sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

AINDA PADRE ADELMAR

A  VALENTIA  DE  EDSON  MONTEIRO

EDSON era o filho caçula de Seu Eurico Monteiro e foi dele próprio que ouvi essa história. Lamentavelmente morreu ainda muito moço e, se vivo fosse, estaria repetindo o ocorrido com muito humor. Contava ele que resolveu um dia não mais submeter-se à disciplina férrea de Padre Adelmar, sentindo-se valente e atrevido bastante para desafiá-lo, e quando caiu na malha para receber o famoso cartão de controle das mãos do Diretor, foi logo imaginando:

É hoje que vou desafiar o padre”.
Apresentou-se ao Pe. Adelmar que estava sentado à frente de sua escrivaninha (daquelas antigas com uma tampa tipo sanfona) para cobrar o seu cartão e ficou em pé esperando de braços cruzados.

O Padre, sem dar uma palavra, catou o seu cartão na pilha da mesa e simplesmente atirou o cartão no peito de Edson que não reagindo, deixou o cartão cair nos seus pés, permaneceu impassível e ousadamente pensou mais uma vez:
É hoje que eu topo o Padre!”.

Em poucos instantes o Padre, percebendo a indiferença de Edson que permanecia de braços cruzados em pose desafiadora, reagiu e perguntou-lhe o que estava esperando e ele respondeu:
Meu cartão, que eu não sou cachorro para apanhá-lo no chão”.

Até ai eu fui, Ivan, e aguentei a parada, mas quando o padre reagindo à minha insolência disse: “O que seu moleque?” ao mesmo levantando-se da cadeira para se levantar, abdiquei da coragem, e prontamente disse:
Não é nada não, seu Padre”.

Covardemente apanhei o cartão no chão e desci as escadas correndo.

A PRIMEIRA VIAGEM DE AVIÃO DE CÍCERO


Nosso querido motorista Cícero, que todo o mundo conhece em Garanhuns, vivia sempre reclamando que há mais de dez anos não via sua mãe morando em São Paulo e já estava bem velhinha. Meu filho Pedro Leonardo, sensibilizado, resolveu patrocinar uma viagem de avião para Cícero ir ver sua mãe e tomou todas as providências necessárias: reserva feita, passagem de ida e volta comprada, e na data marcada ele estava no aeroporto para embarcar.
Minha querida nora Malú, preocupada com a inexperiência e o absoluto ineditismo de viagens de avião, levou Cícero – mesmo que um tanto temeroso - para o embarque e adotou todas as providências para que tudo corresse direitinho.

Não teve dúvidas e de forma previdente, invocando a sua fé de ofício médico, escreveu em um papel de receituário e carimbou embaixo uma declaração “A QUEM AJUDAR POSSA” informando que se tratava de uma pessoa idosa com mais de sessenta anos, hipertenso, nunca viajara de avião e analfabeto juramentado.
Na chegada ao Aeroporto e logo no “check-in”, que Cícero logo denominou de “Chequinho”, mediante a declaração apresentada por Malú, ele foi acolhido de forma especial e conduzido até ao avião pelo funcionário da empresa de aviação que o acomodou logo na poltrona de frente e o recomendou ao pessoal de bordo.

A assistência foi tanta que mereceu a atenção do próprio comandante que, chegando no aeroporto de São Paulo, teve o cuidado de abordá-lo e perguntar se a viagem tinha sido boa, ao que ele logo respondeu:

“Beleza, Comandante !, foi tudo bem, a não ser uns “catabís” que o avião deu de vez em quando lá pra traz”

 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A LÓGICA PERVERSA DA VIA MANGUE

Alguém já percorreu todo o traçado da chamada “Via Mangue” ? Pra quem não conhece ainda, já ouviu falar o que é a chamada “Via Mangue” e os detalhes de sua concepção observados na implantação da tão badalada Via ? Sem nenhum exagero, trata-se de uma via expressa com 4,5 km de extensão, consistindo em um enorme viaduto assentado todo em pilotis no mangue e que, por isso mesmo, transformou-se na obra de engenharia mais cara de Pernambuco já tendo absorvido recursos na ordem de 500 milhões de reais.

Em se tratando de uma via expressa, na verdade, serve para ligar – no sentido Centro/Subúrbio - o Shopping Rio Mar ao Shopping do Recife, com um agravante:
Depois de aberto à circulação, constatou-se que por defeitos do projeto, não seria possível abrir ao tráfego a faixa leste ligando Subúrbio/Centro, desde que faltava o túnel para transpor a Avenida Antonio de Góes, nos mesmos moldes do que permitiu a travessia da Avenida Herculano Bandeira!.

E mais, conforme entrevista do nosso atual Prefeito admitiu-se que para correção do projeto e sua complementação ainda serão necessários investimentos na ordem de cem milhões de reais ! Será que ninguém será responsabilizado pelo erro que resultou na impossibilidade de sua utilização imediata ? Como resultado, temos hoje o surrealismo de uma via urbana que tem ida mas não tem volta, para total descrédito dos seus projetistas !

