sábado, 18 de abril de 2015

AINDA A TRAGÉDIA DOS EXAMES

Os comentários despertados pela crônica que publiquei no Facebook, “Porque Hoje é Sábado”, me levou à outras reflexões no sentido de que a medicina avançou muito nas descobertas científicas, na tecnologia dos novos equipamentos, na descoberta de medicamentos milagrosos, na engenhosidade de procedimentos. Mas, ao inverso, piorou muito na desumanização da carreira médica, na frieza da relação médico/paciente, na panaceia dos planos de saúde hoje transformados em um imenso SUS, no desprezo à marcação das consultas travestidas em “segundo à ordem de chegada”.

Para complementar, cito os incríveis e até inevitáveis efeitos colaterais que todos esses procedimentos estão causando pelo mundo afora, não só de natureza científica como pelas repercussões humanistas.
Para não destoar do inusitado das minhas ocorrências de vida, um belo dia percebo, assustado, um caroço no peito de tamanho já regular. Como é natural, entrei em pânico e fiz o que me pareceu instintivo: procurei desesperado o meu querido primo e amigo Prof. Eduardo Miranda, mestre e chefe de clínica oncológica respeitável e respeitado.

Abriu uma ficha com todos os dados e referências à minha saúde, histórico e antecedência médica, uso eventual de medicamentos e fez o esperado: uma palpação cuidadosa do meu peito, claro que menos incômoda que as verificações prostáticas....Constatada a existência de nódulo acentuado, tomou uma providência que, no primeiro momento, me pareceu inevitável: a requisição de uma MAMOGRAFIA.
Sem pensar muito e na aflição que sentia, dirigi-me à uma clínica especializada que tem o nome de um antigo companheiro de pensão de estudantes, já falecido e hoje dirigido por uma filha sua. Encaminhei a requisição no balcão de atendimento e aguardei disciplinadamente o preenchimento da burocracia necessária e fui encaminhado para a sala de espera.

Aí caiu a ficha e imaginem o meu vexame. Olhei para um lado e para o outro e todas as “esperantes” eram mulheres, o que me deixava como o pretenso último varão sobre a terra. Um espécime do gênero masculino fazendo uma mamografia que, praticamente, é reservada às mulheres em virtude da elevada incidência do mal.
Aí começo a encabular, diante dos olhares furtivos que as pacientes começavam a trocar diante do inusitado da ocasião. Faziam um risinho discreto e desconfiado, demonstrando uma surpresa que não devia existir diante da constatação de milhares de participantes nas paradas gays que estão acontecendo no Brasil inteiro.

Imaginava o que elas deveriam estar pensando:
o que essa bicha velha e amostrada está querendo provar ?” ; “esse cara acha pouco a concorrência que sofremos e ainda vem aumentar a  desigualdade de gêneros ?”; a mamografia dele é de peito ou de seio ?”.

A verdade é que passei um constrangimento desgraçado, até que me chamaram para a execução do procedimento. Após feito o exame e de certa forma aliviado, atravessei a sala de espera, às carreiras, e fui aguardar na recepção o resultado e a entrega da maldita mamografia.
Mais tranquilo depois de bisbilhotar o resultado que acusava a benignidade do nódulo, corri para o consultório de Eduardo e exibi triunfante a MAMOGRAFIA, ao final, salvadora! O meu caro Eduardo examina com muito cuidado o exame e, intrigado, até certo ponto, me reinquire sobre os medicamentos que estava usando e foi aí a grande surpresa: havia esquecido e, na minha angústia, esqueci de referir-me a um  tal de Aldactone que também estava tomando.

Ele foi peremptório: rasgue essa porcaria de exame, jogue fora o remédio que lhe restar, avise à sua cardiologista e suma daqui, disparando uma estrepitosa gargalhada. 
Até hoje, acho que riu porque não passou o que passei!

quarta-feira, 15 de abril de 2015

AS PENSÕES DE ESTUDANTE

 Uma lembrança de Nestor   Pinto morando numa pensão na Rua Barão de São Borja, despertou minha atenção para essa instituição muito respeitada na época: as pensões de estudantes.

