Quem é jovem e hoje avista a rede de luzes que ornamenta a
zona rural de nosso Estado não pode imaginar a tristeza da escuridão que
dominava a paisagem trinta anos atrás. Iluminação elétrica no campo só era
possível para os grandes proprietários que tinham condições de bancar, às suas
expensas, o elevado custo de uma rede de eletrificação com os indispensáveis
postes, transformadores, travessas, isoladores, quilômetros de fios e mão de
obra qualificada. Para os pequenos proprietários, era um sonho inatingível!
Em 1986, encerrada a mais bela e emocionante campanha
política que Pernambuco assistiu, consagrando um segundo mandato de Governador
para Miguel Arraes, em que o mote era: “volta
Arraes ao palácio das princesas. vai entrar pela porta que saiu” e o “tô voltando”, permanecemos na sede da
campanha, ali naquele casarão da Av. Ruy Barbosa que pertenceu à família
Comber, para organizar a transição e as primeiras providências do governador
eleito.
Nessa ocasião, fui procurado pelo engenheiro da Celpe (então
órgão estatal), conterrâneo e amigo José Luiz Sampaio (hoje, por causa,
conhecido como Zé da Luz) que me relatou a existência de um projeto de
eletrificação rural concebido por um grupo de jovens engenheiros de que ele
fazia parte, liderado por Hélio Lopes, que veio a ser Diretor da Celpe e
atualmente é Diretor da Arpe, Emerson Souto e Alberto Pereira e, como é
natural, queriam fazer chegar às mãos do Governador Arraes para o seu
conhecimento.
De acordo com minha solicitação Zé da Luz levou o Grupo à
minha presença levando o projeto que eu não tinha condições de avaliar por
falta de conhecimentos técnicos e como à essa altura, já estava escolhido como
Secretário de Minas e Energia o Eng. Drummond Xavier, o entreguei em suas mãos
para sua avaliação.
Logo no dia seguinte, fui procurado por Drummond que, entusiasmado
pela qualidade do projeto, queria um contato urgente com o grupo, e me lembro
que chegou a fazer um comentário, dizendo: “O projeto, Ivan, tem princípio,
meio e fim”. Era inovador, adotava um sistema denominado de “monofilar”, pois
usava apenas um fio para transmissão, que resultava em substancial redução de
custos, na medida em que subdimensionava a estrutura necessária para sua
implantação, sem perda de sua qualidade técnica.
O Governador Arraes encantou-se com o projeto e cuidou logo
de estruturar a execução do projeto em seu governo, para o que, logo de início,
nomeou o Engenheiro Hélio Lopes para a Superintendência de Eletrificação Rural
da CELPE. Abro aqui um parêntese para lembrar que, entre o segundo e o terceiro
governo Arraes, houve uma tentativa de desqualificar o processo adotado, sob o
pretexto de que não era seguro e poderia ocasionar prejuízos, sustentado em
discursos até por secretários de Estado. A tentativa foi frustrada e o
Governador Joaquim Francisco prosseguiu com o programa.
Não pensem que foi fácil. À medida em que se iniciava a
execução do programa, com elaboração dos pequenos projetos das comunidades,
orçamentação, busca de recursos, verificação dos critérios estabelecidos pelo
Governador atendendo à economicidade, concentração de unidades atendidas para
redução do custo médio, possibilidade de utilização da energia para melhoria da
condição de vida dos beneficiários, confortos que possibilitassem a fixação no
campo, começou o alvoroço das comunidades por vislumbrarem a
possibilidade de conseguir o benefício.
Foi um trabalho duro, mas gratificante. Trabalhávamos com
quatro planilhas que iam desde a solicitação do benefício à conclusão da obra e
o monitoramento constante. Todos os meses nos reuníamos na Diretoria da Celpe
para avaliação dos resultados e necessárias correções que, por vezes, se
impunham. Já era, na verdade, o monitoramento hoje adotado na gestão do Estado de Pernambuco, com muito êxito. Lembro, com muito respeito, todos os servidores da empresa que trabalharam
e muito pelo programa e, sem desdouro dos demais, recordo com respeito os
colegas do grupo de jovens engenheiros e os Presidentes Dilton da Conti e
Fábio Alves.
E foi inevitável, quando os primeiros e ainda modestos
projetos foram instalados nas comunidades a grande demanda ainda represada explodiu.
O alvoroço foi grande e, no dizer do saudoso Lívio Valença, foi “como soltar uma onça no chiqueiro dos bodes”.
Nas pequenas comunidades, os sítios mais afastados, os sonhos mais reprimidos
foram despertados como realidade. Começa
a ser concreto um quimérico motor para aliviar o esforço na ralação da mandioca
nas casas de farinha, uma pequena moto-bomba para ajudar na aguação das plantas
e a luz elétrica clareando o negrume das noites.
Aí os inconformados adversários começaram a perceber a
grandeza do projeto e o efeito devastador da mobilização das comunidades
carentes da zona rural, logo estendido aos programas de baixa renda nas zonas
urbanas, favorecidos por um inimaginável benefício que nunca pensaram um dia
conseguir. E a campanha foi terrível e solerte. Não faltaram os economistas de
ocasião para acusarem os benefícios do Governo Arraes como desestruturadores e
que nada acrescentavam para o desenvolvimento econômico do Estado e, por
consequência, para a sua população.