Porém, como não existe nada de tão ruim que não possa piorar, a famosa Via  é absolutamente VEDADA ao transporte coletivo, uma vez que não existem estações de embarque  e desembarque ao logo de todo seu percurso, a não ser que as pessoas pulassem no mangue e saíssem nadando e vice-versa. É ou não a lógica perversa de favorecimento do transporte individual em detrimento do transporte coletivo ?

E tem mais – pasmem – não existem ciclovias, nem passarelas para PEDESTRES ao longo da tal Via Mangue ou, pelo menos, uma calçada protegida para os pedestres aproveitarem o seu traçado e encurtarem o seu caminho. O jeito é caminhar na Via atropelando os carros ou sendo atropelados por eles. A conclusão é simples: Os pedestres e o transporte coletivo foram totalmente desconsiderados no projeto e na implantação da famosa Via Mangue. É ou não, mais uma COISA DE POBRE, sem qualquer explicação lógica ?


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

MAIS HISTÓRIAS DE SEBASTIÃO MOURA


Como falei anteriormente, João Borrego, compadre e amigo de Sebastião, era o personagem predileto para a criação de suas histórias. Aí vão mais duas que provam bem a prodigiosa capacidade criativa dele:

1.    CARRO NOVO DE JOÃO BORREGO

O compadre João Borrego durante muitos anos usou um carro Ford 29, que dirigia razoavelmente e o mantinha sempre “apontado” para o seu serviço. O Fordeco lhe servia bem, atendia com perfeição suas necessidades de deslocamento para a Fazenda, São Bento do Una e Garanhuns. Por mais que insistissem ele não admitia trocá-lo pelas modernidades dos novos carros que estavam surgindo.

Depois da 2ª. Guerra Mundial, surgiram os primeiros carros de capota de aço, modernos, cheios de inovações e facilidades que, de início, não seduziram o seu espírito conservador. A sua resistência terminou quando um dia, diante da insistência de amigos e vencido pela curiosidade, procurou uma loja de automóveis para melhor examinar a novidade.

Instado pelo vendedor, sentou no carro (uma coupê Ford azul 1947 que usou durante muito tempo e lembro ainda) para verificar o conforto, a facilidade de operação e, sobretudo, a segurança. Enquanto isso, o vendedor na ânsia de vender-lhe o carro, não parava de exaltar as suas maravilhas, os acolchoados confortáveis, a segurança assegurada pelas capotas, o pouco ruído do motor, a facilidade da mudança das marchas, enfim tudo o que as novas tecnologias aperfeiçoaram.

Pela insistência do vendedor para que Seu João colocasse em funcionamento o carro para experimentá-lo, ele procurou o comando do motor de partida, acostumado que era com o seu acionamento em um pequeno pedal junto ao acelerador do seu Ford 29 e, como é natural, não o encontrando reclamou.

O vendedor mostrou-lhe então uma das facilidades mais notáveis do carro novo e que hoje, como todos sabem, é acionada na própria chave do veículo.

Seu João, isso é um carro moderno, feito para sua comodidade. A partida é dada por esse botãozinho aqui no tabeliê do carro. Veja como é mais simples.

Seu João retrucou na hora:

Mais simples o que, moço ! Americano só faz coisa pra complicar a vida da gente.

Ao mesmo tempo em que falava, com um esforço enorme LEVANTOU A PERNA COM A AJUDA DAS DUAS MÃOS PARA “PISAR” E ACIONAR O BOTÃOZINHO DO TABELIÊ !


2.    A  PANE  DO  CARRO  NOVO

João Borrego terminou vencido pelas razões apresentadas e     comprou um carro novo. Lembro dele ainda. Uma coupê Ford novinha, modelo 1947 de cor azul escura, que usou durante muitos anos e ele terminou acostumando com a novidade.
Um belo dia, voltando da feira de São Bento, o carro deu uma pane e como não entendia nada do novo carro, o jeito foi, pacientemente, esperar passar alguém que pudesse socorrê-lo. Enquanto aguardava o presumível socorro, teve necessidade de urinar, dirigiu-se ao matinho da beira da estrada e serviu-se, esquecendo, entretanto, a braguilha aberta.

Como era dia de feira e o movimento da estrada era grande, não demorou a aparecer um caminhão de feira cheio de mercadorias e gente sentada em cima, ali compreendendo mulheres e crianças e, providencialmente, o motorista conhecendo seu João, tranquilizou-o logo encostando o caminhão no acostamento e desceu para ajudá-lo.  
Abriu o capô do carro, debruçou-se sobre o motor, e começou a inspecionar distribuidor, carburador, velas, bobina e demais componentes buscando o provável defeito enquanto Seu João do outro lado do carro aguardava o diagnóstico. O motorista enquanto procedia a sua vistoria, olhando para defronte percebeu o descuido de seu João e avisa em voz baixa: Seu João, a braguilha está aberta, Seu João!”