Atualmente, poucos estudantes precisam se deslocar para Recife, a fim de cursar os cursos superiores uma vez que a interiorização de faculdades facilitou e muito a formação do 3º grau em muitos polos de ensino no interior do Estado.
Naquela época não existia, sequer, o segundo grau o que me obrigou, tão logo terminei o curso ginasial, ir estudar no Recife, para minha felicidade no Colégio Osvaldo Cruz, que me dá muito orgulho. Para hospedagem não tinha outra solução:  alguns raros internatos que ainda restavam ou as tradicionais pensões, sendo a maioria delas instaladas em casas de família que necessitavam melhorar suas rendas.

Essa circunstância me obriga, desde logo, a homenagear as incansáveis mães de família que, como heroínas, assumiam o terrível encargo de dirigir e manter, além de suas famílias, uma horda indisciplinada e moleca de estudantes, algumas vezes em períodos difíceis como foram os da guerra, em que até a comida escasseou. A sorte é que existia em todas as pensões um pacto, não expresso e formal, de respeitar-se os horários de estudo e de repouso. Eram sagrados!
Imaginem a trabalheira terrível a partir de cinco horas da manhã até nove, dez horas da noite, para dar contas das tarefas, sem as benesses que a tecnologia hoje proporciona.  Fogão à lenha ou carvão, toda comida era ralada ou passada nas antigas “máquinas de moer” e todo suco era espremido à mão, por falta de um simples liquidificador que surgiu muito depois como maravilha das coisas modernas. As geladeiras eram aparatos raros ainda não democratizados, por conta do custo e pela irregularidade do fornecimento de energia elétrica e, muito menos, batedeiras e lavadoras de pratos.

Os gêneros não perecíveis eram estocados em grandes despensas e as carnes, verduras, alguns legumes e frutas eram comprados quase que diariamente aos vendedores ambulantes de todos tipo de gêneros, que percorriam as ruas da cidade e, nessa relação, se estabeleciam as freguesias habituais. Dependia-se muito das pequenas mercearias e quitandas espalhadas pela cidade.
Honra, portanto, às queridas donas de pensão, heroínas do quotidiano que se matavam no trabalho para ajudar no sustento da família, enquanto alguns  “chefes” (ainda bem que raros) se regalavam em cadeiras de balanço e espreguiçadeiras.

Minha primeira pensão, a começar de janeiro de 1943, era localizada na Avenida João de Barros, naquele sobrado onde hoje abriga a Faculdade de Direito do Professor Pinto Ferreira, na confluência com a Rua Visconde de Suassuna. A sua localização era boa dada a sua proximidade com o Colégio na Rua D. Bosco, bem em frente daquele casarão lindo que abriga a Rádio Patrulha e me permitia ir à pé sem gastar transporte.
Fica difícil imaginar: os fundos das casas da João de Barros hoje cortadas pelas Ruas Tabira, Leopoldo Lins eram uma imensa campina, sem uma construção sequer, e o meu caminho para alcançar o colégio era uma vereda me levava diretamente ao Parque Amorim (chamado então Parque do Peixe-Boi) e daí então era só contornar o Colégio Americano Batista para alcançar a Rua D. Bosco.

A dona da pensão era Dona Balbina, tia do Padre Joel Moraes que trabalhou na Diocese de Garanhuns e foi professor no Diocesano, mãe de Dr. Orlando Moraes que foi depois Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Tenho poucas lembranças dos  companheiro de então, mas além de mim e meu irmão Ivaldo, um foi Cleodon Granja que se formou em medicina junto com Ivaldo e foi exercê-la em Palmares, sua terra natal.
Tempos difíceis de guerra, alimentação difícil, orçamento apertado, mas não tinha outro jeito e como sempre estudávamos até tarde, quem nos salvava era a interferência do cozinheiro, um negro homossexual maravilhoso chamado Virgílio que, escondido de D. Balbina, fazia uns lanchinhos e levava pra gente e, acreditem se quiser,  sem querer nada em troca. A pensão custava duzentos mil réis, o colégio oitenta mil réis e o caro era D. Maria lavadeira que morando na Mustardinha, toda semana levava e trazia a roupa pronta, sem esquecer os costumes de então que obrigavam paletó e os tecidos da época exigiam serem engomados. É incrível, mas para provar tenho uma fotografia da turma no encerramento do 2º grau, no dia 12 de dezembro de 1945, em que todos estão de paletó e em sua maioria de gravata. Não havia essa história de camisa esportiva!

