sábado, 17 de janeiro de 2015

COISAS DE VELHO


Não gosto de ficar falando de coisas de antigamente, como se tudo fosse excelente e antítese da modernidade que sobreveio. Não é bem assim. Parece inconformação com a velhice; saudade do que se perdeu; carência do que não se pode mais; lamentação pelo que se tornou impossível! Mas, ainda vale muito a evocação das coisas boas que se perderam diante do avanço da tecnologia.

Quantos ainda lembram o tempo em que não existia geladeiras, freezers, câmaras frigoríficas, produtos químicos conservantes exceto o sal e não tínhamos, sequer, o fornecimento de energia regular o que somente aconteceu  aqui no Nordeste com o advento de Paulo Afonso. Mas o povo detinha, com extrema perfeição, a TECNOLOGIA DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS. Além da falta de energia elétrica, ainda não chegara a nós o gás engarrafado, que os contemporâneos não são capazes de imaginar o avanço e a comodidade que o gás proporcionou às donas de casa.

Pensem que as únicas fontes disponíveis eram o carvão e a lenha e façam ideia do sacrifício de fazer o fogo bem cedinho para preparar o café da manhã. As pessoas choravam com a fumaça desprendida pela lenha molhada pelas madrugadas frias de Garanhuns e recorriam, até, ao querosene e bolas de papel para conseguir atear o fogo. Lembro muito que minha mãe, logo de véspera, preparava umas lasquinhas de lenha e gravetos e as colocava no forno do fogão para obtê-las bem sequinhas e conseguir “fazer o fogo” na manhã seguinte.

Os mais antigos e “intermediários” devem lembrar que em todas as casas, em cima do fogão, existia sempre um fio de arame atravessado em que se colocavam carnes, linguiças caseiras, toucinho, tranças de alho e cebola para receberem uma defumação natural desprendida do fogo.

Toda vez que vou ao mercado, atualmente, me divirto muito quando vejo e compro defumados com preço acrescido pela incorporação do processo “tecnológico” e lembro, sempre com saudade, das preparações que se faziam em nossa casa.

Da mesma forma o preparo dos doces e das conservas de legumes (picles) que eram produzidas em casa. Aproveitava-se a época das safras respectivas para a compra de produtos em caixas e em centos (compra em grosso) a preço bem baratinho de tomate, goiaba, banana (ah! as compotas de rodelinhas), araçá (ah! as geleias de araçá de D. Dulce), figo (ah! as compotas de figo de D. Carminha disputadas por toda família), couve-flor, cenoura, chuchu, cebolinha, etc. Arrecadava-se de imediato o indispensável tacho de cobre, uma grande colher de pau para mexer e as vasilhas para armazenagem.

Entrava em cena a fabricação caseira e, para guardar os doces e picles maravilhosos, um grande número de enormes botijões de vidro com tampa e vedação de uma arruela de borracha que era pressionada por uma mola articulada na boca dos botijões. Depois de esterilizados e enchidos com os acepipes, os botijões eram submetidos a um banho-maria que garantia a sua conservação por um longo tempo. Adiante-se que comprar doces em mercearias era indício de ausência de família ou de família imprevidente.

Imaginaram, agora, a razão porque a maioria das casas tinham dispensa para estocagem dos produtos conservados?

Simultaneamente, algumas rudimentares tecnologias foram abandonadas, não porque não funcionassem a contento, muito pelo contrário eram de grande eficiência, mas pela inação, comodidade e sobretudo pelo vezo inconsciente de transferir tudo para o Poder Público, como se fosse o Grande Pai Branco.

Gerações e mais gerações do semi-árido assistem e foram criadas sob a inclemência das terríveis secas, como se fossem eventuais e não uma inconstante inclemência do tempo. Não entendo e me revolta, quando vejo notícias de estudos, seminários, congressos, debates, e programas sobre os modos de convivência com a seca, como se fosse um problema novo e nunca discutido.

Quando não existiam caminhões-pipa até para abastecer cidades inteiras, como ocorre hoje a encargo do Exército e das empresas de abastecimento  no Nordeste inteiro, nem financiamento e doações de cisternas na zona rural, as casas urbanas que se prezavam e eram a grande maioria delas, tinham CISTERNAS E CALHAS PARA COLETA DE ÁGUA DA CHUVA que garantiam sobretudo água para beber, uma vez que a água da chuva é pura e só exige limpeza periódica dos telhados e dos reservatórios.

Hoje a população prefere a água de botijões que transformou-se em grande negócio e, em cidades de porte médio com carência de abastecimento, usam até para tomar banho. A água distribuída nas cidades, que em todos os países desenvolvidos do mundo é utilizada com qualidade para beber, em nossas cidades é usada para lavar calçada e pisos.

Numa cidade do porte do Recife, por exemplo, com elevados índices de pluviosidade, por que se permite que toda água de chuva seja desperdiçada e remetida diretamente para os dutos que terminam despejando-as nos rios ou diretamente no mar ?

Por que não existe uma legislação que obrigue os prédios/casas/construções com panos de telhado significativos a fazerem a coleta das águas pluviais e recolhê-las em cisternas, para economizar a água da distribuidora ?

Lembrança boa das casas com QUINTAIS QUE NÃO EXISTEM MAIS, em que não faltavam:

A) os galinheiros que garantiam as gordas e valorizadas galinhas e seus ovos, hoje chamadas “de capoeira” e disputadas a preço de ouro no mercado, sem falar que garantiam os famosos “pirão de parida” dieta infalível às gestantes em rigoroso resguardo;

B) por efeito colateral dos galinheiros, as tomates redondas, vermelhas e pequeninhas que hoje são chamadas de tomate-cereja e vendidas nos supermercados a preços extorsivos e consumidas pelos mais famosos mestres da culinária do mundo inteiro;

C) as latadas de chuchu, limão, maracujá (garantia o consumo de sucos) e que só eram colhidos na hora do preparo;

D) uma touceirinha de cidreira e capim santo para garantir o tratamento de febre e resfriados, dispensando remédios de farmácia;
E) aqui e ali, dependendo do espaço do quintal, um pezinho de laranja, ou de manga, ou de abacate, ou de jabuticaba (ah! meu Deus, estão desaparecendo) e eventualmente

E) uma casinha de pombos.

Juro que não é COISA DE VELHO, mas evocação e saudade.

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