Ele retruca na hora, sem baixar o tom de voz: E ONDE DIABO É A BRAGUILHA DESSA PESTE QUE EU NÃO SEI !”


domingo, 18 de janeiro de 2015

AINDA COISAS DE VELHO


O primeiro texto que divulguei sobre as coisas de antigamente foi uma provocação às saudades enrustidas dos queridos amigos, a ponto de despertar outras lindas recordações dos velhos tempos.

Minha cara Norma Andrade referiu o cuscuz feito com o milho ralado por seu avô. Tinha que ser muito bom, Norma, pois era ralado na hora e o milho era chamado de “milho zarolho”, denominação dada porque o milho ainda não estava seco de tudo. Isso fazia com que o cuscuz resultante tivesse maior aroma e melhor sabor, impossível de obter com os pacotes de fubá empacotados e estocados por meses nas prateleiras dos supermercados.

O amigo e parente Chico Gueiros evoca as viagens de trem que, à época, se constituíam como acontecimentos sociais da maior importância e dava um certo relevo e orgulho a quem tinha oportunidade de fazê-las, pois não eram frequentes. Grande parte dos viajantes, quando em família, optavam em levar comida pronta para consumir durante a viagem que era prolongada e durava quase todo o dia e os demais utilizavam um vagão-refeitório, onde não faltava uma razoável comida e os líquidos para acompanhá-la.

Era um passeio rotineiro da cidade assistir as partidas e chegadas do trem. As constantes partidas de quem viajava por dever de trabalho, não causavam mais emoção mas, ao contrário, as viagens excepcionais eram acompanhadas pelas famílias com despedidas, lenço branco acenando, e familiares chorando como se estivessem partindo para o desconhecido e sem perspectivas de retorno! Da mesma forma o sentimento alegre demonstrado nas chegadas.

Meu avô, Ernesto Dourado, foi Chefe da Estação da Great Western e essa patente era reconhecida como importante na escala social da cidade tanto que, até morrer, foi chamado de “Chefe” por muitos  contemporâneos seus.   

Os carregadores de bagagem faziam uma instituição reconhecida como importante e tinham freguesia certa para apanhar e levar as bagagens nas residências que os tornavam muito conhecidos da população. Além dos referidos nos comentários, lembro ainda “João do Ovo” que puxava um carro grande e forte e fazia toda a sorte de transporte imitando o barulho dos carros.

O “Mudo”, carregador, viveu durante longos anos em Garanhuns, sem que ninguém soubesse o seu nome, origem e pouso certo. No fim da vida, graças à intervenção caridosa de Antonio Vaz (olha aí seu avô, Toinho Coelho) foi identificado e encaminhado a um asilo em Bom Conselho, onde morreu.

Os trens foram desde 1877, quando aqui, chegaram, foi o único meio de transporte para a Capital, escalando em dezenas de estações intermediárias. Eram também responsáveis pela movimentação de comboios carregando a enorme produção de café, cerais, algodão que existia em Garanhuns

A linha férrea foi, durante muitos anos, o único meio de locomoção  para a Capital até que surgiram os primeiros ônibus regulares, chamados de “sopas” de propriedade de João Tude de Melo, até então modesto proprietário de oficina, mas que teve a visão de pioneiro pelo transporte automotivo em nossa região e tornou-se  um grande empresário do setor. Só para registro da minha memória mais antiga, lembro que, muito garoto ainda, conduzi as alianças do casamento de João Tude e Carmem, filha de seu Aprígio.

E as águas das grutas de Garanhuns, formadas pelas sete colinas, como Vila Maria, São Vicente, Pau Pombo, Pau Amarelo, Serra Branca, de excelente qualidade, hoje em sua maioria poluídas e destruídas pela incúria e desídia humana. Eram distribuídas de porta a porta por carroças e lombo de burros, em latas e despejadas diretamente no potes obrigatórios existentes nas cozinhas das casas.

 

 

 

sábado, 17 de janeiro de 2015

A LÓGICA PERVERSA DA ARBORIZAÇÃO DAS CIDADES


Frequentemente nos releases oficiais, nas entrevistas, nos            debates sobre preservação do meio-ambiente, nas veementes reivindicações dos ecologistas, nos anunciados programas do Poder Público em todas as esferas, surge sempre a notícia de que serão plantadas milhares de árvores para “enverdecer” as cidades e torná-las mais habitáveis.