Na crônica “Tempos de Guerra”, falei na mudança de costumes provocada pela guerra e bases americanas em Recife e Natal. Como não existia fábrica da Souza Cruz aqui, éramos obrigados a recorrer a duas pequenas fábricas de cigarro nativas e que atendiam à nossa mesada. O consumo era de um cigarro chamado “Atraentes”, em modesto rótulo vermelho, fabricado pela Caxias, que custava apenas oitocentos réis. A alternativa eram os cigarros americanos, logo contrabandeados, que chegavam aos montões para abastecer os “marines”, mas custavam cinco mil réis, absolutamente inviável para nosso minguado orçamento.
Lembro que na ocasião, houve um incêndio em um navio no Porto e ficávamos na calçada da pensão assistindo a passagem de carroças e mais carroças com os salvados de incêndio que o povo tratou de arrebatar e vender, por qualquer preço, cigarros, leites, queijos e muitos outros mantimentos destinados às bases americanas. A farra foi geral e pudemos passar bom tempo consumindo Lucky Stryke, Chesterfield, Pall Mall, Camel, Malboro, etc.  a baixo preço.

A seguir, quase no final da Avenida Conde da Boa Vista, ainda motivado pela facilidade de acesso ao colégio, fomos morar na pensão de Seu Inácio e Dona Maria, um casal já idoso, e o nosso alojamento era em uma água-furtada em quartos de parede de tabique. Cabia pouca gente e lembro apenas alguns companheiros: Aílton Ferreira Costa, grande amigo ainda hoje sustentando a mesma teimosia que eu para permanecer vivo, e dois estudantes de engenharia Humberto Baltar e Geraldo Muniz de quem não tenho notícias.
Daí saímos para a Rua das Ninfas, esquina com a Rua Manoel Borba, a pensão de Seu Lucas e Dona Maria. Quartos ocupando todo primeiro andar também de parede de tabique, e tivemos a companhia de muitos amigos como Célio Melo e seu irmão Lula, Genival Cesar, todos de Palmares e Clarindo Medeiros nosso companheiro e amigo desde o Diocesano e irmão de Benvindo Medeiros que muitos conheceram.

Aí vale o registro das presepadas de Clarindo que gostava de trajar bem, evidente elegância, sempre demonstrando uma seriedade pouco comum nos estudantes de qualquer época, mas extremamente moleque. Ocupava um pequeno quarto sozinho e, um dia, altas horas da noite, se escutou na escada um terrível grito de pavor que acordou toda a pensão. Pulou todo o mundo da cama, do jeito que estavam, de cuecas, de pijamas e até D. Maria trombou com a gente de camisola, no meio da escada.
Não foi identificada a razão do grito, nem seu autor e no dia seguinte estava Clarindo no café da manhã reclamando de D. Maria a falta de sossego e repouso em sua pensão que o estava deixando inclinado a mudar de pensão. E D. Maria se desculpando a “Seu Clarindo” como o tratava com todo o respeito. As invectivas eram fortes: canalhice, desrespeito, absurdos, etc. Somente tempos depois é que descobrimos que o autor da presepada foi Clarindo.

Aí chegou a vez da pensão de Dona Carmela, na rua Dom Bosco/esquina com a Rua Henrique Dias e a casa ainda está lá, a um  quarteirão do Colégio, e ocupávamos o melhor quarto da casa com três janelas de frente para a D. Bosco e ocupado por mim , Ivaldo e imaginem quem: o amigo Clarindo.
Vejam a trabalheira de D. Carmela, com um bando de filhos e quase sempre grávida, gerindo uma pensão com 45 (quarenta e cinco!) estudantes, sempre bem humorada e com uma paciência enorme no trato dos pensionistas. Os banheiros do primeiro andar ficava em longo alpendre, no meio dos quartos. Ocorre que na bela casa em frente, aonde hoje é uma loja do Super Mercado Extra , residia o respeitado Professor José Pires, casado com uma Lins e Silva, com muitas filhas, que obrigava a constantes reclamações do Professor a D. Carmela, dizendo ao telefone: “Carmela, mande esse povo se vestir” pois saiam de cuecas dos quartos em direção do banheiro, desfilando pelo alpendre.

Hoje, tenho a alegria de ser vizinho de porta de elevador há mais de quarenta anos, de uma das filhas do Professor, a querida Duse e o seu filho é como um sobrinho para mim. Era tanta gente que morava lá que lembro muito poucos. Não poderia esquecer Erasto, filho de Urbano Vitalino e Lucilo Maranhão titular de um excelente centro de exames em Recife, atualmente dirigido por uma filha sua.
Daí migrei para a Rua São Borja nº 232, pensão de Dona Nina e Seu Osvaldo que tinham os filhos Mauro e Carmita e mais um terceiro que não lembro o nome. Filha de italianos, Sr. Lauria, que a visitava sempre, era expert em cozinha e por conta disso começamos a passar melhor em matéria de comida.

