Vez em quando, sou solicitado a escrever um livro com as minhas histórias, memórias, recordações, casos e causos, estórias e sempre relutei muito. Por não gostar do que escrevo e recear o desagrado, sempre reagi à ideia.
De repente, percebo que estou virando um arquivo ambulante e constato que, pelo menos para resguardo da memória, os velhos têm grande serventia e se não aproveitarmos o pouco tempo que nos resta, corremos o risco de perdê-la, sobretudo ao considerar que – no meu caso – descubro ser o provecto Patriarca da Família.
Minha querida sobrinha Maurinha escreve-me, após ler um relato que fiz sobre o 1º de abril de 1964:
“Tio: Li o texto e ele me deu a certeza de que o senhor precisa escrever um livro narrando não só os episódios políticos, mas todas as histórias que refletem a memória familiar. Pensei até algumas no gênero crônica. Quero que meu neto leia um dia para sentir o ritmo de suas histórias e o quanto uma vida pode ser permeada de sentido.”
Na ante sala do Secretário de Saúde, defronto-me com Maria Helena, filha de Sebastião Moura Lins, que foi grande amigo de nossa família e começo a contar-lhe as maravilhosas estórias que seu pai criava. Logo se montou à nossa volta um entusiasmado auditório que se deliciava com a capacidade criativa de Sebastião e reclamei da família Moura Lins pela falta de registro dessas histórias. Ela de pronto me desafiou:
“Já que o senhor conhece tanto a obra de meu pai, porque não a escreve ?”
No Facebook onde me inclui como “velho amostrado”, num grupo de pessoas maravilhosas organizado pela querida Cora Valença, como “Fatos e Fotos Antigas de Garanhuenses”, começo a ser reconhecido como pronto socorro para o resgate de coisas antigas de nossa terra. Virou lugar comum:
“Essa só Ivan pode lembrar! Corre Ivan, vem acudir a gente!”
Ainda no Facebook, Mirandinha, filho do querido amigo Antonio Miranda de Lima e estimado aldeão da Rua Dantas Barreto, fez uma bela postagem que intitulei de “Evocação de Mirandinha” e guardei nos meus arquivos, depois de deliciados lermos o texto referido (Eu e Pedro Leonardo, meu filho). Em outra postagem, o mesmo Mirandinha provocou:
“Acho que você não pode deixar de legar para Garanhuns o seu magnífico repertório e sua fabulosa memória”
Mesmo que Mirandinha tenha esquecido a lição de Cervantes pela boca do Cavalheiro Don Quixote de que: “elogio em boca própria é vitupério”, o que vale também para a generosidade dos amigos, obriguei-me a poucos dias a dizer para ele e Corina que:
“Minha querida Cora e Mirandinha: Rendí-me! Quando respondia aos seus apelos exigindo que eu escrevesse as coisas de Garanhuns para que a história não se perdesse, dizia sempre que quando ficasse velho consideraria os apelos. Não é que nessa semana descobri que estou velho! Ao renovar minha carteira de motorista fui advertido pelo servidor do DETRAN: Na sua idade a validade da carteira renovada é de apenas UM ANO! Caiu a ficha e o jeito é começar a escrever as coisas lindas e inusitadas de nossa terra. O que fazer dos escritos é outra estória e depois a gente resolve se vale a pena ou não”.
Como se vê, a minha espectativa de vida para os burocratas do Detran e de apenas um ano, salvo a melhor hipótese de uma conjugada cegueira, surdez, caduquice, cadeirante, enfim todo um elenco de inutilidades que me tornariam um velho imprestável. Decidí, portanto, enfrentar o encargo aprazível de contar as histórias e estórias que sei, esperando que sirvam para alguma coisa, além de propalar as coisas lindas de nossa terra e deixar assinaladas minhas inquietações e divergências.
Claro que seria imperdoável atirar-se no esquecimento da história de Garanhuns, as figuras extraordinárias de loucos maravilhosos como Manoel das Estrelas, Jeitoso, Catrevage; os bêbados como Bode Cheiroso cujo nome verdadeiro era Plínio, o Rei Simão Ramos Dantas que se dizia “Rei de Portugal e do Mundo Inteiro em Geral”, o velho engraxate Borburema que, até morrer, foi o correligionário mais fiel do Deputado Elpídio Branco; os ícones dos carnavais de nossa terra como Nestor Carrascozo e Messias Orani do Bloco Vassourinhas, Leopoldo Leite do Bloco de Macaíba e Maria Lúcia; os magnifícos exemplares de nossa Parada Gay como Otávio Tipógrafo, Rosinha e o nosso querido Matéria Plástica ainda vivo, lúcido e capaz de reproduzir todas as músicas das campanhas políticas de Garanhuns (Verdadeiro Arquivo que precisa ser gravado depressa); as belas vozes e músicos que encantavam as nossas festas e as nossas serestas como Manoel Teles, João Correia, Manoel Gouveia, Manoel de Sargento, Pernambuco, maestro Lula Figueiredo, Professora Zulmira Fogo mãe do brilhante pianista Ronaldo White que ainda se dava ao luxo de ser um notável pintor, toda família Xixi responsável pela formação de milhares de instrumentistas de nossa terra; nossos pintores e retratistas como Ronaldo White, Walter Vieira, Agilberto Dourado; intelectuais como Luis Jardim, Arthur Maia; atores e responsáveis pelas manifestações teatrais do Grêmio Polimático de Garanhuns, como Sr. José João de Carvalho seu filho Arnaldo e suas filhas Esmeralda e Cremilda, Alfredo Leite, Manoel Gouveia, José Elesbão; visionários como Euclides Dourado idealizador do Parque que tem o seu nome e do bairro de Heliópolis, Ruber Van Der Linden que associou o seu nome a todas as inovações tecnológicas surgidas aqui no século XX; jornalistas como Dario Rego, João Domingos da Fonseca, Satyro Ivo Júnior, José Francisco de Souza, Professor José Rodrigues, Ulisses Pinto, a sempre querida unanimidade garanhuense de Humberto de Morais; educadores como Pe. Adelmar e toda a família Valença, Seu Thompson, Madame Verônica (era assim chamadas as madres do Santa Sofia) que marcaram à sua época os grandiosos colégios que dirigiram; enfim, trata-se de uma história rica cujo registro não pode ficar afeto apenas à poucas pessoas – é responsabilidade de toda a Comunidade Garanhuense que precisa conscientizar-se desse encargo.
Não sei se consigo, mas espero fazer a minha parte!