Para seguir a regra, a Prefeitura do Recife acaba de anunciar um programa destinado a plantar 100.000 mudas até o fim do ano de 1916  e de repente, percebe-se que realmente estarão sendo plantadas em quantidade razoável que, certamente, contribuirão para voltar o frescor, amenizar as temperaturas elevadas, reduzir a evaporação e preservar as fontes dágua tão importantes para a vida humana. Adiantam, ainda, que serão plantadas mudas de nada menos de 57 espécies de árvores meramente ornamentais, todas elas frondosas e belas e nada a censurá-las.
Entretanto, como é importante para alimentar o contraditório, imaginemos que ao invés das espécies citadas, tivéssemos 100.000 mudas de árvores FRUTÍFERAS como jambeiros, mangueiras, sapotizeiros, frutas-pão, - igualmente frondosas e belas – mas produzindo milhares de toneladas de alimentos para a população, A CUSTO ZERO, na medida em que essa escolha não representaria qualquer aumento de dispêndio para o programa de arborização.

Tomemos como exemplo a maravilhosa fruta-pão: as publicações especializadas referem que um espécime adulto, mesmo sem maiores tratos culturais, produz por ano cerca de 320 quilos de frutos. Uma simples conta aritmética demonstra que teríamos anualmente nada menos que 32.000.000 (trinta e dois milhões) de quilos de alimentos saborosos e de alto valor nutritivo para a população. Antes que os técnicos me contestem, refiro que isso é só um exemplo, pois todo mundo sabe que o sistema radicular da fruta-pão não permite o seu plantio em calçadas.
Do mesmo modo imaginem o jambeiro que, além dos alimentos fornecidos e altamente produtiva, é uma árvore belíssima de formato conífero - desde que não depredado por podas desastrosas - e forma um lindo tapete de cor bonina à cada floração.

Porém, por nunca explicadas razões e não entendo porque, existe um impiedoso preconceito disseminado na sociedade contra a utilização de árvores frutíferas na arborização das cidades e que tomou conta também dos responsáveis pela coisa pública. Sem qualquer argumento razoável, recusam-se cultivar plantas que forneceriam alimentos saudáveis a toda população, a custo zero, desde que o custeio de mudas frutíferas não se altera em relação às simplesmente ornamentais.
E o preconceito é tanto que em recente proposta da Prefeitura, constante de um alentado “Manual de Arborização” com 56 páginas e definição de 57 (!) espécies meramente ornamentais a serem plantadas, faz-se referência apenas em um único, triste e solitário parágrafo, sem quaisquer explicações que:
“O USO DE ESPÉCIES DE ÁRVORES FRUTÍFERAS, COM FRUTOS COMESTÍVEIS PELO HOMEM, DEVE SER OBJETO DE PROJETO ESPECÍFICO.”

Vejam que perversidade discriminatória! Por exclusão, se forem “frutos comestíveis” pelos animais estão aprovados pelo manual em causa. As árvores “com frutos comestíveis pelo homem” não (!), e remete-as à prescrição para as calendas gregas. É possível que de 2017 em diante se permita plantar um pezinho de pitomba!
Se duas dezenas de técnicos conseguiram uma linhagem de 57 espécies ornamentais sem as inconvenientes dificuldades que autorizem o seu plantio, por que não se atribuiu aos mesmos técnicos a prioridade para as espécies frutíferas que, além da sombra, do verdor, da proteção ambiental ainda forneceria alimentos para a população?. E nem podem alegar que não existam, uma vez que falam em “projeto específico” para o futuro.

Mesmo assim, aleluia !, por não cometerem o mesmo erro de administrações passadas quando fizeram o plantio, em grande escala, das infames castanholas que estão por aí a arrebentar as calçadas, dando trabalho à limpeza pública e produzindo frutos horríveis até para os animais.

COISAS DE VELHO


Não gosto de ficar falando de coisas de antigamente, como se tudo fosse excelente e antítese da modernidade que sobreveio. Não é bem assim. Parece inconformação com a velhice; saudade do que se perdeu; carência do que não se pode mais; lamentação pelo que se tornou impossível! Mas, ainda vale muito a evocação das coisas boas que se perderam diante do avanço da tecnologia.

Quantos ainda lembram o tempo em que não existia geladeiras, freezers, câmaras frigoríficas, produtos químicos conservantes exceto o sal e não tínhamos, sequer, o fornecimento de energia regular o que somente aconteceu  aqui no Nordeste com o advento de Paulo Afonso. Mas o povo detinha, com extrema perfeição, a TECNOLOGIA DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS. Além da falta de energia elétrica, ainda não chegara a nós o gás engarrafado, que os contemporâneos não são capazes de imaginar o avanço e a comodidade que o gás proporcionou às donas de casa.

Pensem que as únicas fontes disponíveis eram o carvão e a lenha e façam ideia do sacrifício de fazer o fogo bem cedinho para preparar o café da manhã. As pessoas choravam com a fumaça desprendida pela lenha molhada pelas madrugadas frias de Garanhuns e recorriam, até, ao querosene e bolas de papel para conseguir atear o fogo. Lembro muito que minha mãe, logo de véspera, preparava umas lasquinhas de lenha e gravetos e as colocava no forno do fogão para obtê-las bem sequinhas e conseguir “fazer o fogo” na manhã seguinte.