No seu tempo Nestor, o Cinema Politeama ainda funcionava ? Pergunto porque era um dos poucos lazeres disponíveis para nós. Saíamos da pensão do jeito que estávamos, de chinelo e em manga de camisa para ir ao chamado “Polipulga”. Lembro até o porteiro do cinema, um senhor de meia idade chamado Tibúrcio que se contentava, às vezes, com um retumbante “Boa Noite, seu Tibúrcio” como ingresso, quando sabia que estávamos com a mesada esgotada.
Na casa vizinha à nossa, residia o Professor Brito Alves, eminente jurista e pai de Roque, Toinho, Sebastião que morando no primeiro andar confinavam-se com os nossos no mesmo andar. O intercâmbio era inevitável para acompanhar as notícias de guerra pelo rádio e a luta pela redemocratização do país que eclodiu com mais força no dia 3 de março de 1945 (completou há pouco 70 anos) resultando na morte do estudante Demócrito de Souza Filho na sacada do Diário de Pernambuco, vitimado pelas balas da polícia do Estado Novo.

Tarde da noite, quando a fome apertava ao fim de um longo estudo, o jeito era ir a pés até à confluência da Rua do Hospício com a Praça Maciel Pinheiro apanhar um sanduiche na Leiteria Vitória que já existia naquela época. Vale observar a fonte daquela praça, ainda hoje existente (graças a Deus, não conseguiram destruir ainda!) que considero uma das mais belas fontes que conheci até hoje na minha vida e nas minhas andanças.
Lembro ainda que a Rua Barão de São Borja, nessa época de insuportável anti- semitismo, era o centro da colônia israelita da cidade que se espraiava por toda a redondeza e pelo menos 30% de minha turma no Colégio, era composta por queridos companheiros dessa origem. Desconfio que o Osvaldo Cruz pela sua liberalidade, era o preferido da colônia, desde que não existia ainda o Colégio Israelita do Recife.

 Tempos difíceis, mas saudosos!

domingo, 12 de abril de 2015

EVOCAÇÃO DA VILA DE SÃO PEDRO

Ontem, dia 10 de março de 2015, aconteceu a inauguração da pavimentação da estrada “AMÍLCAR DA MOTA VALENÇA” ligando o Entroncamento da BR-423 à Vila de São Pedro. Antecipei-me e fui mais cedo para lá, junto ao Secretário de Transportes, para aguardar a chegada do Governador que deveria presidir o evento. A placa e o palanque montado foram situados em frente à casa que serviu de residência de Amílcar durantes muitos anos.

Estavam lá os filhos do homenageado: Adisa e esposo (meu querido amigo Zeca de Bolinha), Pedro Jorge, Emília e esposo (nosso Givaldo), Alexssandra e a lamentável ausência de Celso Benigno, meu querido irmão por livre escolha e afeto.
Enquanto esperávamos o início do evento, comecei a olhar em volta e relembrar os meus tempos de menino em São Pedro. Estrada de terra, muita poeira e a distância parecia enorme. Pra quem não sabe, a vila de São Pedro foi, durante muitos anos, uma estação de inverno (ou de verão ?)para o povo de Garanhuns, uma vez que a sua temperatura ambiente era sempre alguns gráus mais alta do que o inclemente frio do inverno de Garanhuns. Resultava em refúgio para algumas famílias que se “abrigavam” algum tempo em São Pedro para escapar do frio.

Não fugindo a regra , meu Pai Bida e Mãe Maria, alugavam uma casa lá na vila e lá íamos nós curtir um clima mais ameno durante um bom período, suportando melhor os inevitáveis banhos frios; as inéditas e deslumbrantes excursões pela zona rural junto com novos amigos; a proximidade com os leites tomados no pé da vaca; a degustação de queijos frescos e (há que maravilha e cada vez mais rara!) uma bela coalhada escorrida adoçada com rapadura ralada bem fininha.
A proximidade da “Fazenda São Paulo”, bem pertinho da Vila, pertencente a tio Francisquinho e tia Olívia que antes de morrerem a partilharam em vida com os seus filhos e que também, indo para lá, cumpriam o roteiro da estação de inverno  fugindo do frio da cidade.

