O roubo de galinhas na minha
Garanhuns, como de resto em todas cidades de antigamente, era o delito mais
ocorrente, dando constante trabalho aos policiais e nada mais degradante que a
condução em desfile pelas ruas, custodiado por um soldado, até à Cadeia
Pública, dos reles ladrões de galinha. A prática era contumaz por força da
proliferação dos galinheiros existentes, praticamente, em todas as casas. Toda
casa tinha um quintal e todo quintal tinha um imprescindível galinheiro.
Era a condição para manter-se um
bom estoque de alimento sadio (naquele tempo não se falava em proteínas e coisas
tais e não existia refrigerador para conservar comida) para o consumo da
família e sempre à disposição da dona da casa para acudir a emergência de um
convidado imprevisto. “Corre, Vicentina,
para matar uma galinha pro almoço de Compadre Tonho que acaba de chegar!”
Parece que estou vendo o ritual
de todos os dias. Começava com o recolhimento dos ovos diretamente nos “ninhos”
das galinhas poedeiras e, logo após, as pessoas encarregadas chamavam todo o
galinheiro para receber a ração diária de comida, em forma de milho, xerém,
alguns restos de comida, e ainda escuto o canto da chamada para atrair as galinhas,
em refrão invariável: “titi,titi, titi....”.
Algumas delas eram postas para
chocar e, por consequência, garantirem a renovação do plantel. Estavam sempre
lá, impassíveis, sem levantar de seus ninhos para cumprir a tarefa designada e
naqueles ovos ninguém tocava.
Galinhas gordas, de carne macia e
saborosa, sem aditivos hormonais, asseguravam uma alimentação saudável para
todos, sem contar a riqueza do paladar de uma galinha guisada com angú, uma
galinha de cabidela usando o sangue fresquinho colhido na hora e batido com
vinagre para não estragar, o requinte de um sarapatel de miúdos de galinha e a
disputa da família, na mesa, pelas partes preferidas de cada um.
O galo reinando majestoso em seu
harém e sempre ativo cumprindo o prazeroso ofício de satisfazer as suas
odaliscas, complementado com a tarefa, sem erro, pela marcação das horas como
se fora um relógio e invariavelmente cantando o alvorecer. Lembro de uma antiga
marchinha de carnaval exaltando a eficiência do galo que dizia assim:
“O galo quando canta Maria,É dia Maria, é dia Maria.
Mas quando canta fora de hora
È moça roubada que vai dando o fora!“
Como se vê, os galinheiros eram
uma atração sedutora - desde que não tivesse cachorros na casa - dada a sua vulnerável
localização sempre nos fundos dos quintais, a quantidade enorme de galinheiros
que permitiam, até, uma escolha dos melhores plantéis disponíveis e os acessos
mais fáceis, venda segura e, na alternativa, bela refeição para a família do
larápio.
Aí começava, também, a parte mais
difícil: a espreita até altas horas da madrugada no aguardo do momento em que todos
estivessem dormindo, cochilando por vezes, mas atento aos menores sinais de
movimento na casa. Chegando a hora favorável, pulava o muro e com a máxima rapidez
possível, metia uma meia dúzia de galinhas em um saco.
Quando o dia amanhecia, o ladrão
também amanhecia na feira para vender as galinhas por qualquer preço e por
atacado, para se livrar depressa do objeto do roubo. Danava-se da vida, algumas
vezes, pelo surgimento inesperado de outros concorrentes que, pelo excesso da
oferta, fazia rebaixar o preço e sua cotação na feira.
O grande azar do ladrão é que frequentemente
os donos das galinhas, ao acordar cedo, dava com o roubo no seu galinheiro e
corriam pressurosamente à feira, na tentativa de encontrar suas estimadas “penosas”. E não dava outra:
Bingo! Lá estavam elas e muitas vezes ainda acompanhadas pelo autor do terrível
delito. Não havia clemência, porradas no ladrão e convocação de um policial para
prender e conduzí-lo até à cadeia para sua apresentação ao Delegado.
Era terrível a humilhação sofrida
pelo insignificante ladrão, ao percorrer a pés o longo trajeto desde a Avenida
Santo Antônio (local da feira), Rua 13 de Maio, Praça Dom Moura, Rua Afonso
Pena, até à Cadeia, no local que hoje abriga o Colégio Estadual, escoltado por
um soldado, com a população à beira das calçadas durante todo percurso vaiando
o infortunado meliante. Desconfio que a reprovação era muito mais pela
mediocridade do roubo do que pela gravidade da infração!. Ladrãozinho
vagabundo...
Com a reiteração das ocorrências e
a exposição do seu nefando crime perante à população, claro que tiveram sua atividade
refreada e a possibilidade de sucesso
reduzida. A liberdade de movimentos contida pela simples identificação já não permitia
a sua continuação. O jeito era mudar de cenário e procurar galinheiros de
outras cidades. O êxodo era inevitável mas eram logo substituídos por outros!
Falei, no começo deste texto, que
lembro até com certa nostalgia dos ladrões de galinha, oriundos da singeleza
dos costumes e da cultura dominante naquele tempo dos loucos maravilhosos como
Manoel das Estrelas, dos desordeiros como Turrica, dos bêbados como Bode
Cheiroso, dos filósofos como Jeitoso, e insiro aqui os anônimos Ladrões de Galinhas
quando comparados com os faraônicos ladrões de hoje, como é o melhor exemplo um
simples gerente da Petrobrás – executivo de terceiro escalão – que já devolveu
a Nação nada menos que 97 (noventa e sete) milhões de dólares de um modesto (!)
depósito na Suiça.
Palmas para os desprezíveis ladrões
de galinhas.
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