Os mais antigos e “intermediários” devem lembrar que em todas as casas, em cima do fogão, existia sempre um fio de arame atravessado em que se colocavam carnes, linguiças caseiras, toucinho, tranças de alho e cebola para receberem uma defumação natural desprendida do fogo.

Toda vez que vou ao mercado, atualmente, me divirto muito quando vejo e compro defumados com preço acrescido pela incorporação do processo “tecnológico” e lembro, sempre com saudade, das preparações que se faziam em nossa casa.

Da mesma forma o preparo dos doces e das conservas de legumes (picles) que eram produzidas em casa. Aproveitava-se a época das safras respectivas para a compra de produtos em caixas e em centos (compra em grosso) a preço bem baratinho de tomate, goiaba, banana (ah! as compotas de rodelinhas), araçá (ah! as geleias de araçá de D. Dulce), figo (ah! as compotas de figo de D. Carminha disputadas por toda família), couve-flor, cenoura, chuchu, cebolinha, etc. Arrecadava-se de imediato o indispensável tacho de cobre, uma grande colher de pau para mexer e as vasilhas para armazenagem.

Entrava em cena a fabricação caseira e, para guardar os doces e picles maravilhosos, um grande número de enormes botijões de vidro com tampa e vedação de uma arruela de borracha que era pressionada por uma mola articulada na boca dos botijões. Depois de esterilizados e enchidos com os acepipes, os botijões eram submetidos a um banho-maria que garantia a sua conservação por um longo tempo. Adiante-se que comprar doces em mercearias era indício de ausência de família ou de família imprevidente.

Imaginaram, agora, a razão porque a maioria das casas tinham dispensa para estocagem dos produtos conservados?

Simultaneamente, algumas rudimentares tecnologias foram abandonadas, não porque não funcionassem a contento, muito pelo contrário eram de grande eficiência, mas pela inação, comodidade e sobretudo pelo vezo inconsciente de transferir tudo para o Poder Público, como se fosse o Grande Pai Branco.

Gerações e mais gerações do semi-árido assistem e foram criadas sob a inclemência das terríveis secas, como se fossem eventuais e não uma inconstante inclemência do tempo. Não entendo e me revolta, quando vejo notícias de estudos, seminários, congressos, debates, e programas sobre os modos de convivência com a seca, como se fosse um problema novo e nunca discutido.

Quando não existiam caminhões-pipa até para abastecer cidades inteiras, como ocorre hoje a encargo do Exército e das empresas de abastecimento  no Nordeste inteiro, nem financiamento e doações de cisternas na zona rural, as casas urbanas que se prezavam e eram a grande maioria delas, tinham CISTERNAS E CALHAS PARA COLETA DE ÁGUA DA CHUVA que garantiam sobretudo água para beber, uma vez que a água da chuva é pura e só exige limpeza periódica dos telhados e dos reservatórios.

Hoje a população prefere a água de botijões que transformou-se em grande negócio e, em cidades de porte médio com carência de abastecimento, usam até para tomar banho. A água distribuída nas cidades, que em todos os países desenvolvidos do mundo é utilizada com qualidade para beber, em nossas cidades é usada para lavar calçada e pisos.

Numa cidade do porte do Recife, por exemplo, com elevados índices de pluviosidade, por que se permite que toda água de chuva seja desperdiçada e remetida diretamente para os dutos que terminam despejando-as nos rios ou diretamente no mar ?

Por que não existe uma legislação que obrigue os prédios/casas/construções com panos de telhado significativos a fazerem a coleta das águas pluviais e recolhê-las em cisternas, para economizar a água da distribuidora ?

Lembrança boa das casas com QUINTAIS QUE NÃO EXISTEM MAIS, em que não faltavam:

A) os galinheiros que garantiam as gordas e valorizadas galinhas e seus ovos, hoje chamadas “de capoeira” e disputadas a preço de ouro no mercado, sem falar que garantiam os famosos “pirão de parida” dieta infalível às gestantes em rigoroso resguardo;

B) por efeito colateral dos galinheiros, as tomates redondas, vermelhas e pequeninhas que hoje são chamadas de tomate-cereja e vendidas nos supermercados a preços extorsivos e consumidas pelos mais famosos mestres da culinária do mundo inteiro;

C) as latadas de chuchu, limão, maracujá (garantia o consumo de sucos) e que só eram colhidos na hora do preparo;

D) uma touceirinha de cidreira e capim santo para garantir o tratamento de febre e resfriados, dispensando remédios de farmácia;
E) aqui e ali, dependendo do espaço do quintal, um pezinho de laranja, ou de manga, ou de abacate, ou de jabuticaba (ah! meu Deus, estão desaparecendo) e eventualmente

E) uma casinha de pombos.

Juro que não é COISA DE VELHO, mas evocação e saudade.

sábado, 10 de janeiro de 2015

CHAMADO Á REFLEXÃO

Não sou dono da verdade, nem pretendo impor a minha verdade aos amigos, mas convido os companheiros das redes sociais à uma reflexão, sem qualquer conotação partidária, política ou preferencial.