A garantia do desfrute dos meninos era a Mercearia de Seu Galdino, que não deixava faltar os confeitos, pirulitos, e as gasosas Fratelli Vita – sabores limão e maçã – para atender a todos os gostos. A família de Seu Galdino e Dona Maricota era referência na Vila, e seus filhos Zé Galdino e Iracy que estudavam em Garanhuns e, se não falha a memória, Zé Galdino estudava na mesma turma de meu querido primo e compadre Waldemar Branco.
Aproveitando a oportunidade e, mesmo correndo o perigo de tergiversar, lembro um incidente maravilhoso ocorrido naquela Fazenda São Paulo, com todos nós já maduros, casados e pretensamente responsáveis, Num domingo de Carnaval, tomamos conhecimento que Vanildo (querido primo-irmão) por conta do falecimento de um parente de Gilda, sua mulher, refugiara-se na fazenda para não brincar o Carnaval - única coisa que o tirava do sério e o tornava até estroina e perdulário.

Por coincidência, naquele ano vieram passar o carnaval comigo Paulo Coxinha e sua mulher Jacira e ficaram hospedados na minha casa e até meu compadre e primo Luiz Jardim, recém liberado da sua convalescência do enfarte (já contei essa história) apareceu para se integrar na folia. Não queríamos correr o risco de levar Luiz conosco, mas ele foi inflexível: “Não adianta, se vocês não me levarem, vou sozinho e se cair morto na rua não tem quem me acuda. É pior!”.
O resultado foi uma deliberação unânime: deveríamos ir buscar Vanildo e trazê-lo na marra para participar do Carnaval conosco, e marchamos para a fazenda em São Pedro a fim de resgatá-lo para a folia. Para quem conhece, sabe que ela tinha um pátio fronteiro enorme e a porteira de acesso era muito distante da casa grande.  Quando abrimos a porteira , ele que estava na varanda da casa, apercebeu-se de nossa presença, pulou a grade da varanda e correu disparado para a catinga bem próxima onde se internou.

Corremos no seu encalço e nos deu um trabalho desgraçado para alcançá-lo. Depois de muita luta e todos esbaforidos, conseguimos arrastá-lo para o jipe em que estávamos. Sacudimos ele na traseira do jipe junto com Luiz, e como eu estava no volante, arranquei rapidamente para ele não poder escapulir mais uma vez. O diabo é que quando passamos na porteira de saída, ele deu um suspiro de alívio e exclamou: “Eita, eu tava morrendo de medo que vocês não me pegassem” e caiu na farra.
No alvoroço dos meus pensamentos foi inevitável, até pelas circunstâncias do evento, a memória das campanhas políticas de então que quase sempre eram marcadas pelo meu antagonismo com Amílcar. Poucas vezes estivemos juntos no mesmo palanque mas, mesmo assim, as nossas relações pessoais e familiares nunca foram perturbadas. Em 1963 fiquei ao lado de Amílcar, mesmo contrariando uma “pretensa” candidatura que se afirmava governista, e fomos vitoriosos.

No exercício do mandato fez uma viagem aos Estados Unidos e lá do Estado de Winsconsin, mandou-me um cartão postal em que dizia mais ou menos assim: “Você fez tanta força para eu subir que veja onde vim parar”. Esse postal foi guardado durante todos esses anos por Dulce (guardou tão bem guardado que não consigo encontrá-lo) e toda vez que se encontravam era uma divertida simulação de disputa pelo postal entre Amílcar, querendo-o de volta e Dulce insistindo pela sua posse como testemunho da nossa carreira política em comum.
De qualquer forma, foi um dia feliz para mim participar da inauguração do importante benefício para São Pedro, ao mesmo tempo em que me permiti aprofundar as saudades e reminiscências de tanto tempo que passou.

Arre! Quanta saudade!

domingo, 5 de abril de 2015

NOVAS EVOCAÇÕES DE ARCOVERDE

Como já falei, considero Arcoverde minha segunda terra e os comentários provocados atiçaram ainda mais a afetiva recordação que tenho de lá.

