao ato do Juiz Moro, o Eminentíssimo Ministro infringe norma
disciplinar contida na Lei Orgânica da Magistratura, em seu artigo 36, III, que
preceitua de forma peremptória que é VEDADO AOS MAGISTRADOS:
“III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião
sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo
depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais,
ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do
magistério.”
Simultaneamente o seu colega de Tribunal, Ministro Gilmar
Mendes, também contumaz em suas críticas de ofício e fora dos autos, reverbera decisão
de outros tribunais chegando ao cúmulo de comprometer por parcialidade qualquer
processo que lhe chegue às mãos envolvendo os atores envolvidos. Como costumo
dizer, é muita coisa sem juízo. Os Meritíssimos, no seu afã de aparecerem no
noticiário, de ofício criticam pretensas infrações do Juízo do 1º Grau, cometendo mais que uma infração processual,
atentaram contra uma norma disciplinar imposta à Magistratura. A Lei é igual
para todos, ou continua mais igual para uns?
Recentemente, um incidente
processual penal que, em outras circunstâncias e protagonistas, seria uma coisa
corriqueira, toma a dimensão do anúncio de um novo apocalipse. Três promotores
de justiça em peça de denúncia (com uma ridícula confusão entre os filósofos
Hegel e Engels) requerem pronúncia e prisão de alguns dos denunciados que seria
apreciada pelo Juiz condutor do processo, que detém a faculdade de recusar até
a denúncia (como aconteceu, aliás) quanto mais o pedido de prisão. Isso ocorre milhares de vezes, diariamente em
todos os foros de justiça do Brasil, sem estardalhaço nem toques de trombeta,
como em qualquer regime minimamente subordinado a regras dos juízos democráticos.
O mais elementar caminho para a
prática da democracia é o respeito à Lei e as questões jurídicas – como diria o
Conselheiro Acácio – devem ser discutidas e resolvidas no Judiciário na busca
da Justiça. Mas está-se procurando o caminho da agressão, do engodo, das
interpretações falaciosas e das invencionices. Cria-se um clima de guerra nas
ruas como se as inquietações nacionais fossem ser decididas no grito e por
milícias na rua. Chegamos ao ponto da intolerância de não se admitir a cor
vermelha em bandeiras e vestes pessoais e a transformação da disputa política
em duelo pobre e mesquinho de coxinha versus mortadela...
O fato do dia passou a ser uma
relação de beneficiários das doações da Odebrecht que, em condições normais,
não teria, como não tem, a menor importância factual e legal. Explico: A
relação divulgada de todas as doações, de todas as empresas, para todos os
Partidos e para todos os favorecidos, estão disponíveis na Internet para todo e
qualquer interessado no site da Justiça Eleitoral de todo o Brasil. A única
novidade foram os apelidos dados a alguns beneficiários, em boa mostra de bom
humor e eu próprio me diverti com alguns deles.
Vejam porque insisto em dizer que
estão desprezando o essencial em favor do acessório. A lista só terá qualquer valia, após uma
auditoria comparativa com os dados declarados na justiça eleitoral com a
finalidade de constatar a existência de qualquer omissão nas prestações de
contas dos candidatos. O raciocínio é lógico e elementar: a doação que não
aparecer na prestação de contas será intrinsecamente FRAUDULENTA. Fácil, não?
Evidente que o Carnaval montado em torno dessa lista é de caráter inócuo e
desviador do verdadeiro foco da questão. Não se perde por esperar!
É tão gritante o desamor pelas
instituições democráticas que, mesmo usando beletristas de última hora, por
todos os lados, para deitar cátedra falando em “presunção de inocência”, “exercício
do contraditório” e “ampla defesa”; ao invés de contraditar
nas vias judiciárias, fala-se em ir às ruas e convocar os seus exércitos.
Preferem desqualificar os acusadores e os julgadores, falando hipocritamente em
luta ideológica quando adotam uma prática tipicamente fascista de desmoralização
dos seus oponentes.
Não dá para conciliar tanto
disparate e tanto farisaísmo e prefiro concordar com meu filho Pedro Leonardo,
quando afirma que “uma demência ética e moral tomou conta da Nação, em todos os setores de
atividade”. Sem lideranças e sem voz que represente o povo brasileiro
está ficando difícil de encontrar a saída, pois ao invés de buscarmos uma
concertação nacional, estimula-se o embate nas ruas como se fossemos uma cubata
sem instituições democráticas, estimula-se a divisão nacional e o acirramento
das disputas mesquinhas do Poder pelo Poder, ao inteiro alvedrio dos interesses
nacionais e do povo brasileiro.
E a coerência indispensável à
segurança jurídica e à convivência entre as gentes, que faremos dela?
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