Talvez não tenham pensado, mas nós constituímos uma parcela privilegiada da Nação, desde que:

A)   tivemos acesso à escola, quando no Brasil ainda existem cerca de 20 milhões de analfabetos totais sem contar com os funcionais e todos os políticos blasonam a necessidade de qualificação de mão de obra para assegurar emprego e renda. Todo o mundo fala farisaicamente na prioridade da educação, entretanto o eciano Conselheiro Acácio diria que tudo começa do começo: Como poderíamos qualificar um analfabeto, para retirá-lo da dependência de uma Bolsa Família se ele não sabe sequer ler e escrever para que, daí em diante, não mais sirva de massa de manobra ? Quando atentaremos para o fato de que qualquer plano ou programa de educação em uma nação teria que começar pela extinção radical do analfabetismo ?

B)   Como corrigir as terríveis desigualdades do corpo social se deliberadamente não damos prioridade aos analfabetos? Somente universalizando a alfabetização poderemos conceder aos mais dependentes a oportunidade de se qualificarem para ascender na escala econômica da sociedade. A persistir este estado de coisas, teremos eternamente uma legião de brasileiros, como nós, dependendo do assistencialismo da bolsa família para romper o estado de miserabilidade em que vivem! A coisa é tão surrealista que os jornais de hoje publicam uma decisão do Prefeito de São Paulo criando uma bolsa mensal destinada à qualificação de 100 (cem !) transexuais e travestis, a um custo total anual de um milhão de reais! Não conheço DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO maior quanto uma medida inócua e insignificante como essa, diante dos milhões de brasileiros que não têm chance sequer de uma elementar alfabetização!

C) em grande maioria, dispomos de planos de saúde, enquanto milhões de brasileiros se amontoam na porta de instituições públicas de saúde no aguardo de uma consulta ou da marcação de uma cirurgia eletiva e, ao mesmo tempo, profissionais de medicina se recusando a trabalhar em unidades de saúde pública no interior, sob o pretexto de que não lhes proporcionam as devidas condições de trabalho e aí castigam a população (cabe um reparo: sou do tempo em que meus filhos nasceram em casa e nunca médico algum recusou o encargo, sob o pretexto de falta de condições);

D) temos mesa farta, quando ainda 13 (treze) milhões de patrícios não conseguem garantir – no dizer de Miguel Arraes – “sequer um cuscuz no café, no almoço e no jantar !”;

E) temos residência em casas de alvenaria saneadas, eletrificadas, em ruas delineadas e até em luxuosos “privês”, quando milhões de cidadãos vivem em condições sub-humanas nas favelas, invasões, casas de papelão e palafitas que consagram a civilização de caranguejos apregoada por Josué de Castro;

F) índices assustadores e crescentes dos crimes, e os políticos ainda discutindo qual a esfera do poder responsável pelo combate global à violência, quando a obrigação é de todos;

G) temos, em grande maioria, nossos veículos unitários de transporte para quem converge a prioridade nas soluções de mobilidade, enquanto a grande maioria dos brasileiros (quando conseguem o dinheiro da passagem) se espremem nos transportes coletivos, sujos, calorentos e desconfortáveis, etc. e botem eteceteras nisso!

É axioma e dispensa fundamentação. Não conseguiremos modificar as práticas políticas sem o aperfeiçoamento global da sociedade! E como aperfeiçoá-la se nas simples relações da cidadania não se cultivam as boas regras? Estamos cumprindo o papel que nos cabe nessa concertação social ? Deploro muito e ainda não cansei de reclamar e lembrar aos companheiros das redes quanto ao comportamento das chamadas redes sociais. Estamos parecendo tropas de guerrilha organizadas, planejadas e adestradas para a grosseria, violência, ofensas e agressões e, sem uma simples reflexão, nos revoltamos com a violência praticada na França, em nome de uma pretensa religiosidade.

Não debatemos, agredimos. Não discutimos, vociferamos. Não argumentamos, usamos linguagem chula. Não cumprimentamos, agredimos com palavrões. Não usamos razões, distribuímos inverdades. Não justificamos nossos erros, tentamos universalizá-los. Pobreza de argumento e riqueza de deboches. Pobreza de civilidade e riqueza de xingamentos. Pobreza de educação doméstica e riqueza de violenta selvageria. Qualquer hora dessas, vamos ter que tirar as crianças da sala, para se permitir a leitura dos nossos comentários na rede.