A oportuna intervenção de Julianne, lembrando ser neta de Gerson Freire, trouxe um turbilhão de gente à minha memória e apertou a saudade. No texto anterior, fiz referência ao terreno da esquina, confrontante à nossa casa, que junto à casa de Dr. Coelho, abrigou muitas vezes festas promovidas pelo Democrático, nos moldes das Festas da Mocidade (guardando as modestas proporções, claro...), com direito a palco, artistas, bares e escambal.
Lembro, com muita saudade, Dr. Coelho e Dona Nair, e aquela “penca” de filhos maravilhosos. Quantos netos, bisnetos estarão por aí sem que a gente os encontre, apenas me confortando a certeza de que, estejam onde estiverem, estarão honrando o seu DNA. Eu mesmo, queridos amigos, já tenho uma bisneta mocinha com 12 anos e vivo torcendo para ganhar um tempinho de conhecer um trineto!

No mesmo terreno um bom campo de voleibol e pra quem não sabe, fiquem sabendo que Arcoverde tinha um dos melhores times de vôlei da época e disputava a hegemonia no cenário estadual. Foi a evocação de Gerson que me despertou a lembrança do excelente time do Democrático, na época. Tinha um trio famoso de jogadores composto pelos irmãos Edson, Evaldo e Edvaldo que teriam lugar certo em qualquer time contemporâneo. Onde andarão os queridos amigos e suas famílias ?  Atenção, queridos amigos Cassiano e Brandão, jogando por Garanhuns você duelou com esse time de Arcoverde. Lembra os nomes de lá e de cá ?
Depois da casa de Dr. Coelho, ainda está lá de pé o Cine Teatro Rio Branco de propriedade de Dr. Pedrosa, então dentista da cidade e que não sei se deixou descendentes. Como todos os cinemas de todas as cidades, foi um marco na vida cultural da cidade. As clássicas matinês com os filmes de cauboy, acompanhados com um episódio das séries ansiosamente esperadas à cada semana, na medida em que cada uma terminava sempre (como as novelas de hoje) com um momento de suspense que se tornava  assunto dominante da semana, pela meninada, discutindo as prováveis soluções heroicas dos mocinhos.

Para variar, vez em quando, surgiam artistas diversos para se exibirem no palco e, até algumas companhias teatrais como a de Barreto Junior, com seus famosos “cacos” e “gagues” que levavam seus assistentes a um delírio. Existe um deles, muito famoso, que ouvi de Epaminondas França (pai de nossa Fernandinha), e como muito extenso, não cabe neste comentário. Fico devendo!
E os descendentes de Noé Nunes Ferraz, alguns deles queridos amigos de infância,  que era uma das mais expressivas figuras da cultura de “Rio Branco” ? Lembro, quando chegamos lá, ter encontrado ainda em alguns muros da cidade, uma quadrinha de propaganda de uma padaria que Noé possuiu antes de instalar o famoso “Bar e Sorveteria Confiança”: Dizia assim:

SALOMÃO REI DA CIÊNCIA/ NA FORÇA FOI O SANSÃO/ PADRE CÍCERO NA SAPIÊNCIA/ E NOÉ NUNES FERRAZ....NO PÃO!
Depois montou o bar e restaurante, caracterizado pela existência de cartazes com ditos jocosos, gaiatos que tenho alguns gravados na memória. No tempo em que rádio era uma preciosidade, alimentado à bateria de carro, por falta de energia elétrica regular, costumava-se dizer, ao invés de LIGAR o rádio, BOTAR o rádio. Preocupado com a integridade do seu precioso instrumento de comunicação para atrair os clientes, Noé fez um cartaz e colocou em baixo do rádio, suspenso numa prateleira: “TEM RÁDIO ? BOTE O SEU.  SE NÃO TEM, NÃO BOTE O MEU !...

Encontrei ainda no salão umas quengas de coco penduradas por barbante que Noé, quando interpelado sobre a natureza daqueles troços, respondia com firmeza: “TANTO VENDO COCO, COMO GOSTO DE GUENGA.” E caia na gargalhada.. Mas, as histórias de Noé dão um livro inteiro e irei escrevendo depois, na medida do possível. O único dos seus filhos de quem tenho notícia mais recente foi de Cleomadison, mas deve existir um montão de seus descendentes por aí.
Dona Alice, querida comadre de meus pais, com um bando de filhos que consideramos como irmãos: Alicinha, Zezé, Oton, Jones, Cleto e vai por aí afora. A última notícia que tive deles foi a presença de um filho de Jones, Jones Filho, morando e trabalhando em Garanhuns.