Em resposta a esses ataques, Arraes fez uma ponderação
precisa e fulminante que nunca esqueci: “não
conheço nada mais estruturador para um cidadão que uma caneca de água limpa
para beber e um bico de luz para alumiar a escuridão”, que explica o seu
pensamento, e não tenham dúvidas, que a
eletrificação rural mudou a face do campo para bem melhor.
Foi uma marca de governo inconfundível e os humildes
beneficiários nunca esqueceram. Ainda hoje, quase trinta anos depois, sou
surpreendido por muitas pessoas dos grotões do sertão até à mata, cobrando-me a
lembrança dos nossos contatos, desde a solicitação do benefício até a sua
entrega com as festas que promoviam quando da inauguração dos projetos em suas
comunidades. Pensem numa alegria contagiante que, pelo hábito, terminava num
verdadeiro e espontâneo ritual em todos os dias de inaugurações da
eletrificação. Era uma coisa linda e valia a pena assistir.
Invariavelmente, a comunidade promovia uma passeata chamada de
“adeus candeeiro!”. Caminhada
circulando por toda a comunidade, as pessoas carregando na cabeça os fio-fós apagados que eram
até então o único meio utilizado para clarear o mundo, a banda de pífanos puxando o
cortejo, a cachaça e o vinho de jurubeba correndo soltos, a galinha gorda
guisada com farofa para tira-gosto e, ainda mais, a alegria de felicidade
escancarada em todos os moradores do sítio, coroada pela dança no final da
festa.
Alguns, já exibindo orgulhosamente na sala da sua casinha o
rádio adquirido a prestações na loja da cidade, deixando de lado o “radinho” de
pilha que sustentava, até então, a comunicação da comunidade com o resto do
mundo. Outros, mais afortunados juntavam a família e conseguiam colocar uma
geladeirazinha na bodega para garantir uma cerveja gelada. Alguns, radiantes,
acendendo e apagando as lâmpadas de casa para comprovarem a sua efetiva
existência. Outros mostrando, encantados, o motor elétrico já instalado no “caititu”
da casa de farinha que, daí em diante, livrava as pessoas do penoso trabalho de
acionar o volante manual do ralador de mandioca.
Só quem assistiu e conhece a dureza da vida no campo pode
entender a felicidade de uma velha senhora, matriarca de sua família, sentada
na salinha da casa de taipa e chão batido, admirando a luz acesa e que,
advertida pelo filho que já era tarde e deveria recolher-se para descansar do
dia muito agitado, respondeu com toda a veemência: “me deixem aqui, que era só que faltava eu ir dormir agora. vou passar a
noite admirando essa belezura de uma lâmpada acesa que nunca pensei que um dia
ia ver na minha casa”
Vejam quanta coisa bonita e quanta melhoria de vida a
eletrificação rural trouxe para a população humilde do nosso Estado, a ponto de
no final do governo Arraes em 1998, Pernambuco ter 83 % de suas comunidades
rurais eletrificadas. Orgulho-me, e entendo com justas razões, de ter
participado de um programa tão valioso para o nosso povo junto com um grupo de
técnicos excepcionais, sob o comando de Miguel Arraes, maior líder político do
nosso Estado, e que deixou uma marca definitiva de uma visão humanista capaz de
entender a alma de nossa gente e, por isso mesmo, merecedor da gratidão de sua população
mais carente e quase sempre injustiçada.
Centenas de Comunidades nunca haviam recebido qualquer
benefício ou atenção dos governos e a única ação do Poder Público conhecida
pelos moradores desses grotões era a atuação da polícia para reprimir uma
cachaça mais exagerada nas bodegas em dias de feira. Aí eram certas a prisão do
temível infrator e a intervenção do chefe político para soltá-lo e mantê-lo sob
sua dependência pelo favor prestado. O Programa de Eletrificação Rural e o
Chapéu de Palha foram as marcas determinantes e refletem muito bem o foco de um
governante voltado para as camadas mais necessitadas do Estado. Esses programas
representaram uma libertação para o homem do campo e lhes garantiram o
conhecimento de uma coisa chamada CIDADANIA. Nada como uma caneca de água limpa
e um bico de luz!
Meu Caro Ivan
ResponderExcluirEmocionei-me ao ler o seu relato histórico da expansão da Eletrificação Rural em Pernambuco impulsionada pelo Governador Miguel Arraes, com a sua sensibilidade com o homem do campo e a assessoria do amigo e confidente Ivan Rodrigues na coordenação política do programa. Para mim, foi o momento mais marcante da minha carreira profissional na CELPE, onde passei 34 anos. Foi um privilégio coordenar a gloriosa equipe de eletrificação da CELPE que contou com nomes de altíssima qualidade como os amigos que você mencionou.
Por fim , faço o registro que o maior Programa de Eletrificação da América Latina elevou o número de propriedades rurais eletrificadas de Pernambuco de 20.000 em 1986 para 240.000 em 1988 e permitiu que a CELPE fosse a primeira distribuidora de energia do Brasil a receber o selo de universalização do serviço concedido pela ANEEL.
Um forte abraço
Helio Lopes