Quem me conhece sabe que tenho um monte de defeitos, mas não sou um velho abusado, ranzinza ou um “Lunga” da vida! Com toda a humildade APELO PARA OS QUERIDOS AMIGOS E COMPANHEIROS DA REDE para modificarmos nossa postura neste admirável instrumento tecnológico e, assim, garantir nossa contribuição para o aperfeiçoamento do corpo social brasileiro, como é dever da nossa responsabilidade. Acima de tudo e de todos os interesses pessoais, vamos cumprir a nossa parte!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A LÓGICA PERVERSA DAS PASSARELAS TIDAS COMO "BONDOSAS"


Recife registra apenas duas passarelas para pedestres que, não fosse a displicência do Poder Público, poderiam ser chamadas, sem deboches, de passarelas bondosas: a do início da Rua Herculano Bandeira no Pina com elevadores e escadas rolantes e uma segunda prestigiada apenas com um elevador, em frente ao Hospital das Clínicas da UFPe.

Elas deveriam formar, como contraponto ao que denominamos de “passarelas perversas”, as estruturas seguras, acessíveis, cômodas e confortáveis para os desvalidos pedestres, inclusive os que, por absoluta incapacidade física, não tem como acessar até mesmo os arremedos dessas passarelas existentes e que deveriam sim, mas não prestam o serviço ao qual foram destinadas pelo simples fato de que não recebem a manutenção devida e, por consequência, não atendem à finalidade proposta, pois estão sempre quebradas.

Como é “COISA DE POBRE”, ficam lá sem manutenção e, quando quebram, leva-se uma eternidade para serem reparadas. Se fosse um buraco no leito da rua prejudicando o trânsito de automóveis, a gritaria dos seus privilegiados condutores seria enorme e o reparo atendido de imediato.

Gostaríamos muito de saber o custo unitário dessas duas “passarelas bondosas” e o da manutenção contratada se é que existe.

A verdade que não pode ser escondida é que, quando se trata de obras para facilitar a comodidade do transporte individual e favorecer os seus felizes possuidores, não existe qualquer consideração com os seus custos para construir rótulas, trevos, viadutos, semáforos, contornos, acostamentos, pontes, etc., mas quando se trata de uma elementar comodidade do POVÃO surgem, de pronto, as deslavadas e pouco originais desculpas de custos.

Para um modesto início, porque não fazem um levantamento dos locais mais críticos de travessia de pedestres e criam um projeto padrão simples de elevadores (lembro aos notáveis projetistas que escadas rolantes, podem ser bonitas, mas não atendem aos cadeirantes, deficientes físicos e aos mais idosos), recursos assegurados à sua manutenção e vigilância, eliminação de sinais que se resultariam desnecessários (para esses existe manutenção contratada, emergencial e constante, já que servem aos automóveis!) e programar a sua instalação pela critério da escala de prioridades.

E aí, como mais importante, iniciar a sua implantação pois trata-se de vida de gente e quero lembrar a lição do poeta: “PORQUE GADO A GENTE TANGE, FERRA, ENGORDA E MATA, MAS COM GENTE É DIFERENTE”.

Quando é que vamos considerar que pobre é gente com sentimentos, carências, cansaços, decepções, poucas alegrias, muitas tristezas, porém ainda capazes de dar a lição que a população de Abreu e Lima deu com a devolução das mercadorias saqueadas, provando que TEMOS UM POVO!, com um trabalhador de salário mínimo mostrando sua dignidade através da condenação  à essa maldita sociedade de consumo, ao reprovar o mal feito de um filho dizendo: “Essa ambição de ter as coisas não se justifica”!.

 

domingo, 4 de janeiro de 2015

ANIVERSÁRIO DE IVO AMARAL

2. ANIVERSÁRIO DE IVO AMARAL                                                                       

Fui convocado por Ronaldo Cesar para escrever alguma coisa sobre o aniversário dos 80 anos de Ivo Amaral e não queremos falar nos anos decorridos. Não tem graça nenhuma referir-se à nossa condição de anciãos. É fato público e notório e prefiro ressaltar a nossa amizade e o respeito que nunca faltou em nossas relações pessoais:

“Quando se fala atualmente em “política nova”, “gestão pública moderna”, “nova forma de fazer política”, somos obrigados a relembrar o estilo que sempre marcou nossa conduta nos últimos quarenta anos. Pra nós, nenhuma novidade! As circunstâncias da maldita ditadura de 64 nos distanciaram politicamente, mas nenhuma intercorrência conseguiu nos incompatibilizar pessoalmente.

Muita gente ainda nos critica e, aferrados às velhas práticas, não reconhecem que a verdadeira política (não as politiquices) pode ser exercida com dignidade e decência, sem confundir os debates necessários com as querelas pessoais que não levam a nada em benefício da população.

Na campanha para Prefeito em 1976, em que nos confrontamos diretamente, durante a passeata de sua vitória, jogaram uma bomba no jardim da minha casa e a minha raiva não foi com a bomba, mas com a decepção por não ter recebido um simples telefonema de Ivo só para reiterar o que eu já sabia com certeza, à exaustão, de que ele não tinha qualquer responsabilidade com o episódio.

Não consigo esquecer que há cerca de 15 anos, quando meu filho José Ivan sofreu um grave problema de saúde que lhe rendeu vinte dias de UTI e mais outro tanto de internação hospitalar, invariavelmente quase  todos os dias, o primeiro telefonema que recebia era de Ivo pedindo notícias de meu filho.