Já fiz, na crônica anterior, uma referência a Antônio Napoleão – um dos ícones dos meus tempos de menino até hoje – mas o que é feito dos seus descendentes , a começar pelo filho mais velho que tinha o nome do seu avô Sálvio Neto ? E os seus irmãos Euclides, Mario Caboré, Lucilo, Waldemar que marcaram a história de Arcoverde, o que é feito de suas famílias ?
James Pacheco, Alice e Jamildo, grande e fieis amigos de nossa família, com quem sempre mantivemos uma calorosa amizade. Clovis Padilha e querido amigo Cleto (tive notícias que morreu recentemente) parceiro da juventude também em Garanhuns, onde estudou. Foi o orador da homenagem na inauguração da Quadra Coberta do Colégio Cardeal, que tomou o nome do meu pai Zébatatinha. E seus descendentes que não temos ideia se existem e por onde andam ? 

Conheci Wilson Porto com toda sua paixão inarredável pela política, e recordo alguns dos seus descendentes, mas não tenho notícias deles recentemente. A grande figura de Dr. Carlos Rios advogado, jornalista respeitável e muito conceituado no Estado inteiro. Seu filho Ayron, companheiro de meu cunhado Áureo nos times de futebol do Democrático, e posteriormente eleito Deputado Federal representando Arcoverde.
Dr. Francisco Saboya, Engenheiro-Chefe do DNOCS, sua esposa D. Maria do Carmo, que com justiça deu seu nome ao Açude Poço da Cruz. Seus filhos Carlos José (Dedé), Fernando, Ricardo e Francisquinho foram meus contemporâneos e amigos de infância, de quem guardo muita recordação.

Dr. Abelardo Lôbo, Engenheiro-Chefe do Dnocs, também residente naquela casa que ainda está de pé e duas filhas Zezé e Gioconda, de quem não tenho notícias apesar de ter como nora/filha Marise, neta de Seu Alberto Lôbo, irmão de Dr. Abelardo.
Para não ficar muito extenso, por enquanto vou parando por aqui. As lembranças são muitas e a cabeça ferve de recordações!           

MENSAGEM DE PÁSCOA PARA CLARA

               Minha neta Clara estava em Portugal, onde concluíra seu mestrado na Universidade de Coimbra e, sentindo-se solitária, mandou uma mensagem de evocação lembrando a sua primeira viagem a Europa, ainda criança, na minha companhia e de Dulce, Pedro Leonardo, Malú, Sofia e Dr. Alfredo, seu querido avô materno. Na sua evocação, fruto de uma incômoda saudade, referiu-se a mim e Pedro subindo a “aquela infinita escadaria atrás do passado”, referindo-se à busca que fazíamos da passagem do meu bisavô, José da Costa Dourado Júnior (Rua Dr.Dourado em Garanhuns!), pela Universidade em que se bacharelou. Preocupei-me com sua saudade mandei-lhe essa mensagem, no dia 30 de março de 2013:

“Minha querida Clara:
Pense num velho impando de orgulho e vaidade, depois de ler sua mensagem. Lembrei-me de algumas campanhas políticas de que participei, no meu arremedo do louco e clarividente (pode?) Dom Quixote. O mote das campanhas, por vezes, era que “a política, como a vida, se assemelhava a uma roda-gigante” repleta alternativamente de alegrias e tristezas, vitórias e derrotas, alumbramentos e decepções que, em sua inconstância, nos ensina a suportá-las ou festejá-las em cada oportunidade.

A sua mensagem, Clara, é para mim a afirmação da alternativa mágica e milagrosa de alegria, vitória e alumbramento que me dão força para suportar os revezes que atropelam nosso caminho. Persiga, persista, insista e lute por seus objetivos, na convicção de que estará sempre “MUITO BEM ACOMPANHADA”, por uma solidária e amorosa família, e com as lembranças de Paínho e Vovô ”subindo aquela escadaria infinita atrás do passado”; “Vovô Alfredo, o teimoso, e o saco de remédio que escondi”; “Vovó Dulce e os sanduíches roubados do hotel”.
Se você pensa que lhe ajudei com a sugestão do bacalhau e do vinho, muito mais você me ajudou com as referências de sua mensagem. Confesso que chorei de alegria e do orgulho que tenho da minha família. Eu e sua avó lhe mandam um grande beijo.

