quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A CEGUEIRA DE ZÉ BATATINHA




Como referido em texto anterior, a falta de formação escolar de Zébatatinha foi o maior incentivo para sua busca de conhecimentos através de uma leitura constante que tornou-se a paixão de sua vida. Lia sem parar, era a sua distração, possuía uma enorme biblioteca e todos os seus momentos disponíveis eram dedicados à leitura. Formou uma bagagem cultural expressiva, eclética e poucos assuntos escapavam de sua observação, análise e crítica cuidadosa.


Como lia bem e muito, transformou-se em qualificado escriba no respeito às regras do vernáculo, caligrafia bonita, imaginação e estilo insuperáveis. O pior que lhe podia acontecer era a cegueira, aos 67 anos de idade, resultante de duas mal sucedidas cirurgias de catarata. Viveu, portanto, os últimos 27 anos de sua vida inteiramente cego.

Nunca se lamentou, nem reclamou de sua desdita e conseguiu de forma surpreendente adaptar-se à nova situação, criando procedimentos adequados. Tinha o seu armário em que ele próprio arrumava os seus pertences mais usados e ia busca-los na medida de sua necessidade, sem solicitar ajuda de ninguém.

Nas reuniões da família que manteve durante todo esse tempo  era sempre dos mais animados, cantando e tomando a sua dose preferida de uísque puro, sem gelo, e que nunca ultrapassava de um dedinho de altura. Nas entradas de Ano Novo, fazia um discurso emocional (com rara competência e botava todo o mundo pra chorar) sobre a necessidade de manter-se a unidade da família, mesmo após o seu desaparecimento.

Conseguia manter sua indignação contra os deslizes da sociedade, preservando um bom humor incrível. Um belo dia, à noite, sem saber que Arcoverde estava totalmente às escuras, telefonei pra sua casa e foi ele próprio que atendeu – claro que no escuro foi quem teve mais facilidade para se deslocar até o telefone - A minha primeira fala foi perguntar:

 “Ôi pai, está tudo bem por aí ?”

que ele respondeu de pronto:

“Pra mim está, meu filho. O pessoal aqui é que está reclamando da escuridão. Só quem está no claro sou eu !”

 e caiu na gargalhada. Raciocinei na hora: Vejam que coisa fantástica - um cara naquela idade usando o seu infortúnio para debochar dos outros -  Só Zébatatinha mesmo!...

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