Ele nem desconfia do orgulho que senti quando, em uma das famosas reuniões promovidas pelo PSB-Garanhuns que marcaram uma nova forma de fazer política em nossa terra, Ivo Amaral compareceu pessoalmente e, numa saudação afetuosa, me confiou de público a construção da vida política do seu filho Ivo Júnior e do seu neto Rafael, ao abrigo do PSB. Nunca lhe falei do meu sentimento e só agora, nesta oportunidade, me desnudo e revelo as fragilidades da minha vaidade. Tenho o maior orgulho desse fato que revela, de forma inestimável, a grandeza, a segurança e o respeito de nossa amizade.

Tenho, ainda, grande admiração pelo nosso poetinha Vinicius de Moraes e esse texto me parece um dos seus melhores poemas que, nesta hora, fala por mim com mais propriedade.

“AMIGOS (Vinícius de Moraes)

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor. Eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite rivalidade.                                                                                                                                              

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências.

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. É delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí.

E me envergonho, porque essa minha prece é em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer.

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que não desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos! A GENTE NÃO FAZ AMIGOS, RECONHECE-OS!”

A mensagem de Vinicius fala por mim e é suficiente! Grande abraço de Ivan Rodrigues

sábado, 3 de janeiro de 2015

A ANUNCIADA MORTE DE CÍCERO MOTORISTA

Cícero motorista de profissão, recentemente aposentado, é uma pessoa muito conhecida na cidade de Garanhuns e sempre solicitada por meio mundo de gente para eventual prestação de serviços. Bom profissional, inteligente, esperto, conhece de tudo e de todos e de extrema confiança. Apesar de todo traquejo, tem uma dificuldade enorme para as primeiras letras e até hoje continua analfabeto.Desespera-se mas não consegue ler, nem escrever. Tem uma família organizada, construiu sua casa própria e, com um tirocínio econômico surpreendente, não perde oportunidade para aproveitar todas as situações e ganhar seu dinheirinho honesto. Antes de “tirar” sua carteira de motorista, ganhava sua vida lavando carros e, para isso, fazia ponto na Av. Santo Antônio. Com a sua ascensão profissional, foi substituído nesse trabalho por um outro lavador de carros, também chamado Cícero.

A MORTE DE CÍCERO

Um belo dia corre a notícia na cidade que haviam matado Cícero, lavador de carros na cidade e ele, mesmo socorrido no hospital, não resistira e já estava no necrotério (na pedra) do Hospital D. Moura. A divulgação foi rápida e a primeira pessoa avisada foi exatamente o pai de nosso Cícero que, prontamente e com toda diligência, cuidou logo de passar numa mortuária e comprar um caixão e dirigiu-se ao hospital para tirar o falecido da chamada “pedra”, como ainda se chama o leito mortuário em todos os hospitais.

Somente com a chegada do pai de Cícero no Hospital é que se constatou que se tratava do outro CÍCERO que o substituíra lavando carros na Avenida e não o seu filho Cícero. Voltou com o caixão para devolvê-lo à Mortuária e, como é natural, aliviado com a inexistência da morte do seu filho.

À essa altura, conseguiram avisar o nosso Cícero de sua propalada morte que, desesperado, correu para o Hospital ao encontro do pai e  esclarecer as razões do equívoco. Depois disso resolvido, foi avisado de que, possivelmente, sua esposa , Irene,  já poderia ser ter sabido da história uma vez que a notícia corria rápida na cidade, e aí tratou de correr a pés desesperado, para a sua residência a fim de evitar o dissabor para sua família.

Acontece que a caminhada do Hospital Dom Moura até sua casa no bairro da Liberdade é de uma distância razoável e a notícia infausta de que Cícero estaria morto na “pedra” do hospital já chegara ao conhecimento de Irene que, também desesperada, correu a pés no sentido inverso da Liberdade para o hospital em busca do cadáver do falecido.

Imaginem a ansiedade de Cícero e o desespero de Irene que terminou os levando a um inevitável encontro no meio do trajeto. Irene, ao avistar o “fantasma” de seu marido, perdeu os sentidos e desabou no chão em plena rua e, quando desperta, deu um trabalho danado para ser convencida da realidade dos fatos. Enfim, aleluia !, tudo esclarecido.

Porém o mais inusitado é o desfecho e a referência na vida de Cícero ao longo de todos os anos decorridos. Meu filho Pedro Leonardo, que conhece a reação dele, aproveita qualquer novo auditório para solicitar que ele conte a sua história.

E ele nunca consegue chegar ao fim do relato pois, toda vez que é solicitado, não consegue atingir o desfecho por DESABAR EM CHORO CONVULSIVO! Deve ser a única pessoa no mundo – merecendo um Prêmio Guiness - que consegue prantear a sua própria morte antecipadamente!