Vovô Ivan

quinta-feira, 2 de abril de 2015

TIO ALÍSIO


Nosso tio Alísio era irmão de minha mãe Carminha, mas – na verdade – nosso irmão, uma vez que ficou órfão aos 8 anos de idade, e foi criado por minha mãe. Para que tenham ideia, quando tio Alísio ficou viúvo com a morte de tia Carmem, mamãe, uma semana depois e com “aquela sutileza” que lhe era característica, desmanchou sua casa e o carregou para lhe fazer companhia e ao velho Zebatatinha já cego. Anunciou para a família:

“Meu filho, adotei um garotinho de 70 anos.

Respondi-lhe na bucha:

“Ora, mamãe, quem não sabia que a senhora ia fazer isso. Até as pedras do calçamento de Arcoverde já desconfiavam”.

O inusitado é que tio Alísio morreu antes deles e no dia do seu enterro, papai lamentava:

Veja meu filho, Alísio vem pra aqui cuidar da gente e, de repente, nós é que o estamos enterrando.”

AS MÚSICAS DE TIO ALISIO

Mas não vamos tergiversar e o importante é que tio Alísio era uma “figuraça”! Homem simples e de pouca instrução formal, mas inteligente, de espírito moleque (muito parecido com o pai, nosso avô Ernesto Dourado a despeito de sua aparente sisudez) e boêmio por natureza. Quando a gente se juntava, era uma farra dos diabos e prevalecia sempre o seu espírito moleque que era e é característica da família.

O sonho de tio Alísio era aprender a tocar violão e lutou a vida inteira por essa ambição. O máximo que conseguiu foi acompanhar-se em duas músicas da época que nunca descobrimos qualquer referência de autoria e nem ele mesmo sabia.

Uma delas, de caráter jocoso, que ele repetia exaustivamente como se fossem novas versões musicais afirmando, a cada repetição, que era primeira, segunda, terceira... e nova parte da música, até conseguirmos ser atendidos para parar a extravagante e enfadonha musiquinha. O seu refrão era inconfundível:

“Indo um dia passear. Vi uma sombra na janela. Pensei que era minha namorada. Era umaaaa gata amarela...Eu era bem moço e bem apanhado, cangote grosso e bem impinado!”.

A outra música, linda por sinal, muito romântica e no estilo das “valsinhas dalilas” da época, que nunca conseguimos encontrar em qualquer arquivo musical. Lembro alguns trechos:

“Saudade dos tempos passados
Daqueles em que eu fui amado
Saudade, quem é que não tem
Só mesmo alguém que não quis bem”

A letra, que não era excepcional, continha um verso maravilhoso que falando dos desencontros do amor dizia:

“Se o lar for infeliz então teremos SAUDADE DAS SAUDADES QUE TIVEMOS.

Desnecessário salientar, pois é fácil adivinhar, que essa música tornou-se a bandeira e o hino das reuniões boêmias de nossa família.

Quanto a boemia, criou-se na época em Arcoverde uma trinca insuperável: tio Alísio, Audo (irmão de meu cunhado Aureo) e Nobinho (Arnóbio Pinto Filho, ainda solteiro, nosso grande amigo de infância em Garanhuns e, até hoje para alegria dos amigos, vivíssimo em Recife), inseparáveis nas constantes comemorações já que nunca faltavam motivos.

O curioso é que Nobinho representava e era vendedor, na região, de uma aguardente muito famosa na época, chamada “Chica Boa”. Era como raposa vigia de galinheiro e macaco vendendo banana. Farras homéricas para desespero das mulheres dos casados e deboche do liberado solteiro que não perdia ocasião para provocar tia Carmem e Zilma.

Existia até um sócio temporário do grupo: João Cavalcanti, gerente da Sodeco (firma distribuidora da cachaça Chica Boa) e, por consequência – imaginem - chefe de Nobinho e que, vez em quando, conseguia escapar da vigilância da sua esposa D. Mariazinha e se incorporava ao grupo.
 
Numa dessas escapadas, João Cavalcanti esqueceu da hora e chegou em casa já amanhecendo o dia.

Não teve dúvidas e pé ante pé, sorrateiramente, começou a tirar a roupa em absoluto silêncio para não acordar a vigilante cara-metade. Quando sentado numa cadeira, cuidava de tirar os sapatos com todo cuidado, foi surpreendido por D. Mariazinha que o interpelou:

Joãoooo..... que horas são essas ?

E João, sem pestanejar respondeu:

Levanta Mariazinha, que já está na hora da missa!

E de forma pressurosa, começou a calçar os sapatos de volta para recompor sua indumentária. Não sei até hoje se conseguiu convencer a mulher e se foram à missa!